E no sétimo dia, quando Deus descansou, surgiram sobre a face da terra os primeiros críticos dos costumes alheios. Hoje, descendentes desses protocríticos têm título de ministro, recebem contracheques régios e dão expediente vitalício no Tribunal de Contas da União. Eles constituem a principal evidência de que o grande erro da humanidade é a inutilidade não doer.
O TCU sempre evoluiu em marcha a ré. Ao analisar as contas federais, revelou-se por subtração, não por soma. Segregou as pedaladas nos anexos dos seus relatórios. E aprovou as contas nacionais “com ressalvas”. De ressalva em ressalva, tornou-se tribunal de faz de contas. Súbito, no ano de 2014, os pedais ficaram maiores do que a bicicleta. E o TCU se deu conta de que atingiu um ponto zero.
Partindo desse rés do chão em que se encontra, o TCU parece ter chegado a uma ideia mínima de operacionalidade. Acena com a hipótese de rejeitar as contas do governo Dilma Rousseff referentes ao exercício de 2014. Mas transforma o seu flerte com a noção de eficácia funcional numa espécie de parto a fórceps.
Pressionados por operadores do governo, os ministros do TCU decidiram atropelar os prazos constitucionais sob o pretexto de assegurar o direito de Dilma à ampla defesa. Nesse caso, ampla defesa é apenas uma definição bonita para conversa fiada. Quando chegam ao plenário, os dados recolhidos pelos auditores já passaram pelo filtro do contraditório.
De resto, o TCU não vai proferir nenhuma sentença. Como órgão auxiliar do Legislativo, sua atribuição constitucional é a de elaborar um parecer técnico. Algo que, enviado ao Congresso, sirva de baliza para o julgamento que deputados e senadores têm de fazer, mas não fazem desde 2002. A última escrituração apreciada pelo Legislativo é de 2001, penúltimo ano de FHC.
Em verdade, o TCU deu um prazo para si mesmo, não para Dilma. Seus ministros dispõem de 30 dias para informar ao país de que matéria-prima são feitos. Seriedade ou compadrio?, eis as opções. Há no centro do plenário do TCU um imenso cabide invisível. Nele estão pendurados: um ministro ligado ao Sarney, outro vinculado ao Renan, um ex-articulador político de Lula, um egresso do ex-PFL, outro originário do bloco governista na Câmara… Há até uma mãe de político morto.
Nas próximas semanas, vai-se descobrir se ainda há espaço no plenário do TCU para aliados das leis e dos contribuintes brasileiros. Por enquanto, o que existe é uma inquietante sensação de que, nas últimas décadas, os interesses conciliatórios fizeram do TCU uma espécie de desnecessário crônico.
DO JOSIASDESOUZA-UOL
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