O
que Janio queria?
ministro reagiu e fez muito bem. Afinal de contas, o objetivo daquela
canalha era exatamente… afastá-lo do julgamento!
Em seu texto, o
articulista registra o suposto açodamento do Supremo — DENÚNCIA FEITA HÁ
SETE ANOS E RECEBIDA PELO TRIBUNAL HÁ CINCO!!! — e, para meu espanto,
não sugere que Dias Toffoli se declare impedido.
Aqui faço
uma ressalva importante: eu fui um duro crítico da indicação do ministro
Toffoli para o Supremo. Até agora, acho que ele tem dado votos
exemplares em defesa do estado de direito.
Mas foi advogado do PT e
assessor de José Dirceu. Sua namorada já advogou para um dos réus. Se
esse segundo motivo não parece forte o bastante para afastá-lo do
julgamento, o primeiro, em qualquer corte do mundo, seria considerado
definitivo.
Não dá para decidir o destino de um ex-chefe sem que, a
depender do voto, reste ou suspeita de vingança ou de subserviência. Se
Janio de Freitas usa informações que recebeu em off — os supostos insultos — para cobrar em on que Mendes se afaste, deveria explicar por que a situação em on de Toffoli não há de tirá-lo do julgamento. Janio produziu o seu pior.
Ontem, o
próprio presidente do Supremo, Ayres Britto, foi instado por repórteres a
responder, mais uma vez, à acusação feita pela banda mensaleira: teria o
tribunal agido sob pressão?
Portou-se bem. Denúncia apresentada,
denúncia aceita, todos os ritos processuais cumpridos, restaria ao
tribunal fazer o quê? Julgar. Ponto!
Agora Fux
Escrevi, até aqui, do ambiente político em que se dá esse
debate cretino, que afronta os fatos. Tratarei agora, ao abordar a
preocupante fala de ontem do ministro Luiz Fux, do ambiente de ideias e
dos valores em que ele se dá. Os miasmas do Zeitgeist, do espírito do
tempo, que chegaram ao tribunal não são bons.
Fux
participou ontem de um seminário sobre liberdade de expressão, promovido
pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais) e pelas Organizações Globo.
Esperava-o a pauta dos mensaleiros, infelizmente adotada pelos veículos
de comunicação e pelos jornalistas.
Teria o STF agido sob pressão ao
marcar a data do julgamento. Segundo o Valor, afirmou o ministro: “O juiz é um técnico e não pode se deixar levar pelo clamor social”.
Eu já me preparava aqui para aplaudi-lo por ter dito a coisa certa em
dias em que tantos dizem a errada. Mas, aí, infelizmente para aquele ser
otimista que vive em mim, continuei a ler a reportagem. Informa o
jornal (segue em vermelho):
O ministro foi questionado a
respeito da influência da opinião pública no julgamento do mensalão. Ele
respondeu fazendo uma diferenciação sobre os casos que o STF decide.
Segundo ele, há questões em que a Corte tem que ouvir as vozes sociais,
como, por exemplo, a união homoafetiva e a realização da marcha da
maconha.
Já nos casos em que o Supremo analisa ação individual de cada réu, a
atividade do juiz deve ser, segundo Fux, a de avaliação das provas e de
aplicação do direito.
A opinião pública, nessa parte, não pode
interferir, disse o ministro.
“As vozes sociais têm que ser ouvidas, mas não sobre como devem ser
julgados os casos concretos que têm as suas peculiaridades. Senão, o
juiz está se despojando de sua função de julgador e transferindo a sua
missão à opinião pública.
Isso é inaceitável”, continuou Fux.
Retomo
Então vamos ver se entendi direito: em matérias que dizem
respeito a costumes, a valores mais gerais da sociedade, o dito “clamor
público” é legítimo e deve ser recebido e ouvido pelo juiz. Já em
matéria criminal, relativa à “ação individual de cada réu”, aí a turba, a
massa, a plebe fica do lado de fora.
Curioso, não?
É justamente em
algumas matérias criminais que o “povo”, por intermédio do tribunal do
júri, é chamado a julgar.
Sei.
A esta
altura, os petralhas, que me amam, estão à espreita — como aqueles
crocodilos do Discovery Channel para pegar pelas pernas os gnus que
atravessam o rio Mara, no Quênia — para tentar me pegar no salto triplo
carpado hermenêutico-dialético, à espera de que eu sustente que o STF
deve ser surdo ao clamor de maconheiros, de abortistas ou do
sindicalismo gay, mas atento ao alarido das ruas ao julgar os
mensaleiros.
Petralhas
sempre esperam o pior de seus adversários porque se tomam como medida de
todas as coisas. Mas não! Eu defendo que um juiz, seja para decidir o
destino de um chefe de quadrilha, seja para decidir se a marcha em favor
da maconha pode ou não ter curso, apegue-se exclusivamente à lei.
A rua
entra no Poder Judiciário de outro modo, pela via institucional. É um
presidente eleito que indica um ministro do Supremo.
A Constituição lhe
delega esse papel — e, ao votar, o eleitor escolhe as pessoas que terão
aquelas prerrogativas próprias da função.
Esse indicado tem de ser
aprovado por um colégio de senadores também eleitos pelo povo. Assim, na
impossibilidade de todos os brasileiros escolherem o ministro do
Supremo, a população escolhe por meio de seus representantes
constitucionais e institucionais.
Feita a escolha, o papel de um
ministro é ouvir a voz clara das leis, não a voz rouca das ruas. EM
QUALQUER CASO!
Foi, de fato, ouvindo A SUPOSTA VONTADE DA RUAS, PORQUE VONTADE DAS RUAS NÃO ERA, que o Supremo:
a) liberou a marcha da maconha contra o Artigo 287 do Código Penal, que define como crime a apologia de ato criminoso;
b) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo
sexo contra o que está explicitado, de maneira inequívoca, no Artigo 226
da Constituição, que a define como aquela celebrada entre “homem e
mulher” (posso ser, e sou, favorável à união civil, mas não contra a
Constituição);
c) reconheceu o aborto de anencéfalos contra a Constituição, ignorando o que está disposto no Artigo 128 do Código Penal;
d) considerou legais as cotas raciais contra o Artigo 5º da Constituição.
Seja para
ignorar o que vai disposto na Constituição, seja para “reescrever” dois
artigos do Código Penal — e sem ter competência nem para uma coisa nem
para a outra porque a sociedade não lhe delegou esse papel —, o tribunal
decidiu, então, ouvir certo clamor público.
E Fux parece achar isso
muito legítimo.
Mas pergunto: eram aquelas vozes, ministro, as da
maioria dos brasileiros ou as de uma minoria que parece representar a
maioria apenas porque mais saliente e mais mobilizada?
Quem disse que as
aspirações de militantes representam, necessariamente, a vontade da
sociedade?
Quando um ministro do Supremo — ELEITO, AINDA QUE
INDIRETAMENTE, POR TODOS OS BRASILEIROS — cede à pressão de uma minoria
organizada, está, na verdade, se tornando refém dessa minoria e traindo o
fundamento que o levou à corte. Se houver algum furo lógico da minha
argumentação, ouço com atenção.
Agora o mensalão
Causa-me espécie que Fux considere que juízes devem ouvir o
alarido nesses casos, mas não no julgamento do mensalão.
Ora, por que
não?
Porque é matéria criminal?
Porque diz respeito a destinos de
indivíduos?
Não lhe parece, ministro, que a justificativa soa um tanto
diversionista e que a argumentação é cediça, lassa, frouxa?
Não estaria,
subjacente a essa causa, o mais público de todos os interesses, que diz
respeito não apenas à moralidade dos agentes de estado, mas também à
sua conformação?
O que se viu ali foi uma tentativa do Executivo, sob o
comando de um partido político, de comprar o Congresso Nacional, de
formar um Parlamento paralelo, que atuava a soldo e na sombra.
Que os
crimes aconteceram, isso, certamente, ninguém dúvida. Esse até poderá
ser um escândalo, mais um, sem punidos.
Mas nem por isso a dinheirama
ilegal movimentada, os saques na boca do caixa e as malas pretas para
partidos políticos vão sumir da história. Em mais uma manifestação do
direito criativo — somos tão pródigos nisso! —, talvez os brasileiros
tenham de se contentar com a existência de um crime sem criminosos!
Concluo
Apeguem-se os ministros às leis em qualquer caso. O que é
legítimo, isto sim, é que parcelas da sociedade se mobilizem para
expressar a sua vontade. E os membros do Supremo atuem segundo os
códigos legais.
Até porque, ministro Fux, uma coisa é certa:
praticamente a totalidade dos brasileiros — até aqueles que estão
encarcerados — é contra a impunidade.
Os que pedem a punição de
mensaleiros e assemelhados estão longe de constituir uma minoria
barulhenta. Exceção feita aos autores de uma nova escolástica, que
procura explicar que alguns crimes são praticados para o bem do Brasil,
os brasileiros têm é sede justiça. Nos marcos da lei.
PS — Não cometam o erro de achar que a realização do julgamento se
confunde com a condenação dos mensaleiros.
Segundo o Data-Reinaldo, o
placar hoje é cinco a cinco, com um viés de absolvição — e não estou
dizendo que seria Ayres Britto a desempatar.
Eis os fatos. 13/06/2012
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