Frederico Vasconcelos - Folha de São Paulo
Durante manifestação que reuniu centenas de juízes e membros do
Ministério Público na sede do Supremo Tribunal Federal, nesta
quinta-feira (1), a ministra Cármen Lúcia, presidente do Conselho
Nacional de Justiça e do STF, recebeu da presidente da Frente
Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), Norma
Cavalcanti, uma carta aberta contra a corrupção e a impunidade. O movimento foi um protesto contra a aprovação, pela Câmara dos
Deputados, de dispositivo incluído no projeto de lei de combate à
corrupção que tipifica como crime de abuso de autoridade determinadas
ações de magistrados e promotores “Estamos juntos para que a Constituição seja garantida e tenhamos um
país justo para todos”, afirmou Cármen Lúcia ao receber o documento. Eis a íntegra da manifestação:
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CARTA ABERTA DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A CORRUPÇÃO E A IMPUNIDADE
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A FRENTAS – Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, congregando mais de 40 mil juízes e membros do Ministério Público, reunida no dia de hoje, à vista das recentes notícias veiculadas pelos meios de comunicação acerca das pautas do Congresso Nacional, vem à presença de Vossa Excelência, com o máximo acatamento, denunciar a iminência de grave atentado contra a independência e a autonomia da Magistratura e do Ministério Público brasileiros, nos seguintes termos.
A FRENTAS – Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, congregando mais de 40 mil juízes e membros do Ministério Público, reunida no dia de hoje, à vista das recentes notícias veiculadas pelos meios de comunicação acerca das pautas do Congresso Nacional, vem à presença de Vossa Excelência, com o máximo acatamento, denunciar a iminência de grave atentado contra a independência e a autonomia da Magistratura e do Ministério Público brasileiros, nos seguintes termos.
A independência da Magistratura e do
Ministério Público são garantias constitucionais da cidadania. E,
porque têm garantias constitucionais inafastáveis, juízes e membros do
Ministério Público conseguem atuar com destemor, sem receio de
represálias orquestradas por autoridades políticas, grupos econômicos,
organizações de toda espécie ou personagens influentes. Não por outra
razão, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas externou, em
1985, os Princípios Básicos das Nações Unidas para a independência do
Judiciário, na convicção de que “é dever das instituições,
governamentais e outras, respeitar e acatar a independência da
Magistratura” (art. 1º), de modo que “os juízes devem decidir todos os
casos que lhes sejam submetidos com imparcialidade, baseando-se nos
fatos e em consonância com a lei, sem quaisquer restrições e sem
quaisquer outras influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou
intromissões indevidas ou indiretas, de qualquer setor ou por qualquer
motivo” (art. 2º).
Da mesma forma, ao subscrever a
ratificar o Pacto de San José da Costa Rica (Decreto n. 678), o Brasil
assumiu o compromisso de garantir, a toda pessoa, o direito de ser
ouvido “por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na
determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (art. 8º, 1).
Não é, porém, o que deriva de
recentíssimas investidas de certos parlamentares que agora propõem a
criminalização da atividade judicial e ministerial, de modo que, p. ex.,
torne-se crime de responsabilidade a conduta de “condenar pessoa física
ou jurídica sem os elementos essenciais à condenação, assim reconhecido
por decisão judicial colegiada de segunda instância” (art. 39, 11, do
PL n. 4.850/2016, na sua proposta de plenário, aprovada na calada da
noite do dia 30 p.p., no chamado “bonde da madrugada”).
Ou quando se passa a permitir a
qualquer pessoa “denunciar perante o Senado Federal, os Magistrados e
membros do Ministério Público, pelos crimes de responsabilidade que
cometerem” (art. 41 do PL n. 4.850/2016). Ou, ainda, quando se prevê ser
crime de abuso de autoridade “deixar de relaxar prisão em flagrante
formal ou materialmente ilegal que lhe tenha sido comunicada” (artigo
10, V, do PLS n. 280/2016, que define os “novos” crimes de abuso de
autoridade); quem dirá, afinal, da ilegalidade material? Os tribunais de
apelação? Relaxadas ou revogadas as prisões em segundo grau, responderá
automaticamente, por abuso, o juiz de primeiro grau? Ou quando
criminaliza quem dá início ou procede à persecução penal, civil ou
administrativa, sem justa causa fundamentada (art. 30, PLS 280) que pode
gerar uma sanção penal pela simples rejeição de uma inicial ou
improcedência da ação.
E, na mesma linha, o que dizer
quando se quer criminalizar a “violação das prerrogativas de advogados”,
sem qualquer clareza a respeito de quais condutas do juiz ou do
promotor configurariam, no trato diário com quase um milhão de advogados
de todo o país, o referido crime?
Todas essas propostas, no entanto,
caminham para a pronta aprovação no Congresso Nacional – e agora,
particularmente, no Senado da República -, a toque de caixa, sob os
auspícios da presidência daquela Casa.
Em todos esses casos, com efeito, o
que na realidade se pretende criar são contextos de medo e hesitação que
contaminarão a atuação do juiz, do promotor ou do procurador que,
entendendo de certo modo as questões de fato e de direito, possa vir a
ser administrativa ou criminalmente processado e condenado, apenas
porque o entendimento do tribunal ao qual está vinculado – ou de algum
tribunal superior − é diverso do seu, ou ainda porque adota
interpretação de lei que é ou virá a ser minoritária no âmbito das
cortes superiores.
Recriam-se, ademais, os chamados
“crimes de hermenêutica”: o juiz ou o membro do Ministério Público podem
ser responsabilizados, com prejuízo para as suas vidas funcionais ou
mesmo para a sua liberdade, quando o seu convencimento jurídico motivado
não corresponder àquele que, afinal, prevalecer. Nada mais odioso: sob
tais circunstâncias, jamais teriam sido prolatadas inúmeras das decisões
judiciais inovadoras em sede de direitos individuais e sociais que hoje
balizam a jurisprudência nacional; não teriam sido prolatadas muitas
sentenças e acórdãos de perfil contramajoritário; as súmulas e
orientações jurisprudenciais não estariam se renovando, de acordo com as
necessidades da população; e jamais teriam sido possíveis operações
oficiais de desbaratamento de esquemas complexos de corrupção, como, p.
ex., a própria Operação LavaJato.
É notória, portanto, a obstinação de
certos segmentos do panorama político nacional em retaliar a
Magistratura e o Ministério Público, seja por meio das medidas acima,
seja por intermédio de outras tantas que, na perspectiva judicial,
administrativa ou orçamentária, fragilizam as instituições judiciárias.
Por tais razões, Excelentíssima
Presidente, a FRENTAS está conclamando a sociedade civil e os
parlamentares comprometidos com a probidade, com a ética pública e com a
integridade das instituições judiciárias a resistirem à aprovação dos
textos referidos, notadamente ao chamado “PL do Abuso de Autoridade” e
ao PL n. 4.850/2016, naquelas seções que contrabandearam silenciosamente
novos “crimes de responsabilidade” no Projeto das 10 Medidas contra a
Corrupção, transformando-o, a rigor, em um projeto de intimidação de
juízes, promotores e procuradores nos esforços de combate à corrupção. É
também nesse sentido o apelo que ora fazemos a V.Ex.a, assim como a
todos os ministros desse Excelso Pretório. Combatamos todos juntos, com
imparcialidade, justiça e rigor jurídico, o bom combate republicano.
Brasília, 1º de dezembro de 2016
NORMA ANGÉLICA REIS CARDOSO CAVALCANTI – Presidente da CONAMP e Coordenadora da FRENTAS
JOÃO RICARDO COSTA – Presidente da AMB GERMANO SILVEIRA DE SIQUEIRA – Presidente da ANAMATRA
ROBERTO VELOSO – Presidente da AJUFE
JOSE ROBALINHO CAVALCANTI – Presidente da ANPR
ELISIO TEIXEIRA LIMA NETO – Presidente da AMPDFT
ÂNGELO FABIANO F. DA COSTA – Presidente da ANPT
CLAURO BORTOLLI – Presidente da ANMPM
SEBASTIÃO COELHO DA SILVA – Presidente da AMAGIS-DF
DO J.TOMAZ
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