Josias de Souza
Defendido
na Câmara por Antonio Cláudio Mariz, um dos mais conceituados
criminalistas do país, Michel Temer revelou-se na tarde desta
quarta-feira um denunciado indefeso. Mariz gastou 98 folhas (íntegra aqui) para se contrapor
às 60 páginas da denúncia em que a Procuradoria-Geral da República
acusa Temer de corrupção passiva. E o talento do advogado não conseguiu
senão reforçar a conveniência de que a Câmara exerça a atribuição
política de permitir que o Supremo Tribunal Federal cumpra a obrigação
de analisar a consistência jurídica da peça acusatória.
Na
denúncia assinada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, a
acusação foi pintada com tintas fortes. O miolo da descrição menciona
que Temer era o destinatário da mala com a propina de R$ 500 mil,
repassada por intermédio do seu preposto Rodrigo Rocha Loures. Fala da
aceitação de promessa de vantagem indevida. Coisa de R$ 38 milhões.
Relaciona os pagamentos a um percentual de negócio envolvendo a
Petrobras e o Cade, que beneficiaria uma empresa do grupo J&F, do
delator Joesley Batista.Sobre isso, o advogado de Temer empilha um lote de interrogações: Qual seria a eventual atuação do presidente da República que pudesse vir a favorecer os interesses das empresas de Joesley Batista? A que ato de ofício estaria vinculado esta atuação? Em que medida a atuação de Michel Temer representaria a contraprestação exigida pela descrição típica do crime de corrupção? Em que consistiria a solicitação ou o recebimento de vantagem indevida? Qual a unidade de desígnios e comunhão de ações entre Michel Temer e Rodrigo Loures? Onde está o indício de que os R$ 500 mil recebidos por Rodrigo Loures se destinariam a Michel Temer? Repita-se: acerca do dinheiro que a denúncia afirmou ter sido recebido por Rodrigo Loures com destino a Michel Temer, onde teria havido o recebimento do mencionado montante? De quem teria sido recebido? Quando teria recebido?”
Longe de contestar os indícios, as perguntas do advogado parecem realçar a conveniência do prosseguimento do processo. Mariz reclama da gravação que a perícia da Polícia Federal considerou íntegra. Alega que a peça é “duvidosa” e “ilegal”. Mas defende que seja levada a sério, pois não serviria de prova contra o presidente. Ora, a voz de Temer soa no áudio indicando Rocha Loures como seu preposto, uma espécie de resolvedor-geral dos problemas do empresário Joesley. Na sequência, o indicado do presidente foi pilhado em gravações nas quais negocia em seu nome. Depois, foi filmado correndo pelas ruas de São Paulo com a mala de dinheiro.
Como bom criminalista, o doutor Mariz faz o seu trabalho. Mas não ignora que, nesta fase do processo, os 11 magistrados que compõem o plenário do Supremo terão apenas de atestar a viabilidade técnica da denúncia da Procuradoria. Significa dizer que os ministros verificarão se a peça subscrita por Janot reúne indícios mínimos de envolvimento do acusado numa trama criminosa. E os indícios contra Temer são máximos. Assim, se os deputados permitirem, só restará à Suprema Corte homenagear a lógica e o bom senso abrindo uma ação penal para elucidar o caso.
O que apavora Temer é o fato de o início de uma ação desse tipo significar o fim do seu já moribundo governo. Aceita a denúncia, o presidente seria afastado por 180 dias. O Supremo ouviria testemunhas, determinaria diligências, encomendaria perícias, cotejaria as evidências e, ao final, julgaria Temer e Rocha Loures. Em tese, o presidente retornaria ao Planalto se o veredicto atestasse sua inocência. Na prática, essa hipótese é inexistente. Uma vez apeado do cargo, Temer só voltaria por um milagre. Por isso Antonio Mariz sugere à Câmara, com outras palavras, que tudo o que está na cara seja varrido para baixo do tapete com uma rejeição da denúncia.
O problema é que o Brasil continuaria a viver em cima do tapete. Algo perigoso, pois operações como a Lava Jato já demonstraram que não é mais tão fácil manter o acobertado em baixo do tapete. A sujeira acumulada ao redor de Temer vaza pelas bordas, reclamando por investigação e julgamento. De resto, a estratégia da defesa parte da presunção de que a plateia é feita de bobos.
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