Atuação desencontrada do Itamaraty no Paraguai coloca a cúpula da diplomacia brasileira em xeque.
O
chanceler Antonio Patriota e o assessor internacional da Presi dência,
Marco Aurélio Garcia, se desgastam no governo Claudio Dantas Sequeira e
Michel Alecrim
IstoÉ
DESENCONTRO
Ação do chanceler Antonio Patriota durante a crise paraguaia foi questionada por setores do governo
A crise deflagrada pela queda do
presidente Fernando Lugo extrapolou as fronteiras do Paraguai, ganhou
contornos de conflito regional e ameaça se transformar numa grande dor
de cabeça para o governo Dilma Rousseff. Não bastassem todos os
questionamentos sobre um impeach-ment com ares de golpe branco, a ação
atrapalhada do Itamaraty pôs o Brasil numa situação delicada com um
vizinho estratégico e desgastou a cúpula da diplomacia. Setores do
governo pressionam a presidenta Dilma Rousseff pela demissão do ministro
das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Os grupos contrários à
permanência de Patriota espalharam nos últimos dias que Dilma até já
teria cogitado nomear uma mulher para o lugar do chanceler: a
embaixadora Maria Luiza Viotti, chefe da missão do Brasil na ONU, em
Nova York. O primeiro a ser atingido pela crise diplomática foi o
embaixador aposentado Samuel Pinheiro Guimarães, obrigado a renunciar ao
cargo de alto representante do Mercosul – uma espécie de chanceler do
bloco regional. Foi ele um dos responsáveis por influenciar de forma
equivocada o Palácio do Planalto a apoiar medidas drásticas de
retaliação ao novo governo paraguaio, como a suspensão do País do
Mercosul até as eleições de 2013. Embora a sanção política tenha sido
respaldada por Dilma, a presidenta impediu que as punições se
estendessem às relações econômicas e comerciais. A ideia de Samuel
Guimarães era isolar totalmente o parceiro comercial. Esse radicalismo
fragilizou ainda mais a situação de Guimarães e tornou inviável sua
permanência no cargo. Oficialmente, o diplomata deu diferentes versões
para a saída, falou primeiro em “falta de apoio” e depois em “motivos
pessoais”.
Conhecido por suas posições favoráveis aos governos
chamados de bolivarianos, Guimarães havia sido indicado para o posto por
sugestão do ex-chanceler Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, de quem
é amigo e cossogro – a filha de um é casada com o filho do outro. Ele
também teve o apoio do assessor internacional da Presidência, Marco
Aurélio Garcia, com quem Dilma não andaria muito satisfeita, segundo
assessores do Planalto. Garcia foi outro que propagou a tese de
interdição do Paraguai tanto no Mercosul como na Unasul. Ele e Guimarães
alimentaram também a ideia de aproveitar a suspensão do Paraguai para
aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul, uma tese controversa, sem
base jurídica nos acordos regionais e desconsiderando o fato de que
Assunção é depositária de todos os acordos do bloco.
As
articulações atabalhoadas da cúpula da diplomacia irritaram a
presidenta, que foi pega de surpresa com o anúncio do impeachment de
Fernando Lugo durante a Rio+20. O embaixador brasileiro no Paraguai,
Eduardo dos Santos, enviou, nos últimos seis meses, inúmeros informes
alertando o Itamaraty do risco de deterioração da governabilidade no
Paraguai, mas essas informações não sensibilizaram a cúpula. Nem
Patriota nem Marco Aurélio Garcia acharam que o problema era sério.
Pressionado por Dilma, o assessor internacional argumentou que já havia
recebido 23 alertas de intenção de impeachment contra Lugo, desde sua
posse em 2008. Em sua opinião, não havia razão para suspeitar que o
último prosperaria. Garcia e Patriota sugeriram a Dilma atuar por meio
da Unasul, para compartilhar a responsabilidade na crise. Até aí, tudo
bem. O problema é que a missão de chanceleres sul-americanos que
desembarcou em Assunção na sexta-feira 22, dia em que o Congresso
iniciou o julgamento político, teve efeito inverso ao esperado.
Com medo de que a interferência de outros países acabasse por
inviabilizar o impeachment, deputados e senadores paraguaios aceleraram o
processo. Na quinta-feira 21, dia em que souberam da ida de
representantes da Unasul para o País, os parlamentares paraguaios
decidiram não acatar o pedido de Lugo de abrir um prazo de três dias
para apresentar sua defesa. Ficou estipulado o prazo de 24 horas. Ou
seja, a ação precipitou o julgamento de Lugo, que teve resultado
acachapante: foram 39 votos a favor e apenas quatro contra sua saída.
Entre a abertura do impeachment e a homologação da decisão do Congresso
pela Suprema Corte decorreram 30 horas. O vice-presidente Federico
Franco, do Partido Liberal, assumiu rapidamente com a justificativa de
“evitar uma guerra civil”. Nas ruas, com exceção de pequenos grupos, não
houve reação popular. Muito menos as Forças Armadas reagiram. Mesmo
assim, Lugo se disse vítima de um “golpe de Estado parlamentar”.
EQUÍVOCO
Marco Aurélio Garcia (abaixo) argumentou que já havia recebido 23 alertas de intenção de impeachment contra Fernando Lugo (acima), desde 2008.
E não haveria razão para suspeitar que o último prosperaria
Golpe, propriamente, não houve. Mas a
forma como se deu o processo indica uma ruptura democrática no país
vizinho. Embora o julgamento político tenha observado as normas
constitucionais, não há lei paraguaia que regulamente o tempo que o
presidente teria para sua defesa. A própria peça de acusação deixa
evidente que Lugo estava condenado de antemão, ao dizer que “todas as
causas para o impeachment são de notoriedade pública, motivo pelo qual
não precisam ser provadas, conforme o ordenamento jurídico vigente”.
A maneira como se deu o impeach-ment revelou também que Lugo se tornou
um presidente solitário, sem o mínimo de apoio político. Ex-bispo de
esquerda, adepto da Teologia da Libertação, Lugo alcançou o poder com o
apoio popular ante o desgaste do tradicional Partido Colorado, que
governou o país por quase cinco décadas. Mas sempre foi considerado um
“outsider”, sem experiência política e apoio dentro do Congresso. Para
governar, precisou fazer concessões, aliar-se ao direitista Partido
Liberal, e negociar com os colorados. Em pouco mais de três anos de
mandato, o agora ex-presidente decepcionou. A reforma agrária, sua
grande bandeira de campanha, avançou timidamente. Pouco foi feito também
em relação ao crime organizado, ao tráfico de drogas e de pessoas –
questões que afetam diretamente o Brasil.
De acordo com setores
do governo que pressionam pela saída de Patriota do cargo, a
impaciência de Dilma com o ministro das Relações Exteriores não é de
agora. Segundo essas fontes, desde abril, quando esteve nos Estados
Unidos, a presidenta fez duras críticas à atuação de Patriota no
governo. A presidenta evitou despachar com Patriota até a lista de
laureados da comenda do Rio Branco, e desprestigiou a cerimônia. Já o
problema de Marco Aurélio Garcia, para Dilma, é que ele falaria demais.
Em março, ela o desautorizou publicamente depois que o assessor vazou
que o Banco Central reduziria a taxa de juros. Na crise paraguaia, a
presidenta mandou Garcia consertar suas declarações à imprensa e deixar
claro que o impeachment de Lugo era um problema interno do Paraguai. Mas
o estrago, mais uma vez, já estava feito.
“O Patriota fez o que
deveria ter feito antes, quando viajou para o Paraguai. Talvez tenha
ido tarde demais”, avalia o embaixador aposentado José Botafogo
Gonçalves, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (Cebri). Além da reação lenta, Botafogo acha que a crise
deveria ter sido discutida no âmbito do Mercosul, não da Unasul,
organismo novo e ainda disperso. Essa ação permitiu a interferência dos
bolivarianos Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia), fazendo
coro com o discurso inflamado da presidenta argentina, Cristina
Kirchner. Estrago feito, a estratégia de Dilma agora é tentar restringir
a crise ao Mercosul. Ela também colocou em campo o ministro Gilberto
Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, que passou a falar com a
imprensa e foi enviado como representante do governo à 13ª Cúpula Social
do Mercosul, evento paralelo à cúpula presidencial do bloco, em
Mendoza, na Argentina.
Foto: Eraldo Peres/AP Photo
DO R.DEMOCRATICA
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