De "caçador de marajás" Fernando Collor transfigurou-se em caçador de jornalistas
Collor calunia, covardemente protegido pela cápsula da imunidade parlamentar.
Os áudios das investigações policiais circulam entre políticos e jornalistas - e quase tudo se encontra na internet.
Eles atestam que o jornalista não intercambiou favores com Cachoeira.
A relação entre os dois era, exclusivamente, de jornalista e fonte - algo, aliás, registrado pelo delegado que conduziu as investigações.
Jornalistas obtêm informações de inúmeras fontes, inclusive de criminosos. Seu dever é publicar as notícias verdadeiras de interesse público.
Criminosos passam informações - verdadeiras ou falsas - com a finalidade de atingir inimigos, que muitas vezes também são bandidos.
O jornalismo não tem o direito de oferecer nada às fontes, exceto o sigilo, assegurado pela lei.
Mas não tem, também, o direito de sonegar ao público notícias relevantes, mesmo que sua divulgação seja do interesse circunstancial de uma facção criminosa.
Os áudios em circulação comprovam que Policarpo Jr. seguiu rigorosamente os critérios da ética jornalística.
Informações vazadas por fontes diversas, até mesmo pela quadrilha de Cachoeira, expuseram escândalos reais de corrupção na esfera federal.
Dilma Rousseff demitiu ministros com base nessas notícias, atendendo ao interesse público.
A revista em que trabalha o jornalista foi a primeira a publicar as notícias sobre a associação criminosa entre Demóstenes Torres e a quadrilha de Cachoeira - uma prova suplementar de que não havia conluio com a fonte.
Quando Collor calunia Policarpo Jr., age sob o impulso da mola da vingança: duas décadas depois da renúncia desonrosa, pretende ferir a imprensa que revelou à sociedade a podridão de seu governo.
A vingança, porém, não é tudo.
O senador almeja concluir sua reinvenção política inscrevendo-se no sistema de poder do lulopetismo.
Na CPI opera como porta-voz de José Dirceu, cujo blog difunde a calúnia contra o jornalista.
Às vésperas do julgamento do caso do mensalão, o réu principal, definido pelo procurador-geral da República como "chefe da quadrilha", engaja-se na tentativa de desqualificar a imprensa - e, com ela, as informações que o incriminam.
O mensalão, porém, não é tudo.
A sujeição da imprensa ao poder político entrou no radar de Lula justamente após a crise que abalou seu primeiro mandato. Franklin Martins foi alçado à chefia do Ministério das Comunicações para articular a criação de uma imprensa chapa-branca e, paralelamente, erguer o edifício do "controle social da mídia".
A sucessão, contudo, representou uma descontinuidade parcial, que se traduziu pelo afastamento de Martins e pela renúncia ao ensaio de cerceamento da imprensa.
Dirceu não admitiu a derrota, persistindo numa campanha que encontra eco em correntes do PT e mobiliza jornalistas financiados por empresas estatais.
Policarpo Jr. ocupa, no momento, o lugar de alvo casual da artilharia dirigida contra a liberdade de informar.
No jogo da calúnia, um papel instrumental é desempenhado pela revista Carta Capital.
A publicação noticiou falsamente que Policarpo Jr. teria feito "200 ligações" telefônicas para Cachoeira.
Em princípio, nada haveria de errado nisso, pois a ética nas relações de jornalistas com fontes não pode ser medida pela quantidade de contatos.
Entretanto, por si mesmo, o número cumpria a função de arar o terreno da suspeita, preparando a etapa do plantio da acusação, a ser realizado pela palavra sem freios de Collor.
Os áudios, entretanto, evidenciaram a magnitude da mentira: o jornalista trocou duas - não 200 - ligações com sua fonte. A revista não se circunscreveu à mentira factual.
Um editorial, assinado por Mino Carta, classificou a suposta "parceria Cachoeira-Policarpo Jr." como "bandidagem em comum".
Editoriais de Mino Carta formam um capítulo sombrio do jornalismo brasileiro.
Nos anos seguintes ao AI-5, o atual diretor de redação da Carta Capital ocupava o cargo de editor de Veja, a publicação em que hoje trabalha o alvo de suas falsas denúncias.
Os editoriais com a sua assinatura eram peças de louvação da ditadura militar e da guerra suja conduzida nos calabouços. Um deles, de 4 de fevereiro de 1970, consagrava-se ao elogio da "eficiência" da Operação Bandeirante (Oban), braço paramilitar do aparelho de inteligência e tortura do regime, cuja atuação "tranquilizava o povo".
O material documental está disponível no blog do jornalista Fábio Pannunzio, sob a rubrica Quem foi quem na ditadura. Na Veja de então, sob a orientação de Carta, trabalhava o editor de Economia Paulo Henrique Amorim.
A cooperação entre os cortesãos do regime militar renovou-se, décadas depois, pela adesão de ambos ao lulismo.
Hoje Amorim faz de seu blog uma caixa de ressonância da calúnia de Carta dirigida a Policarpo Jr.
O fato teria apenas relevância jurídica se o blog não fosse financiado por empresas estatais: nos últimos três anos, tais fontes públicas transferiram bem mais de R$ 1 milhão para a página eletrônica, distribuídos entre a Caixa Econômica Federal (R$ 833 mil), o Banco do Brasil (R$ 147 mil), os Correios (R$ 120 mil) e a Petrobrás (que, violando a Lei da Transparência, se recusa a prestar a informação).
Dilma não deu curso à estratégia de ataque à liberdade de imprensa organizada no segundo mandato de Lula.
Mas, como se evidencia pelo patrocínio estatal da calúnia contra Policarpo Jr., a presidente não controla as rédeas de seu governo - ao menos no que concerne aos interesses vitais de Dirceu.
A trama dos bons companheiros revela a existência de um governo paralelo, que ninguém elegeu.
* SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@UOL.COM.BR
DO R.DEMOCRATICA
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