segunda-feira, 19 de setembro de 2011

IPI dos carros importados: o custo da herança maldita

Há muito tempo parecia inevitável que o governo Dilma elevasse tributos sobre produtos industriais importados, como fez agora com o setor automobilístico, com a duração prevista até o final de 2012. Isso porque recebeu uma grande herança maldita do governo Lula: a taxa de câmbio hipervalorizada, produto das maiores taxas de juros reais do mundo.
Sem saber como enfrentar as causas — a herança —, o governo se limita a combater as consequências. Já tinha tentado fazer isso com medidas de restrição ao ingresso de dólares, que se revelaram praticamente inócuas, e o programa Brasil Maior, envolvendo uma sopa de pedras de pequenas medidas pontuais, em alguns casos ridículas, como na área de inovações tecnológicas. Um dos tópicos desse programa ilustra bem sua natureza de atuar sobre as consequências: subsídios fiscais para compensar os efeitos da valorização exagerada do dólar.
O setor industrial brasileiro, incluindo o automobilístico, não pode ser considerado ineficiente. Sofre, isto sim, os efeitos da doença cambial. O real tem um valor nominal em relação ao dólar entre 30% e 40% acima do que deveria ter. Já os chineses, que não são ingênuos, mantêm a moeda uns 20% abaixo do que deveria valer. Um carro chinês idêntico a um brasileiro e produzido com a mesma eficiência vai custar, em dólar, uns de 50 a 60% menos só por conta das taxas de câmbio.
Essa diferença poderia ser um pouco maior ou menor segundo os jogos de índices de preços escolhidos, mas o essencial não muda: a imensa diferença de competitividade se deve ao câmbio. Ou seja, à política macroeconômica petista, com seu viés essencialmente anti-industrial.
Falo da indústria manufatureira porque, em relação à agricultura e à mineração, a inflação internacional de preços compensou os efeitos negativos da sobrevalorização. Pesa aqui também a grande fatia do Brasil no mercado internacional desses produtos, que permite aos nossos exportadores, em certas circunstâncias, puxar os preços para cima, para manter a rentabilidade dos seus investimentos.
Claro que em matéria de competitividade não é só o câmbio que conta. Há a tributação irracional e as carências de infraestrutura. Um exemplo é o custo da energia elétrica: para cada real que a indústria gasta com esse insumo, 52 centavos vão para tributos e reservas! Isto, somado ao cambio hipervalorizado, nos leva a ter a terceira energia elétrica industrial mais cara do mundo, em dólares. Esse é o maior exemplo, mas não o único, da falta de uma política industrial a médio e longo prazos, apesar de toda a retórica governamental em sentido contrário.
Mas tais fatores não obscurecem o peso do câmbio, pelo menos sobre as importações. Os produtos industriais importados sofrem carga tributária efetiva média mais próxima da que incide sobre a produção doméstica.
A melhor maneira de um país manter a sua competitividade não é por meio de tarifas muito altas — na média ou para setores específicos — nem de restrições quantitativas às importações. Essa competitividade deve ser mantida por meio de uma taxa de câmbio, no médio prazo, a mais próxima da paridade do poder de compra. E é preciso também organizar os mecanismos de defesa comercial.
A distorção dos juros e do câmbio não nasceu de uma hora para outra, nem pode ser corrigida de repente, dadas suas dimensões e prováveis efeitos sobre expectativas. Mas ela chegou ao ponto em que chegou por causa das sucessivas e preciosas oportunidades perdidas desde que sobreveio a bonança nas contas comerciais do país, coincidindo com o começo do governo Lula. A partir daí o Banco Central, com o beneplácito do presidente da República, que ficou encantado com o populismo cambial caído dos céus, lambuzou-se de erros.
O maior equívoco deu-se durante a crise internacional da virada de 2008/2009, quando a atividade econômica se retraiu, a inflação desabou e o câmbio se desvalorizou sem pressionar os preços. Mesmo assim a taxa de juros brasileira, que foi aumentada nas vésperas da quebra do Lehman Brothers, manteve-se no mesmo nível durante os quatro meses seguintes.
Teria sido o melhor momento para ajustar a economia a um regime monetário-cambial menos perverso do ponto de vista da competitividade, do emprego e das contas públicas. Em vez disso, porém, o governo preferiu abusar da lambança fiscal como instrumento de defesa do nível de atividade econômica e de demagogia eleitoral.
Saímos daquela crise como campeões mundiais absolutos da taxa real de juros e com o câmbio em acelerada revalorização. Aliás, é curioso como figuras ilustres que à época aplaudiram a suposta “prudência” do BC, reconhecem, hoje, que o país perdeu uma grande oportunidade.
Voltando à questão central destas notas: não vai ser fácil administrar o esquema de incentivo tributário segundo índices mínimos de nacionalização da produção automobilística (que inclui todo o setor de autopeças), até em razão da fraqueza do ministério do Desenvolvimento e do estilo clientelista do petismo governamental.
De fato, como disse acima, sendo incapaz de livrar-se da herança maldita do governo Lula na gestão macroeconômica, e sem ter sequer noções claras a respeito do que seria uma verdadeira política industrial, o atual governo procura atuar sobre suas consequências, com todos os apreciávies custos políticos, econômicos e as incertezas jurídicas que isso acarreta.
POR JOSE SERRA

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