Leia editorial do Estadão:
A vingança maligna de Maluf
Perto das
imagens que estavam ontem na primeira página dos principais jornais do
País, o fato de o PT de Lula ter ido buscar o apoio do PP de Paulo Maluf
à candidatura do ex-ministro da Educação Fernando Haddad à Prefeitura
de São Paulo chega a ser uma trivialidade. O chocante, pela abjeção,
foi o líder petista se dobrar à exigência de quem ele já chamou de “ave
de rapina” e “símbolo da pouca-vergonha nacional”, indo à sua casa em
companhia de Haddad, e posar em obscena confraternização, para que se
consumasse o apalavrado negócio eleitoral.
Contrafeito
de início, Lula logo silenciou os vagidos íntimos de desconforto que
poderiam estragar os registros de sua rendição e cumpriu o seu papel com
a naturalidade necessária, diante dos fotógrafos chamados a documentar
o momento humilhante: ria e gesticulava como se estivesse com um velho
amigo, enquanto o anfitrião, paternal, afagava o candidato com cara de
tacho. Da mesma vez em que, já lá se vão quase 20 anos, colocou Maluf
nas “nuvens de ladrões” que ameaçavam o Brasil, Lula disse que ele não
passava de “um bobo alegre, um bobo da corte, um bufão”. Nunca antes - e
talvez nunca depois - o petista terá errado tanto numa avaliação.
Criatura do
regime militar, desde então com uma falta de escrúpulos que o
capacitaria a fazer o diabo para satisfazer as suas ambições de poder,
prestígio e riqueza, Maluf aprendeu a esconder sob um histrionismo não
raro grotesco a sua verdadeira identidade de homem que calculava. As
voltas que o País deu o empurraram para fora do proscênio - menos,
evidentemente, no palco policial -, mas ele soube esperar a ocasião de
mostrar ao petista quem era o bobo alegre. A sua vingança, como diria o
inesquecível Chico Anísio, foi maligna. Colocou de joelhos não o Lula
que desceu do Planalto para se jogar nos braços do povo embevecido,
deixando lá em cima a sucessora que tirara do nada eleitoral, mas o
Lula recém-saído de um câncer e cuja proverbial intuição política parece
ter-se esvanecido.
Nos jardins
malufistas da seleta Rua Costa Rica, anteontem, o campeão brasileiro de
popularidade capitulava diante não só de sua bête noire de tempos
idos, mas principalmente da patologia da sua maior obsessão: desmantelar
o reduto tucano em São Paulo, primeiro na capital, na disputa deste
ano, depois no Estado, em 2014, para impor a hegemonia petista ao País
com a reeleição da presidente Dilma ou - por que não? - a volta dele
próprio ao Planalto, “se a Dilma não quiser”. Lula não é o único a
acreditar que, em política, pecado é perder. Mas foi o único a dizer,
em defesa das alianças profanas que fechou na Presidência, que, se
viesse a fazer política no Brasil, Jesus teria de se aliar a Judas.
Não se
trata, portanto, de ficar espantado com a disposição de Lula de levar a
limites extravagantes o credo de que os fins justificam os meios. O que
chama a atenção é a sua confiança nos superpoderes de que se acha
detentor, graças aos quais, imagina, conseguirá dar a volta por cima na
hora da verdade, elegendo Haddad e sufocando a memória da indecência a
que se submeteu. Não parece passar por sua cabeça que um número talvez
decisivo de eleitores possa preferir outros candidatos, não pelo
confronto de méritos com o petista, mas por repulsa à genuflexão de seu
patrono perante a figura que representa o que a política brasileira
tem de pior.
Lula talvez
não se dê conta de que a maioria das pessoas não é como ele: respeita
quem se respeita e despreza os que se aviltam, ainda mais para ganhar
uma eleição. Ele tampouco se lembrou de que, em São Paulo - berço do PT
-, curvar-se a Maluf tem uma carga simbólica incomparavelmente mais
pesada do que adular até mesmo um Sarney, por exemplo. Não se iluda o
ex-presidente com o recuo da companheira de chapa do candidato, a
ex-prefeita Luiza Erundina, do PSB. Ontem ela desistiu da candidatura a
vice, como dera a entender na véspera ao dizer que “não aceitava” a
aliança com Maluf. Razões outras que não o zelo pela própria biografia
podem tê-la compelido, no entanto, a continuar apoiando Haddad. Já os
eleitores de esquerda são livres para recusar-lhe o voto pela
intolerável companhia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário