Caras e caros, de braços dados com a história e a lógica, acho que
escrevi o meu melhor texto sobre a Comissão da Verdade. Avaliem.
A presidente Dilma Rousseff realizou a solenidade de instalação da dita “Comissão da Verdade”.
Escrevi nesta manhã um longo texto a respeito. Também a mim não me moveu
o revanchismo! Até porque tomei algumas bordoadas na luta pela
redemocratização do país e tive de aguentar um “agente do regime” no meu
pé quando tinha meros 16 anos…
Não fui torturado como Dilma nem me tornei o burguês das lutas alheias,
como o companheiro “ApeDELTA”, que nunca sofreu, felizmente, um
arranhão, embora receba pensão permanente por ter sido “molestado” pela
ditadura. A grana deve andar, aí, em torno de R$ 6 mil por mês.
Continuo o apaixonado de sempre pelos fatos — aos 16, a minha
perspectiva era certamente outra, mas já me incomodava a ideia de que o
Estado pudesse sufocar os indivíduos com as suas verdades, a despeito
dos… fatos!
Por isso me fiz, vamos dizer assim, um “rebelde”.
Por isso continuo, vamos dizer assim, um “rebelde”.
Eu me dei conta esses dias de que fui crítico, a cada hora numa
trincheira, de todos os governos de Geisel pra cá. E, hoje, costumo
bater boca, ainda que indiretamente, com sumidades que apoiaram todos os
governos — de Geisel pra cá!!! São mais inteligentes do que eu, claro! O
“progressismo” já fez verdadeiros milionários no Brasil. Fui de
esquerda quando dava prejuízo. Deixei de sê-lo quando passou a dar
lucro! Sujeito burro!!!
Sim, o tempo foi me convencendo, e já há muito é uma convicção da qual
não abro mão, de que a democracia é mesmo o pior regime de governo
possível, com a exceção de todos os outros, como disse aquele do uísque
com charuto… Não é o modelo perfeito, mas é o que permite, ao menos,
tratar as diferenças sem ter de avançar no pescoço alheio. Na
democracia, “pacta sunt servanda“. E fim de papo! Vale o combinado. Os
acordos têm de ser cumpridos. Os contratos não podem ser desrespeitados.
É o contrário do que pensa boa parte — se é que não se fala da
totalidade — das esquerdas. Costumam apelar à chamada “dialética da
história” para sustentar que leis, mesmo democraticamente instituídas,
podem e devem ser desrespeitadas se essa for “a vontade da sociedade”.
Chamam de “vontade da sociedade” a pauta que elas próprias definem. Dos
16 aos, mais ou menos, 21, também cheguei a acreditar nisso.
Quando descobri que era a porta de entrada de todos os males do mundo;
quando me dei conta de que essa perspectiva correspondia à morte do
humanismo — à medida que ela não comporta qualquer princípio inegociável
—, caí fora!
Constatei que se tratava de um mal superior àqueles outros que eu
combatia (e que continuo a combater) porque, em nome da resistência e de
um mundo alternativo, então tudo era possível. Se me era dado combater o
que considerava “imoralidade alheia” com a ausência da moral (coisa de
“burgueses”), então a diferença entre “nós” e “eles” é que o mal que
preconizávamos não tinha limites.
A nossa vantagem comparativa estava em surpreendê-los usando seus
métodos detestáveis e indo muito além. É claro que passei a repudiar
essa visão de mundo de modo absoluto.
Pois bem. Dilma instalou nesta quarta a Comissão da Verdade. Negou a
perspectiva revanchista, embora as declarações de pelo menos três
membros do grupo — Maria Rosa Cardoso da Cunha, Paulo Sérgio Pinheiro e
Maria Rita Kehl — afrontem de forma clara o texto da lei. Dizem com
todas as letras — e contra a letra legal, reitero — que o objetivo da
comissão é apurar as transgressões aos direitos cometidas apenas por um
dos lados.
A Comissão da Verdade não reconheceria (e não reconhecerá), assim, as
mais de 120 vítimas que as esquerdas também fizeram no país. É mentira,
mentira absoluta, que toda a cadeia de comando que resultou nessas
mortes tenha sido identificada. Ao contrário até: assassinos notórios,
ou seus partidários, passaram a receber, diretamente ou por meio de
familiares, indenização do estado.
Não adianta me xingar, me ofender, nada disso. Se puderem, neguem a
evidência. Se não puderem, tenham ao menos a coragem de defender que
alguns são maus assassinos, e outros, bons assassinos.
No discurso de instalação da comissão, afirmou a presidente:
“Ao instalar a Comissão Nacional da Verdade, não nos move o revanchismo,
o ódio ou o desejo de reescrever a história de forma diferente do que
aconteceu, e sim a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude,
sem ocultamentos, sem vetos. É a celebração da transparência da verdade
de uma nação que vem trilhando um caminho da democracia. O Brasil deve
render homenagens a mulheres e homens que lutaram pela revelação da
verdade histórica. O direito à verdade é tão sagrado quanto o direito de
famílias de prantear pelos seus entes queridos. Reverencio os que
lutaram contra a truculência ilegal do estado e também reconheço e
valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização”.
Parece bom, mas é a esquizofrenia histórica se fingindo de dialética. Se
é mesmo uma história “sem ocultamentos”, então a verdade sobre alguns
grupos tratados como defensores da democracia tem de ser devidamente
caracterizada.
Não é possível que organizações como Colina, VPR e VAR-Palmares, que a
presidente conhece muito bem, sejam alçadas à condição de heroínas do
regime democrático.
Atenção!
Nada, nada mesmo, justifica que um agente do estado resolvesse fazer “justiça” com as próprias mãos!
Condenar esse expediente, no entanto, não muda a convicção daqueles que
queriam uma ditadura socialista no Brasil. E, em nome disso, também
mataram. Se a inocência não era um limite para os torturadores e agentes
dos porões, foi, por acaso, limite para muitos daqueles militantes?
Dilma diz reverenciar os que “lutaram contra a truculência legal”.
Certo!
Quando Larmarca, volto ao caso, esmagou o crânio de um tenente da
Polícia Militar, depois de um “julgamento” feito no meio do mato por
seus pares de terror, ele estava lutando “contra a truculência legal”?
Quando uma associação de grupos de esquerda decidiu jogar um carro-bomba
contra um quartel, fazendo em pedaços um jovem de 18 anos — Mário Kozel
Filho —, tratava-se tal ação de “luta contra a truculência legal”?
Quando os próprios esquerdistas assassinaram alguns dos seus, suspeitos de colaboracionismo, era “luta contra a truculência legal”?
A linguagem trai
Quando os próprios esquerdistas assassinaram alguns dos seus, suspeitos de colaboracionismo, era “luta contra a truculência legal”?
A linguagem trai
Como é mesmo? As palavras fazem sentido!!! A gramática existe não apenas
para expor a ignorância do JEG. Também é um instrumento para aclarar
pensamentos.
Prestem atenção a este trecho da fala da presidente:
“Reverencio os que lutaram contra a truculência ilegal do estado e
também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à
redemocratização”.
Sabem os gramáticos — e preciso sempre tomar cuidado porque tenho um dos
melhores entre meus leitores, Luiz Antônio Sacconi, dono de vastíssima
obra na área — que a conjunção aditiva “e” pode ser empregada como
conjunção adversativa, pode valer por um “mas”, a exemplo do que faz
Dilma. Sua fala pode ser reescrita assim, sem que mude o sentido do que
disse:
“Reverencio os que lutaram contra a truculência ilegal do estado, mas
também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à
redemocratização”.
Resta evidente em sua peroração a existência de uma contradição entre
“os que lutaram contra a truculência” e “os pactos políticos que nos
levaram à redemocratização”.
Ao optar por esse discurso, ela se revela e se trai também na esfera da
linguagem. Ela se revela ao admitir que entende a Lei da Anistia como
algo que caminhou no sentido contrário aos interesses daqueles supostos
heróis “que lutaram contra a truculência”.
Mas ela também se trai ao assumir que, satisfeita a visão de mundo
daquela turma, certamente não se alcançariam os “pactos políticos que
nos levaram à redemocratização”.
Vale dizer, por dedução lógica inescapável: se a Lei da Anistia era
incompatível com aquela turma, aquela turma era incompatível com a Lei
da Anistia.
Não posso fazer nada: eu opero com categorias lógicas. Eu me nego a me
deixar enrolar pela retórica oca, pela grandiloquência do… ocultamento!
Algum retórico do Planalto emprestou um coquetel de figuras de linguagem à presidente, que afirmou:
“A ignorância sobre a história não pacifica. Pelo contrário, mantém
latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda a apaziguar. O
Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade. Merecem a
verdade factual também aqueles que perderam amigos e parentes. O Brasil
não pode se furtar a conhecer a totalidade de sua história. Se tem
filhos sem pais, túmulos sem corpos, nunca pode existir uma história sem
voz”.
Perfeito!
Se é o Brasil pacificado que instala essa “Comissão da Verdade”, então,
por definição, toda a verdade tem de ser contada, também a das vítimas
dos grupos terroristas — ainda que a “comissão” queira chamá-los
“revolucionários” ou “amantes da democracia” (o que é mentira!).
À diferença do que dizem os petralhas, aceito, sim, pontos de vista diferentes dos meus.
Desde que se apontem as falhas lógicas ou as falsidades deste texto.
DO B. DO MARIO FORTES
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