quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Câmara injeta vingança contra juízes e procuradores no pacote anticorrupção

Relator do pacote anticorrupção, Onyx leva as mãos à cabeça ao testemunhar a lipoaspiração do texto
Depois de abandonar, sob pressão popular, a ideia de se autoconceder uma anistia para os crimes de caixa dois, corrupção, lavagem de dinheiro e um enorme etcétera, os deputados aprovaram na madrugada desta quarta-feira uma emenda com gostinho de vingança. O texto foi empurrado para dentro do pacote anticorrupção que chegou à Câmara apoiado por 2,4 milhões de brasileiros. Trata da punição de juízes como Sergio Moro e de procuradores como os membros da força tarefa da Lava Jato por “abuso de autoridade”.
O resultado da votação, por acachapante, revela o tamanho do desejo da Câmara —apinhada de investigados— de enquadrar investigadores e julgadores. Votaram a favor da proposta 313 deputados. Contra, 132 contra. Houve 5 abstenções. Pressionando aqui, você chega à íntegra da lista de votação. Supremo paradoxo: 69,6% dos presentes, que tinham votado a favor do pacote anticorrupção, aprovaram a emenda que visa constranger magistrados e membros do Ministério Público. Apertando aqui, você vai à integra da emenda.
Pelo texto aprovado, ficam sujeitos a punições que vão de dois meses a dois anos de cadeia, mais multa, aqueles que ajuizarem “ação civil pública e de improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política.'' Com base nesses critérios subjetivos, qualquer pessoa pode representar contra um agente público, inclusive investigados e processados. Ficam sujeitos a punição também juízes que concederem entrevistas sobre processos pendentes de julgamento. Ou que fizerem “juízo depreciativo” sobre despachos, votos ou sentenças alheias.
A emenda da vingança foi apenas uma num lote de propostas penduradas no pacto anticorrupção com o propósito de desfigurá-lo. Primeiro, os deputados aprovaram o texto com as medidas saneadoras sugeridas pela força tarefa da Lava Jato, ressalvadas as emendas. O placar sinalizava um apoio maciço à cruzada em favor da moralidade: 450 votos a favor, 1 contra e 3 abstenções. Na sequência, vieram as emendas que promoveram uma lipoaspiração no projeto original.
Num instante em que há uma fome de limpeza no país, os deputados passaram a madrugada votando para mostrar de que é feito o Legislativo brasileiro. Já não há muitos inocentes no prédio projetado por Oscar Niemeyer como templo da democracia. Há apenas culpados e cúmplices.

  Onyx Lorenzoni é vaiado e chamado de palhaço
 
Relator do pacote de medias anticorrupção, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) foi tratado pelos colegas como um pária durante a sessão que terminou às 4h18 da madrugada desta quarta-feira. A hostilidade foi mais acintosa no momento em que Onyx escalou a tribuna para discursar contra a emenda sobre “abuso de autoridade” de juízes e procuradores. Foi interrompido pelas vaias. Chamaram-no de palhaço.
“A Câmara dos Deputados, hoje, deu um passo muito importante no momento em que aprovou o relatório [com as medidas anticorrupção]”, disse Onyx a certa altura. “Agora, nós vamos começar o processo de desconfiguração e de destruição daquilo que é…” As vaias impediram o deputado de concluir a frase.
Onyx defendia que as sanções a magistrados e membros do Ministério Público fossem debatidas noutro projeto, não no pacote anticorrupção. “Não cabe ao Parlamento brasileiro, num momento tão bonito e tão alto, […] se valer desse projeto para dar um cala-boca em quem investiga, para ameaçar quem está julgando. O que vão fazer os procuradores? Não vão denunciar, para não colocar suas carreiras em risco. O que vão fazer os juízes? Não vão julgar, para não colocar suas carreiras em risco. É isso que nós queremos? É esse o nosso objetivo?”
Os colegas de Onyx responderam afirmativamente às suas indagações ao aprovar por 313 votos a 132 a emenda da vingança. Queriam, sim, que procuradores procurassem menos, para que os juízes não tivessem tanto o que julgar.
“Essa emenda será conhecida no Brasil todo como emenda anti-investigação, contra o combate à corrupção, uma emenda do mal”, discursou Onyx, antes de dirigir um apelo aos ouvidos moucos que o observavam: “Por favor, senhoras e senhores, vamos fazer a coisa certa, discutir em outro projeto. Vamos preservar o projeto das dez medidas [anticorrupção], não uma vingança pequena, menor e desimportante contra aqueles que, hoje, têm o respeito da população, porque estão passando o Brasil a limpo.”
Ao final da sessão, prevaleceu o pedaço do plenário que prefere passar o país a sujo.

Para o deputado Onyx Lorenzoni, a Câmara desperdiçou uma oportunidade de elevar sua estatura na votação do pacote de medidas anticorrupção. Preferiu rebaixar o pé-direito. “A câmara perdeu uma oportunidade de se reconciliar com a sociedade”, disse Onyx ao blog, na madrugada desta quarta-feira.
O deputado acrescentou: “O que é mais triste é que, entre a população e a corporação, a Câmara optou por olhar para dentro. Ficou com a corporação. Perdeu a chance de recuperar alguma credibilidade. Sai muito menor desse episódio. E os próximos meses serão muito ruins. O risco de abrir uma crise institucional entre Poderes é gigantesca. Judiciário e Ministério Público vão reagir.”
Para Onyx, as emendas que foram penduradas no pacote anticorrupção durante a madrugada “desfiguraram tudo.” Ele enfatizou: “Foi uma destruição.” O projeto seguirá para o Senado. E o relator receia que o texto fique ainda pior depois que passar pelo filtro do Senado. - DO J.DESOUZA

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