Escolas não protestam por receio e comodismo. Ou: Flagrantes da “revolução” de Haddad
As escolas ignoram a ruindade do Enem? É claro que não! E por que não metem a boca no trombone — algumas até elogiam a prova? Porque não querem confronto. As públicas não brigam porque públicas, e a particulares porque particulares. Estas, em especial, preferem se organizar para se dar bem no ranking. Incrementam a área antigamente chamada de “Exatas e Biológicas” — o nome boboca é “Ciências da Natureza e Suas Tecnologias” — e entregam língua & literatura e humanas (Linguagens e Códigos e Suas Tecnologias e Ciências Humanas e Suas Tecnologias) ao diabo-dará.
O ”deus-dará”, como vocês sabem, significa o acaso, o incerto, o sei-lá-o-quê. O “diabo-dará” é diferente. E, assim, uma ignorância construída com intenção. O professor de gramática não precisa mais ensinar análise sintática, por exemplo. Aliás, tenho percebido que boa parte deles ignora o assunto, na presunção de que ninguém precisa identificar um complemento nominal ou um objeto direto preposicionado para escrever direito. Bem, é verdade! Mas certamente sairá na frente quem, além de escrever direito, souber o que são essas coisas.
Há firmada uma grande tolice sobre o ensino de gramática, considerado desnecessário. Ao planejar uma ponte, um circuito elétrico ou calcular os componentes de uma liga, os engenheiros civis, elétricos ou mecânicos não precisam ficar revisando tudo o que aprenderam de cálculo, recitar a fórmula do Movimento Retilíneo Uniformemente Variado ou revisar os detalhes da geometria analítica. Mas a quem você confiaria a ponte, o circuito e a liga? A quem sabe ou a quem não sabe?
Aquilo que se chamava de professor de português é convidado hoje a ser um “animador de debate”, dedicando-se quase que exclusivamente à interpretação de texto. A atividade se resume a estimular o aluno a fazer perífrases ou paráfrases daquilo que leu. Lê-se o estímulo e tome aquele misto de circunlóquio com interpretação livre. O que sobra como conhecimento acumulado? Quase nada! Não raro, a aula se torna mero pretexto para o proselitismo. O ensino de história se transformou num tribunal sobre o passado, e o de geografia virou terra de ninguém — ou melhor: terra do MST; seu tema permanente, percebo pelos livros, é o latifúndio!!!
Querem saber? É mais fácil fazer educação assim! O professor pode chegar em sala de aula, olhar para o vazio e deitar falação. Não precisa nem mesmo preparar a aula. Como ele está lá para ensinar os alunos a julgar (eles dizem “pensar”), cobra-se dele que tenha convicção, não método. Uma prova como o Enem deveria servir como um freio de arrumação nessa zorra: a cobrança de conteúdo específico ajudaria a deixar claro se a escola está ou não cumprindo o mínimo que dela se exige. Da forma como estão sendo feitas as provas, tudo pode. O resultado é uma loteria. Isso é bom? Não! Isso é perverso.
Por quê? Porque, nessas horas, PRESTEM ATENÇÃO A ESTE PARTICULAR, o que determina o resultado é o que chamo “currículo oculto” do estudante. O que é isso? Se ele vem de um ambiente — cultura familiar, comunitária ou de grupo social — mais afinada com a leitura e com um debate qualificado, acaba se saindo bem, orientado pelo bom senso. Se, ao contrário, não tem essas referências, acaba se danando (é claro que há exceções nos dois casos).
Qual é a função da escola, santo Deus? Justamente tornar menos relevantes — o ideal é que as tornasse irrelevantes — as diferenças de origem, igualando as condições de competição dos estudantes por meio de um currículo, de uma formação mínima. Do modo como estão as coisas, faz-se exatamente o contrário. A fórmula adotada por esses “progressistas” energúmenos alimenta o círculo da exclusão. Os de melhor condição social irão disputar, porque mais preparados, as vagas mais “difíceis” — aquelas ligadas às tecnologias e às biomédicas (profissões que serão mais bem-remuneradas no futuro —, e os pobres vão alimentar o estoque de ressentidos das chamadas áreas de humanas; os primeiros conseguirão sua vaga na universidade pública, e os demais se encaixarão em algum cafofo privado, alimentado pelo leite de pata do ProUni.
Por Reinaldo Azevedo
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