quarta-feira, 5 de julho de 2017

Defesa de Temer mostra que ele ficou indefeso

Josias de Souza
Defendido na Câmara por Antonio Cláudio Mariz, um dos mais conceituados criminalistas do país, Michel Temer revelou-se na tarde desta quarta-feira um denunciado indefeso. Mariz gastou 98 folhas (íntegra aqui) para se contrapor às 60 páginas da denúncia em que a Procuradoria-Geral da República acusa Temer de corrupção passiva. E o talento do advogado não conseguiu senão reforçar a conveniência de que a Câmara exerça a atribuição política de permitir que o Supremo Tribunal Federal cumpra a obrigação de analisar a consistência jurídica da peça acusatória.
Na denúncia assinada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, a acusação foi pintada com tintas fortes. O miolo da descrição menciona que Temer era o destinatário da mala com a propina de R$ 500 mil, repassada por intermédio do seu preposto Rodrigo Rocha Loures. Fala da aceitação de promessa de vantagem indevida. Coisa de R$ 38 milhões. Relaciona os pagamentos a um percentual de negócio envolvendo a Petrobras e o Cade, que beneficiaria uma empresa do grupo J&F, do delator Joesley Batista.
Sobre isso, o advogado de Temer empilha um lote de interrogações: Qual seria a eventual atuação do presidente da República que pudesse vir a favorecer os interesses das empresas de Joesley Batista? A que ato de ofício estaria vinculado esta atuação? Em que medida a atuação de Michel Temer representaria a contraprestação exigida pela descrição típica do crime de corrupção? Em que consistiria a solicitação ou o recebimento de vantagem indevida? Qual a unidade de desígnios e comunhão de ações entre Michel Temer e Rodrigo Loures? Onde está o indício de que os R$ 500 mil recebidos por Rodrigo Loures se destinariam a Michel Temer? Repita-se: acerca do dinheiro que a denúncia afirmou ter sido recebido por Rodrigo Loures com destino a Michel Temer, onde teria havido o recebimento do mencionado montante? De quem teria sido recebido? Quando teria recebido?”
Longe de contestar os indícios, as perguntas do advogado parecem realçar a conveniência do prosseguimento do processo. Mariz reclama da gravação que a perícia da Polícia Federal considerou íntegra. Alega que a peça é “duvidosa” e “ilegal”. Mas defende que seja levada a sério, pois não serviria de prova contra o presidente. Ora, a voz de Temer soa no áudio indicando Rocha Loures como seu preposto, uma espécie de resolvedor-geral dos problemas do empresário Joesley. Na sequência, o indicado do presidente foi pilhado em gravações nas quais negocia em seu nome. Depois, foi filmado correndo pelas ruas de São Paulo com a mala de dinheiro.
Como bom criminalista, o doutor Mariz faz o seu trabalho. Mas não ignora que, nesta fase do processo, os 11 magistrados que compõem o plenário do Supremo terão apenas de atestar a viabilidade técnica da denúncia da Procuradoria. Significa dizer que os ministros verificarão se a peça subscrita por Janot reúne indícios mínimos de envolvimento do acusado numa trama criminosa. E os indícios contra Temer são máximos. Assim, se os deputados permitirem, só restará à Suprema Corte homenagear a lógica e o bom senso abrindo uma ação penal para elucidar o caso.
O que apavora Temer é o fato de o início de uma ação desse tipo significar o fim do seu já moribundo governo. Aceita a denúncia, o presidente seria afastado por 180 dias. O Supremo ouviria testemunhas, determinaria diligências, encomendaria perícias, cotejaria as evidências e, ao final, julgaria Temer e Rocha Loures. Em tese, o presidente retornaria ao Planalto se o veredicto atestasse sua inocência. Na prática, essa hipótese é inexistente. Uma vez apeado do cargo, Temer só voltaria por um milagre. Por isso Antonio Mariz sugere à Câmara, com outras palavras, que tudo o que está na cara seja varrido para baixo do tapete com uma rejeição da denúncia.
O problema é que o Brasil continuaria a viver em cima do tapete. Algo perigoso, pois operações como a Lava Jato já demonstraram que não é mais tão fácil manter o acobertado em baixo do tapete. A sujeira acumulada ao redor de Temer vaza pelas bordas, reclamando por investigação e julgamento. De resto, a estratégia da defesa parte da presunção de que a plateia é feita de bobos.

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