Da Coluna de Dora Kramer, neste domingo, intitulada "Supremacia", publicada em vários jornais do país:
O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso. Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto. Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal. O controle dito “social” dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.
Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos. São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.
O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia política, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão. Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos. O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.
A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, “perdedora”, indigna de atenção. O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.
A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial – o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção – e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental. O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.
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