Projeto especial inaugura parceria entre o G1, o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Especialistas apontam as causas e o que é possível fazer para acabar com essa epidemia de mortes.
Por Thiago Reis, G1
Há inúmeros exemplos: de como uma vida pode custar apenas R$ 20, de
como uma discussão de casal pode terminar em tragédia, de como uma
execução pode parecer algo banal.
O trabalho é o ponto de partida de uma parceria do G1 com
o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. O projeto tem um nome: Monitor da Violência.
PÁGINA ESPECIAL: quem são as vítimas
AS CAUSAS DA EPIDEMIA DE MORTES: o que diz pesquisador do NEV
O QUE PODE SER FEITO PARA ENFRENTAR A EPIDEMIA DE MORTES: diretores do FBSP analisam
Nesta primeira etapa, 230 jornalistas do G1 espalhados
pelo país apuraram e escreveram as histórias dos 1.195 mortos em 546
cidades – quase 10% do total de municípios brasileiros. São todos os
casos de morte de que se tem notícia registrados no período de 21 a 27
de agosto.
Trata-se de uma pequena amostra – se comparada à marca de quase 60 mil
homicídios anuais –, mas que perfaz um retrato da violência no Brasil.
Alguns recortes se destacam no levantamento feito. São eles:
- Do total de vítimas, 89% são homens
- Os jovens – especialmente os de 18 a 25 anos – são a faixa etária mais vulnerável à violência (33% do total)
- Negros correspondem a 2/3 das vítimas em que a etnia é informada
- A maior parte dos crimes ocorre à noite (35%)
- O fim de semana concentra um grande percentual dos casos (36%)
- 81% morrem vítimas de arma de fogo (quando a arma é informada)
- Em 15% dos casos, o autor do crime conhece a vítima
- São 89 suicídios no período
Mas mais importante que os números em si são as histórias dessas
vítimas: saber quem são, por que entraram para o rol de mortos e o que
representam em meio a essa epidemia de violência que vive o país.
Vidas que custam menos de R$ 100
Manoel Pereira da Silva teve a vida interrompida aos 63 anos após
receber uma facada no pescoço em João Pessoa. O motivo: uma dívida de R$
20.
Dependente químico, ele foi abordado pelo agressor, que cobrou o
dinheiro, em uma região conhecida como Cracolândia. Uma mulher ainda
tentou intervir. Acabou ferida e não conseguiu evitar a morte do idoso.
Não foi um caso isolado na semana. No Pará, um homem de 48 anos foi
assassinado por conta de uma dívida de R$ 50. Foi esfaqueado e deixado
caído no meio da rua em Tucuruí.
No Gama, cidade-satélite do Distrito Federal, um outro acerto de
contas. Um adolescente de 16 anos foi assassinado a sangue frio porque
tinha uma dívida de R$ 80 relacionada a drogas. Um fim abreviado para um
jovem considerado “brincalhão e de bom relacionamento” pelos colegas da
escola, que ele havia largado um ano antes.
De bebê a centenário
Entre as vítimas há desde um bebê de apenas 2 meses até um homem de 112
anos. No caso do menino João Myguel Vicente Gomes, a morte ainda é
investigada. Ele foi levado a um hospital no Agreste de Pernambuco já
sem vida. E entrou para a triste estatística da semana.
Em outro ponto do estado, dois dias depois, era registrada a morte do
mais velho da lista. Eriberto Francisco de Lima, de 112 anos, foi morto
em uma área de mata de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana
do Recife. Ele foi encontrado enforcado, mas a família não acredita em
suicídio e faz um apelo para que as autoridades investiguem o caso.
Apenas duas capitais não registraram mortes violentas durante a semana
em questão: Vitória e Campo Grande. Florianópolis só aparece na
estatística pois teve um suicídio no período.
Por outro lado, mais de 45 cidades registraram índice superior a 10
mortes a cada 100 mil habitantes – índice considerado extremamente alto
se for levado em conta o período de apenas sete dias analisados (já que a
taxa é usada como parâmetro anual).
O Ceará foi o recordista de casos em números absolutos: 128 mortes – quase uma por hora.
Mulheres como alvo
Apesar de os homens serem maioria entre as vítimas, o número de
mulheres assassinadas – especialmente pelos companheiros ou
ex-companheiros – também chama a atenção. É um dado que só cresce. Ainda
assim, poucos casos são classificados como feminicídios, o que denota
uma subnotificação nos registros deste tipo de crime.
Segundo o levantamento, são nove vítimas. Umas delas, Laniele Santos
Duques da Silva, foi morta com um tiro na cabeça pelo marido em Mauá, na
Grande São Paulo, e deixou uma filha de 1 ano.
Em Tupã (SP), Jaguarari (BA), Icó (CE) e Serra (ES), as vítimas foram
alvo de ex-companheiros. Débora Goulart, que já havia registrado um
boletim de ocorrência contra o ex-marido, foi esfaqueada dentro de casa
no interior de São Paulo. Na Bahia, Graciela de Souza Dias foi morta a
pauladas pelo ex, que não se conformava com o fim do relacionamento. O
mesmo ocorreu no Ceará com Patrícia Ferreira da Silva, morta a tiros
pelo ex-companheiro, que dizia não ter “superado” a separação. No
Espírito Santo, Gabriela Silva de Jesus foi estrangulada pelo ex-noivo.
Sancionada há pouco mais de dois anos, a Lei do Feminicídio aumenta a
pena para assassinatos contra mulheres cometidos em razão do gênero. Mas
ainda é pouco aplicada.
Falta de transparência
Outro problema verificado no levantamento diz respeito à transparência.
Boa parte das mortes, por exemplo, só foi registrada pelas equipes do G1 após
a semana analisada. Isso porque vários casos foram conhecidos dias
depois, quando os órgãos de segurança divulgaram seus balanços mensais.
Várias secretarias, porém, se negaram, tanto durante a semana como
posteriormente, a passar uma listagem das vítimas ou mesmo um dado
consolidado.
O G1,
então, fez um cruzamento com fontes, policiais, sindicatos e com IMLs
(Institutos de Medicina Legal) para chegar ao número final e contar
todas as histórias.
O trabalho mostra a falta de transparência de muitos governos
estaduais. Mas não só: revela também uma total ausência de padronização e
de um sistema nacional que abranja homicídios e demais mortes
violentas.
Um exemplo da dificuldade em obter estatísticas confiáveis são os casos
de mortes por policiais. Em alguns estados, eles entram na estatística
como homicídios. Em outros, são separados e constam como “confronto com a
polícia”, “auto de resistência” ou outra denominação diferente. O G1 teve
de analisar caso a caso para chegar ao número de 61 mortes por
intervenção policial no período (ainda assim, é possível que algum caso,
em razão de informações escassas por parte das forças de segurança, não
tenha entrado na conta).
PERGUNTAS E RESPOSTAS: quais as causas da violência no Brasil?
Participaram deste projeto:
Coordenação: Athos Sampaio e Thiago Reis
Edição:
Amanda Polato, Carolina Dantas, Carlo Cauti, Clara Velasco, Cida Alves,
Darlan Alvarenga, Elida Oliveira, Felipe Grandin, Flávio Ismerim,
Gabriela Bazzo, Helton Simões Gomes, Juliana Cardilli, Karina Trevizan,
Letícia Macedo, Luciana Oliveira, Luiza Tenente, Marília Neves, Marta
Cavallini, Megui Donadoni, Monique Oliveira, Pâmela Kometani, Peter
Fussy, Ricardo Gallo, Roney Domingos, Rosanne D'Agostino, Taís Laporta,
Vanessa Fajardo e Vitor Sorano (Conteúdo), Rodrigo Cunha (Infografia) e
Fabíola Glenia (Vídeo)
Design: Alexandre Mauro, Juliane Monteiro, Karina Almeida, Igor Estrella e Roberta Jaworski
Desenvolvimento: Rogério Banquieri
Vídeo: Alexandre Nascimento, Beatriz Souza, Eduardo Palácio e Mariana Mendicelli
Produção e reportagem:
Janine Brasil, Quésia Melo e Aline Nascimento (G1 AC)
Cau Rodrigues, Michelle Farias, Carolina Sanches, Roberta Cólen, Derek
Gustavo, Waldson Costa, Natália Normande, Magda Ataíde, George Arroxelas
e Suely Melo (G1 AL)
Adneison Severiano, Indiara Bessa, Ive Rylo, Patrick Marques, Andrezza Lifsitch, Camila Henriques e Leandro Tapajós (G1 AM)
Jorge Abreu, Jéssica Alves, Lorena Kubota e John Pacheco (G1 AP)
Henrique Mendes, Natally Acioli, Alan Tiago, Danutta Rodrigues e Lílian Marques (G1 BA)
André Teixeira, Gioras Xerez, Valdir Almeida, Verônica Prado, Marília Cordeiro e Ranniery Melo (G1 CE)
Marília Marques, Eduardo Miranda e Maria Helena Martinho (G1 DF)
Manoela Albuquerque e Viviane Machado (G1 ES)
Elisângela Nascimento, Fernanda Borges, Murillo Velasco, Paula Resende, Sílvio Túlio, Vanessa Martins e Vitor Santana (G1 GO)
João Ricardo e Márcia Carlile (G1 MA)
Alex Araújo, Cíntia Paes, Flávia Cristini, Humberto Trajano, Pedro Ângelo e Raquel Freitas (G1 MG)
Rafael Antunes, Daniela Ayres, Vanessa Pires, Bruno Sousa, Caroline
Aleixo, Bárbara Almeida, Karla Pereira, Roberta Oliveira, Marielle Moura
e Victória Jenz (G1 Triângulo Mineiro, Centro-Oeste de MG e Zona da
Mata)
Adriana Lisboa, Marina Pereira, Ricardo Guimarães, Zana Ferreira,
Patrícia Belo, Juliana Peixoto, Valdivan Veloso (G1 Grande Minas e Vales
de Minas)
Lucas Soares, Régis Melo, Fernanda Rodrigues e Lara Silva (G1 Sul de MG)
Fernando da Mata, Juliene Katayama, Marcos Ribeiro, Nathália Rabelo e Nadyenka Castro (G1 MS)
Pollyana Araújo, Denise Soares, André Souza e Lislaine dos Anjos (G1 MT)
Andrea França, Taymã Rodrigo e Raiana Coelho (G1 PA e TV Liberal)
Taiguara Rangel, Aline Oliveira, André Resende, Diogo Almeida, João
Brandão Neto, Krystine Carneiro, Gabriel Costa e Iago Bruno (G1 PB)
Marina Meireles, Ricardo Novelino, Bruno Marinho, Luiza Mendonça e Katherine Coutinho (G1 PE)
Joalline Nascimento, Lafaete Vaz, Lindayanne Florêncio, Lyllyan Belo,
Mário Flávio, Mavian Barbosa e Rodrigo Miranda (G1 Caruaru)
Amanda Lima, Beatriz Braga, Emerson Rocha e Juliane Peixinho (G1 Petrolina)
Catarina Costa, Maria Romero, Gilcilene Araújo, Júnior Feitosa, Carlos Rocha e Ellyo Teixeira (G1 PI)
Adriana Justi, Thais Kaniak, Aline Pavaneli, Fabiula Wurneister,
Letícia Paris, Erick Gimenes, Ederson Hising e Samuel Nunes (G1 PR)
Felipe Grandin, Henrique Coelho, José Raphael Berrêdo, Leslie Leitão, Nicolás Satriano e Patrícia Teixeira (G1 Rio e TV Globo)
Fernanda Soares, Franklin Vogas, Vanessa Ornelas, Juan Andrade, Amaro
Mota, Filipe Carboni e Julian Viana (G1 Norte Fluminense, Lagos e Região
Serrana)
Lara Gilly e Luís Filipe Pereira (G1 Sul do Rio e Costa Verde)
Fernanda Zauli, Anderson Barbosa, Igor Jácome, Rafael Barbosa e Ricardo Oliveira (G1 RN)
Jonatas Boni, Magda Oliveira, Rogério Aderbal, Eliete Marques, Jeferson
Carlos, Diêgo Holanda, Hosana Morais e Jheniffer Núbia (G1 RO)
Emily Costa, Jackson Félix e Inaê Brandão (G1 RR)
Hygino Vasconcellos, Gabriela Haas, Otávio Daros, Jessica Perdonsini,
Daniel Favero, Tatiana Lopes, Rafaella Fraga, Shállon Teobaldo, Janaina
Lopes, Felipe Truda, Luã Hernandez e Alexandra Freitas (G1 RS)
Fernanda Burigo, Joana Caldas, Mariana de Ávila, Mariana Faraco e Valéria Martins (G1 SC)
Joelma Gonçalves (G1 SE)
Glauco Araújo, Luiz Ottoni, Kleber Tomaz, Will Soares, Cíntia Acayaba, Paulo Toledo Piza e Paulo Guilherme (G1 SP)
Mariana Bonora e Tiago Moraes (G1 Bauru)
Patrícia Teixeira, Marcello Carvalho, Fernando Evans, Fernando
Pacífico, Murillo Gomes, Ana Letícia Lima, Bruno Oliveira e Letícia
Baptista (G1 Campinas)
Paola Patriarca e Francine Galdino (G1 Itapetininga)
Fernanda Lourenço, Jamile Santana, Cristina Requena e Gladys Peixoto (G1 Mogi das Cruzes e Suzano)
Samantha Silva, Arthur Menicucci e Carol Giantomaso (G1 Piracicaba)
Adriano Oliveira e Rodolfo Tiengo (G1 Ribeirão Preto)
Renata Fernandes, Marcos Lavezo e Bruna Alves (G1 Rio Preto)
Fernando Bertolini, Stefhanie Piovezan, Fabio Rodrigues, Raquel Baes, Ana Marin e Kalinka Bacacicci (G1 São Carlos)
Mayara Corrêa, Ana Carolina Levorato, Fernanda Szabadi, Carlos Dias,
Álisson Batista, Aline Albuquerque e Gabriel Morelli (G1 Sorocaba)
Gelson Netto, Stephanie Fonseca e Wellington Roberto (G1 Presidente Prudente)
João Paulo de Castro, Ivair Vieira Jr, José Cláudio Pimentel, Mariane Rossi e Alexandre Lopes (G1 Santos)
Guilherme Machado, Leonardo Medeiros, Carlos Santos e Simone Gonçalves (G1 Vale do Paraíba)
Patrício Reis, Jesana de Jesus, Edson Reis, João Guilherme Lobasz,
Letícia Queiroz, Gilvana Giombelli, Matheus Mourão e Vilma Nascimento
(G1 TO)
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