Josias de Souza
O governo de Michel Temer está na berlinda há 48 dias, desde que veio à tona o escândalo da JBS. Nesse período, ministros e aliados do presidente no Congresso repetem que só um fato novo poderia encurtar-lhe o mandato. Produziram-se tantos fatos novos que ficou difícil contá-los. O penúltimo foi a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima. O próximo deve ser a formalização do acordo de delação premiada em que o doleiro Lúcio Funaro vai aprofundar as acusações contra Temer e todo o seu staff político.
A profusão de fatos novos —os de ontem somando-se aos de hoje, a estes misturando-se às previsões sobre os que estão por vir— provoca uma gradativa erosão no conglomerado governista, debilitando a supremacia legislativa do governo. Em público, Temer declara-se “animadíssimo”. Em privado, seus auxiliares contam votos. E concluem que a situação do governo já não é tão confortável na Câmara, que decidirá se autoriza ou não o Supremo Tribunal Federal a se debruçar sobre a denúncia que pode converter Temer em réu.
Como Temer não consegue fornecer explicações convincentes, a única consequência da onda de fatos novos é produzir outros fatos, e outros, e outros mais, até resultar em algo que começa a ganhar a aparência de um mar de acusações irrespondidas —um imenso lençol freático de suspeitas sobre o qual bóia, inerme, um governo incapaz de esboçar reação à altura.
Os primeiros fatos novos já vão ficando velhos: o áudio com o diálogo vadio do presidente, a delação dos executivos da JBS, a filmagem da mala com propina de R$ 500 mil, as explicações desastrosas de Temer, a prisão de Rodrigo Rocha ‘Homem da Mala’ Loures, a descoberta de que o presidente viajara no jatinho de Joesley ‘Bandido Notório’ Batista, a prisão de Henrique Eduardo Alves, o relatório em que a Polícia Federal conclui que Temer meteu-se mesmo num enredo criminoso, a conversão do presidente de investigado em denunciado por corrupção passiva junto ao Supremo Tribunal Federal…
De repente, quando o Planalto ainda festejava a transferência de Rocha Loures da carceragem brasiliense da PF para uma cana domiciliar, sobreveio a ordem de prisão contra Geddel. Suprema ironia: o ex-coordenador político de Temer virou ‘fato novo’ graças aos seus esforços para evitar o surgimento de outros dois ‘fatos novos’ radioativos. Geddel mexia-se nos subterrâneos para impedir as delações do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e do operador Lúcio Funaro —este último já com a língua em movimento.
A novidade orna com o fato novo original, que está na gênese da encrenca que ameaça o mandato do substituto constitucional de Dilma Rousseff. Na conversa gravada que manteve com Temer no escurinho do Jaburu, o delator Joesley Batista relatou ao presidente os seus esforço$ para preservar o silêncio de Cunha e Funaro. A certa altura, declarou que conquistara um bom relacionamento com Cunha. E Temer recitou para o gravador do visitante a frase que o perseguirá pelo resto da vida: “Tem que manter isso, viu?”
Depois de idas e vindas, Temer confirmou nesta segunda-feira que participará da reunião do G-20, na Alemanha. Voará na quinta-feira. Não são negligenciáveis as chances de encontrar revelações do doleiro Funaro penduradas nas manchetes quando retornar ao Brasil, no sábado. A essa altura, o governo já não descarta nem a hipótese de ser abalroado por uma delacão de Cunha. Ou de Rocha Loures. Ou do próprio Geddel.
Os deputados governistas observam a conjuntura de esguelha. E com um pé atrás. Sabem que, se ajudarem a enterrar a denúncia que trata de corrupção passiva, logo terão de deter a segunda flechada do procurador-geral da República, que alvejará o presidente com a denúncia sobre obstrução de Justiça. Que será seguida pela flecha da formação de organização criminosa. Os parlamentares começam a se questionar sobre a conveniência de arcar com o custo político de socorrer um presidente hemorrágico, com escassos 7% de popularidade.
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