Sérgio Lima-28.mar.2012/Folhapress | |
O Cavalo de Troia é o novo Fundo Eleitoral que Vicente Cândido, do PT, quer criar para que nós cidadãos contribuamos com R$ 3,6 bilhões adicionais para a campanha de nossos pobres políticos.
A proposta de Vicente, uma atrocidade moral que eles ousam chamar de Reforma Política, carrega armadilhas perversas. Aponto aqui as mais graves.
1. Nosso país está quebrado. A "meta" de rombo, neste ano, é de R$ 139 bilhões, e o governo está em dificuldades para honrá-la. Sem a reforma da previdência, e gastando desvairadamente para comprar apoio no Congresso, está num beco sem saída. Vai ter que aumentar o rombo, ou aumentar impostos. Os dois cairão no nosso colo. Jornais mostraram nesta semana fotos de hospitais públicos que, sem verbas, não podem fazer cirurgias de coração. Enquanto tem gente morrendo por falta de dinheiro, irresponsáveis querem mais dinheiro para eleições. É uma atrocidade.
2. A população não quer. Qualquer pesquisa mostraria que não há um brasileiro sequer disposto a pagar um novo fundo eleitoral. Ora, são os deputados e senadores nossos representantes ou não? Ao implementar algo que nenhum de seus eleitores quer, merecem continuar lá? Estão lá por eles ou por nós? Merecem ser reeleitos? Têm alguma legitimidade moral?
3. Não há tempo para debate e discussão pública. Faltam menos de dois meses para acabar o prazo constitucional para mudanças de legislação eleitoral, que têm que ser feitas até início de outubro —um ano antes das eleições. Os deputados postergaram o trâmite deliberadamente, para que seja feito a toque de caixa, com a desculpa do prazo. Tentarão aprovar a reforma, de forma expressa e dissimulada, votando em madrugadas. Discussões de assuntos do interesse do povo levam meses. A discussão na comissão da Câmara foi feita em um dia. Fique de olho, eles vão voar.
4. A proposta diminui a representatividade. Como se não bastasse a já combalida representatividade do nosso Congresso, qualquer aumento de dinheiro público a piora, e muito. Para entender o porquê, imagine hipoteticamente que os partidos políticos tivessem acesso ilimitado a recursos públicos. Para que precisariam dar satisfação à população e aos seus eleitores, se têm recursos para comprar os votos dos menos informados? Por outro lado, com menos dinheiro público, teriam que cativar suas bases, criar militantes e contribuidores, pesquisar o que querem, e representá-los no congresso. Enfim, precisariam se aproximar dos eleitores. Dinheiro público é inversamente proporcional à representatividade.
5. O fundo é variável. Vicente Cândido, que não é bobo, está tentando fixar o valor do novo fundo como um percentual da RCL (Receita Corrente Líquida) da União. Ele havia sinalizado 0,25% da RCL. Agora quer dobrar para 0,50%. Isso daria, este ano, R$ 3,6 bilhões. Porém, como sabemos, estamos ainda no fundo do poço criado por Dilma, Lula e o PT. Quando a economia se recuperar, a RCL também crescerá, e com ela o Fundo Eleitoral. Para você ter uma ideia, a RCL mais do que triplicou nos últimos 15 anos. Podemos ter que contribuir, daqui a quatro eleições, com R$ 11 bilhões para campanhas eleitorais. O Cavalo de Troia pode virar um tirano(ssauro) que se alimenta de dinheiro.
6. Os valores atuais já são exorbitantes. O Fundo partidário foi triplicado por Romero Jucá em 2015 e, hoje, é de R$ 819 milhões (sem contar as concessões de tempo em rádio e TV, na ordem de centenas de milhões de reais). Eles não querem aumentar esse valor em 10%, mas em 340%. Seria 12 vezes o valor de 2014.
7. Os gastos partidários não são transparentes. Partidos não têm rigor na forma que prestam contas. Cada um faz de seu jeito, agrega valores da forma que bem entende, e pode mudar a metodologia de um ano para outro. Não há transparência dos gastos do dinheiro da sociedade para a sociedade.
8. Mesmo sem o Fundo, partidos grandes já receberiam mais. Com a cláusula de barreira proposta, partidos menores não terão acesso a dinheiro público. Em vez de deduzir esses valores da contribuição da sociedade, eles serão redistribuídos aos partidos grandes.
9. Há alternativas. Os parlamentares estão argumentando que, na ausência do financiamento privado, precisam aumentar o público. Não é verdade, pois podem mudar o sistema, implementando outro mais barato e eficiente. O "distritão" (será alvo de outro artigo), apesar de perverso, já é mais barato que o atual sistema proporcional, por ter menos candidatos. Mas a melhor solução, em termos de custo e representatividade, seria a adoção do sistema distrital, que pode diminuir os custos de campanhas em até 80%. Por que não implementar agora essa modalidade, cogitada apenas para 2022?
10. A renovação política será comprometida. Os atuais parlamentares querem essa reforma para terem maiores chances de se reeleger. Se o conseguirem, perderemos uma enorme, talvez a maior, chance de renovação do nosso Congresso. Reeleitos, além de darem continuidade ao abominável desserviço que vêm prestando ao país, eles podem piorar o sistema ainda mais, revertendo medidas que estão prometendo para 2022.
A proposta de Vicente Cândido, a ser votada nas duas casas, e já apoiada pela quase totalidade do Congresso, não é reforma, mas ROMBO político, financeiro e de representatividade, que estão tentando enfiar nossa goela abaixo.
É o momento de acordarmos e exercermos cidadania. Se não o fizermos, perderemos a maior, talvez a única, chance de renovação política para tirar o Brasil deste buraco. E você? Vai ficar no sofá assistindo? DA FOLHA
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