quarta-feira, 28 de junho de 2017

Temer fala como se presidisse um país de bobos

Josias de Souza
No seu primeiro pronunciamento como presidente denunciado por corrupção, Michel Temer perdeu o último trunfo que lhe restava: a serenidade. Fora de si, deixou antever o que tem por dentro: raiva excessiva e razão escassa. Movido pelo excesso, atirou em Rodrigo Janot e acertou o próprio pé. Premido pela escassez, exagerou na meia verdade, privilegiando exatamente a metade que é mentirosa.
Temer estava irreconhecível. Perdeu a fita métrica que costumava trazer no lugar da língua. Expressando-se de forma desmedida, chamou a denúncia de “ficção”, uma “trama de novela”. Disse que Janot fez um “trabalho trôpego”. Temer deixou de mencionar que é ele quem fornecesse a matéria-prima que torna a realidade inacreditável e transforma o noticiário num novelão policial.
As explicações de Temer foram endereçadas aos deputados que compõem a milícia parlamentar que enterrará a denúncia. É gente que despreza o desejo da opinião pública de ver o presidente julgado no Supremo. Discursando para os seus apoiadores na Câmara, o presidente mandou às favas a lógica e a inteligência alheia.
“Os senhores sabem que eu fui denunciado por corrupção passiva”, declarou. “Notem, vou repetir a expressão: corrupção passiva. A esta altura da vida! Sem jamais ter recebido valores, nunca vi o dinheiro e não participei de acertos para cometer ilícitos. Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem.” Falso.
Corta para o dia 7 de março, no porão do Jaburu. Ali, entre 22h31 e 23h16, Temer manteve com Joesley Batista uma conversa vadia. Grampeado pelo dono da JBS, entregou-se a um diálogo que a Polícia Federal recuperou.
Joesley: “Pra mim falar contigo qual é a melhor maneira… Porque eu vinha falando através do Geddel, através… Eu não vou lhe incomodar, evidente, se não for algo assim…”.
Temer: “As pessoas ficam… Sabe como é que é…”.
Joesley: “Eu sei disso, por isso é que…”.
Após um trecho ininteligível, Temer declara: “Um pouco”.
Joesley: “É o Rodrigo?”.
Temer: “O Rodrigo”.
Joesley: “Ah, então ótimo”.
Temer: “Pode passar por meio dele, viu? Da minha mais estrita confiança”,
O presidente referia-se ao ex-assessor Rodrigo Rocha Loures —aquele que, no mês seguinte, seria filmado recebendo de um executivo do grupo empresarial de Joesley a mala com R$ 500 mil em propinas.
Toda a negociação deflagrada no escurinho do Jaburu foi monitorada pela Polícia Federal. A investigação demonstrou que Loures participou das tratativas em nome de Temer. Preso, o preposto do presidente devolveu a mala antes que o dinheiro chegasse ao destinatário.
Temer voltou a fazer pose de perseguido: ''Exatamente neste momento em que nós estamos colocando o país nos trilhos é que somos somos vítima dessa infâmia de natureza política.”
Foi como se Temer declarasse: ''Eu aqui, fazendo o favor de presidir o país, e vem a Procuradoria, com sua vocação para estraga-festas, atrapalhar as minhas reformas jogando no ventilador algo tão irrelevante quanto uma denúncia por corrupção.'' Num de seus momentos mais temerários, Temer insinuou que foi Janot quem recebeu dinheiro de má origem, não ele (veja abaixo).
Ao atirar em Janot, acusando-o de inventar a “denúncia por ilação”, Temer acertou na Polícia Federal. O presidente sustentou que o áudio periciado com esmero é “prova ilícita”, totalmente “inválida para a Justiça.” Por quê? “Na pesquisa feita seriamente pela Polícia Federal, pelo seu instituto de criminalística, está dito que há cerca de 120 interrupções, não é? O que torna a prova inteiramente ilícita''. Lorota.
Os peritos da PF farejaram na gravação 294 “descontinuidades”. Nada a ver com fraude ou edição. São interrupções de 1,30 segundos, em média, provocadas pelo tipo de gravador usado por Joesley. O microfone do equipamento é acionado automaticamente pela voz. E pára de funcionar nos intervalos de silêncio.
O brasileiro desconfiado perde muito ao não acreditar na fábula que o presidente construiu para lhe servir de refúgio. A plateia tem sempre a sensação de estar perdendo alguma coisa com o seu ceticismo. A metafísica envolvida na narrativa presidencial é mais rica e divertida do que este materialismo chato em que corrupção é sempre, inapelavelmente, corrupção.
A teoria conspiratória de Temer é sempre mais criativa, cheia de intriga e perfídia. Tem todos os ingredientes de uma boa ficção. O único inconveniente é o convívio com um presidente que fala como se presidisse uma nação de bobos.

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