Esta reportagem de capa da revista Época, "A teoria Toffoli: como o STF
retirou de Sergio Moro
novos casos da Lava Jato", deixa bem claro o modo caviloso com que o
ministro Dias Toffoli, ex-advogado do PT, encaminhou tudo em cima do
laço para reduzir a jurisdição do juiz Sérgio Moro e com isto
comprometer a Lava Jato. A maioria dos ministros da Corte participou da
chicana. Esta reportagem deixa claro para quem tinha dúvidas sobre a
verdadeira natureza "jurídica" da posiçãodo STF.
A decisão do STF tem tudo a ver com a desabalada corrida para
interromper o jogo, porque ele se aproxima inexerovalmente do topo da
corrupção brasileira.
A ordem é interromper tudo.
Ao fatiar a Lava Jato, Dias Toffoli e o STF dividem para que os
corruptos continuem reinando. Atos seguintes poderão ser a anulação do
que já fez Moro e até o impedimento do juiz do Paraná.
Leiam tudo:
A decisão põe em risco o futuro das investigações
DANIEL HAIDAR
25/09/2015 - 23h23 - Atualizado 25/09/2015 23h58
O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli –
ex-advogado eleitoral do PT, ex-advogado-geral da União no governo Lula –
estava num dia para lá de inspirado. Começava a tarde de quarta-feira, dia 23
de setembro, no plenário do STF, e Toffoli se preparava para brilhar. Ele havia
levado aos demais ministros uma chamada questão de ordem: queria que um dos
casos da Lava Jato em andamento no Tribunal saísse de lá e, em vez de retornar
a Curitiba, como vinha entendendo a Corte, fosse remetido a São Paulo, para
longe do juiz Sergio Moro. A questão de ordem fora apresentada por Toffoli às
pressas, no dia anterior.
Capa edição 903 - A Lava Jato trincada (Foto: Revista ÉPOCA/Divulgação)
Toffoli, o advogado do PT que chegara ao Supremo nomeado
pelo presidente Lula, hoje um dos alvos principais da Lava Jato, o advogado que
fora reprovado duas vezes num concurso para juiz, pôs-se a dar lições jurídicas
e morais, indiretamente, ao juiz Sergio Moro – e aos procuradores e delegados
da força-tarefa. “Há Ministério Público, há Polícia Federal e há juiz federal
em todos os Estados do Brasil, com uma capilaridade enorme”, disse Toffoli,
erguendo a cabeça e mirando todos os colegas ministros. “Não há que se dizer
que só haja um juízo que tenha idoneidade para fazer uma investigação ou para o
seu devido julgamento.” Toffoli fez, então, o que pareceu uma longuíssima pausa
diante do profundo silêncio do pleno. “Só há um juízo no Brasil?”, ele
perguntou. Nova pausa dramática. “Estão todos os outros juízos demitidos de sua
competência? Vamos nos sobrepor às normas técnicas processuais?”
Para além dos arroubos retóricos,Toffoli argumentava que
o caso em discussão, de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a senadora
Gleisi Hoffmann, do PT do Paraná, e outros petistas sem foro privilegiado em
desvios no Ministério do Planejamento, não tinha relação com a Lava Jato. Sendo
assim, aqueles petistas que não detêm foro não precisariam ser julgados no
Supremo e, ademais, deveriam ser processados em São Paulo, onde, no
entendimento de Toffoli, dera-se a maioria das operações de lavagem de dinheiro.
O mesmo raciocínio passaria a valer para os demais casos da Lava Jato. Se não
envolver político com foro, e nada tiver a ver com a Petrobras, cada
investigado deveria passar a ser julgado no Estado em que os crimes foram
cometidos. É a teoria Toffoli, como ficou conhecida no Supremo: a Lava Jato tem
de ser fatiada país afora.
O fatiamento da Operação Lava Jato já era algo esperado
dentro do Tribunal. Em reservado, alguns ministros criticavam a postura de
Sergio Moro, considerada midiática e com diversos recados em suas decisões. O
relator da operação, o ministro Teori Zavascki, já dava sinais de cansaço com o
acúmulo de casos, que envolvem despachos quase diários para definir prazos e
autorizar diligências, como quebras de sigilo. Ele chegou a dizer em sessão que
a operação “se alastrava como ondas”. Três ministros ouvidos por ÉPOCA
confidenciaram que ainda estão sob o trauma do processo do mensalão, que tomou
dois anos da Corte. Perceberam que a Lava Jato tende a tomar cada vez mais
tempo de todos, monopolizando, mais uma vez, os trabalhos do Tribunal. “Ninguém
aguenta mais tanto processo criminal”, diz um dos ministros.
O FATIADOR
O ministro Dias Toffoli, responsável por esvaziar Moro.
Arroubos retóricos (Foto: Ag. STF)
Esse estado de ânimo entre os ministros, porém, não
explica por que eles não se ativeram a devolver, o máximo possível, os casos da
Lava Jato a Curitiba, como vinha sendo feito. Na sessão em que prevaleceu a
teoria Toffoli, os ministros pareciam incomodados com o protagonismo de Moro –
e aborrecidos com a dimensão que o caso tomou. “Temos de dar um HC (habeas
corpus) ao ministro Teori”, brincou, mas nem tanto, o ministro Barroso. Durante
a sessão que pode vir a ser a mais importante deste ano no Supremo, os
ministros não debatiam energeticamente ou se mostravam preocupados com a
gravidade moral de um caso que mobiliza as atenções do país. Revelavam-se, nos
silêncios e nas poucas palavras, alheios à necessidade de assegurar aos
brasileiros que a decisão não representava um golpe na Lava Jato.
O relator da Lava Jato no Supremo, ministro Teori
Zavascki. Ele cansou do caso (Foto: Ag.
STF)
Fora da Corte, todos se perguntavam: por que agora? O que
mudou? A quem interessa essa mudança? Desde abril do ano passado, réus tentavam
retirar o julgamento do Paraná, sob o argumento de que o Tribunal competente
era o do Rio de Janeiro, sede da Petrobras. Mas diferentes subsidiárias da
estatal foram envolvidas na investigação e o STF avaliou que os casos deveriam
continuar com o juiz Moro. Nenhum dos ministros explicou a razão dos súbito
cavalo de pau nessa interpretação.
A argumentação de Toffoli, enfim, prevaleceu – outros
sete ministros acompanharam o voto dele, apenas Gilmar Mendes, Luís Roberto
Barroso e o decano Celso de Mello discordaram, além, é claro, da
Procuradoria-Geral da República. A tese é, portanto, juridicamente defensável.
Mas Toffoli e seus colegas recorreram a uma premissa frágil e, ao mesmo tempo,
se esqueceram da mais forte premissa envolvendo o caso. A premissa frágil: a
Lava Jato resume-se à corrupção na Petrobras. A premissa forte, mas ignorada: a
Lava Jato envolve uma organização criminosa sofisticada.
As evidências do caso apontam que, ao contrário do que
argumentou Toffoli, a Lava Jato não se restringe à Petrobras. A Lava Jato
começou com uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre
quatro grupos de doleiros, que lavavam dinheiro de corrupção, narcotráfico e
contrabando, entre outros crimes. Um desses doleiros era Alberto Youssef, cujo
esquema de lavagem levou os investigadores à corrupção na Petrobras. Como num
efeito dominó, só possível graças aos instrumentos de investigação de
organizações criminosas complexas, seguiu-se a prisão do diretor de
Abastecimento Paulo Roberto Costa e a descoberta dos políticos, dos partidos e
dos grandes empresários que lucravam com os desvios na estatal.
Não tardou para que essa organização criminosa, no melhor
entendimento possível diante das provas já colhidas, se desnudasse pelo o que
ela é: uma ampla quadrilha de políticos e empresários, com clara divisão de
tarefas, unida pelo objetivo de fraudar os cofres públicos para lucrar e se
manter no poder. Com o acúmulo de delações premiadas e provas bancárias,
especialmente as obtidas em paraísos fiscais, conseguiu-se comprovar crimes em
outros órgãos do governo, também sob influência de PT, PMDB e PP, os partidos
que davam sustentação ao esquema: Eletrobras, Eletronuclear, Belo Monte,
Ministério da Saúde, Caixa, Ministério do Planejamento, entre outros. Quanto
mais a Lava Jato avança, mais empresários, políticos, operadores e órgãos
públicos aparecem no esquema.
Esse crescimento exponencial de fatos, em tantas e tantas
fases da Lava Jato, não é desordenado. Emerge dele um mosaico de um só esquema,
com pontos comuns incontornáveis. Do lado político, o comando e a divisão de
tarefas cabia a gente grande do PT, do PMDB e do PP. Do lado econômico, havia
um cartel de empreiteiras, organizado com o único propósito de, com a
cumplicidade criminosa desses políticos e agentes públicos, roubar dinheiro
público – e não apenas na Petrobras. A lavagem do dinheiro desse esquema,
apesar do grande número de intermediários, envolvia os mesmos corruptores e os
mesmos corruptos.
O triunfo da teoria Toffoli põe em risco o futuro da Lava
Jato. Abre o precedente para que, a partir de agora, qualquer caso fora da
Petrobras seja encaminhado a outro juiz, que não terá a experiência no assunto
e o acúmulo de provas para avaliar com mais elementos os crimes. A experiência
criminal mostra que esses desmembramentos produzem processos órfãos, com alta
chance de fracasso. Entre alguns dos próprios ministros do Supremo, restou a
convicção de que os políticos a serem julgados no Tribunal terão vida mais
fácil – de que o precedente Toffoli é o primeiro passo de uma distensão entre a
Corte, que está sob extrema pressão, e a maioria dos políticos poderosos de
Brasília, que dependem dela para sobreviver até as próximas eleições. Ainda na
quarta-feira, políticos no Planalto e no Congresso, do PT e do PMDB, trocavam
mensagens de comemoração com aliados e advogados. Pela primeira vez em muito
tempo, o tempo estava mais leve em Brasília.
A consequência mais grave da decisão do Supremo será a
interrupção da salutar sucessão de acordos de delação premiada, no caso de
pessoas físicas, e de leniência, no caso de empresas. Há meses, as negociações
entre procuradores e possíveis delatores centram-se cada vez mais em provas de
corrupção em outros órgãos públicos, e não apenas na Petrobras. Pois essa é a
natureza da delação premiada, quando bem executada: buscar provas de crimes
que, de outra maneira, o poder público não conheceria. Como os procuradores da
Lava Jato já detêm um poderoso arsenal de informações sobre a Petrobras, os
mais recentes delatores e empreiteiras como Andrade Gutierrez, que estava para
fechar um acordo de leniência com a força-tarefa, estavam sendo estimulados a
entregar evidências de crimes em outros órgãos públicos. Assim que o Supremo
fatiou a Lava Jato, boa parte dessas negociações foi suspensa.
“Terrível” e “péssima” foram algumas das palavras usadas
por investigadores para classificar a ordem do Tribunal. Nos próximos dias,
procuradores que coordenam as investigações da Lava Jato vão esquadrinhar uma
nova estratégia para enfrentar o desmembramento dos processos da operação. A
Procuradoria-Geral da República acredita que para garantir o mesmo padrão nas
investigações – que poderão ficar espalhadas por todo o Brasil – será preciso
estabelecer novos grupos e metodologias de trabalho. Hoje o grupo que coordena
a Lava Jato está concentrado no gabinete do procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, e em Curitiba. O temor do grupo é que as investigações percam
fôlego e apoio popular. Outro receio é o compartilhamento em massa de
informações.
Uma das medidas em análise é a criação de uma
“força-tarefa volante” entre os procuradores que já atuam na Lava Jato. A ideia
é que eles possam rodar entre as cidades que venham a ter investigações em
curso auxiliando os integrantes do MPF na contextualização dos casos em
apuração. Ainda que o Supremo tenha decidido pelo desmembramento, a orientação
da PGR é a de manter a visão de uma única organização criminosa que atuava em
todo o país e em diversos órgãos públicos. A PGR deve ainda preparar um manual
detalhando o método da organização, suas ramificações, personagens e atuação,
como forma de garantir a unidade dos inquéritos. DO POLIBIOBRAGA
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