PUBLICADO NA REVISTA VEJA DESTA SEMANA
J. R. GuzzoO ano de 2012 começa com uma porção de coisas que deveriam ter sido resolvidas pelo governo em 2011 e não foram. É natural. Não dá mesmo para resolver tudo, e menos ainda para resolver tudo da maneira mais certa. Robert McNamara, homem que muito mandou e muito errou no governo dos Estados Unidos, durante os sete anos mais complicados da Guerra do Vietnã, dizia que o grande problema dos governos deste mundo é que o dia tem 24 horas. É logicamente impossível, sustentava McNamara, qualquer governo fazer tudo o que precisa ser feito durante as 24 horas diárias que tem para funcionar; não dá tempo, pura e simplesmente. Como não há tempo, não se decide, ou então se decide com pressa ─ e aí é fatal que se acabem tomando decisões erradas. Tudo fica ainda pior, é claro, quando a essa dificuldade toda se junta a deliberação de não resolver questões que nada têm a ver com o relógio, na esperança de que elas desapareçam sozinhas. O problema, então, não é falta de tempo. É falta de vontade, e para isso não existe remédio.
Em matéria de história não resolvida, poucas se comparam à do ministro Fernando Pimentel, da Indústria e Comércio, que a esta altura poderia perfeitamente estar na condição de ex-ministro e de ex-problema, o que sem dúvida daria mais sossego para o governo e não faria a menor diferença para a indústria ou para o comércio. Mas não: eis que ele continua aí, sobrevivendo no ministério com equipamento de respiração artificial, e servindo de exemplo vivo de um desses surtos de rompimento com a realidade que se tornaram um dos hábitos mais curiosos do governo da presidente Dilma Rousseff. Como se sabe, segundo revelou O Globo no começo de dezembro, Pimentel recebeu 2 milhões de reais durante os anos de 2009 e 2010, período entre sua saída da prefeitura de Belo Horizonte e sua entrada no ministério Dilma; pelo que disse, esse dinheiro lhe foi pago por clientes privados, em troca de serviços descritos como de “consultoria”.
A história, em si, não é boa. Seu principal cliente, pelo que deu para entender, foi a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), conhecido cartório que representa interesses particulares mas se alimenta de dinheiro público para sobreviver, como acontece com suas irmãs espalhadas pelos demais estados brasileiros. Já o próprio Pimentel, na época em que recebeu os seus 2 milhões, era um personagem muito público; em boa parte desse tempo, aliás, trabalhou abertamente como um dos chefes da campanha para a eleição de Dilma. Estaria certa uma coisa dessas? Não deu nem para começar a discussão ─ na verdade, não deu sequer para saber, até agora, se ele fez mesmo o trabalho pelo qual foi pago, ou se apenas recebeu o dinheiro. A presidente, o ministro e todo o governo decidiram, automaticamente, que não havia coisa nenhuma para discutir, informar ou esclarecer. O que ocorreu foi um negócio entre particulares. É confidencial. Ninguém tem nada a ver com isso. Caso encerrado.
No mundo da lógica, normalmente, o procedimento é examinar primeiro os fatos e só depois, com base no que foi constatado nesse exame, chegar a uma conclusão. No governo Dilma Rousseff, chega-se primeiro à conclusão e por aí mesmo se fica. A consequência, como no episódio das consultorias de Pimentel, é que os problemas não fecham. Como poderiam fechar, se não são respondidas perguntas básicas sobre o que realmente aconteceu? Toda consultoria, no mundo das realidades, exige reuniões entre consultor e consultado, entrevistas com uma porção de gente, apresentações em PowerPoint, gráficos coloridos, curvas disso e daquilo. Mais que tudo, exige a apresentação de um relatório por escrito ao fim do trabalho, com as recomendações do consultor ao cliente. No caso, nem a Fiemg nem Pimentel comprovaram que houve qualquer reunião, entrevista, apresentação etc. E o relatório final? Isso, pelo menos, existe? Ninguém, até agora, respondeu a nenhuma pergunta a respeito. Outro enigma são as conferências que, segundo a Fiemg, Pimentel fez para seus associados, e que justificariam uma boa parte dos pagamentos que recebeu. De novo, aqui, temos problemas com a realidade. Onde foram dadas essas palestras? Em que dias? A que horas? Quem assistiu a elas? Não se sabe.
A respeito disso tudo, a presidente da República, no fim do ano, fez uma declaração extraordinária. “Se quiser falar, ele fala”, disse Dilma. “Se não quiser, ele não fala.” O governo imagina, ao tratar o público dessa maneira, que está sendo forte. Está sendo apenas incompreensível.
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