Em
São Paulo, onde estão a alma, o coração e os músculos políticos do seu
marechal de campo vitalício, o ex-presidente Lula, o PT alcança apenas
1% do votos. É isso mesmo: 1%. J. R. Guzzo, via
Oeste:
A
um mês e meio das eleições municipais que vêm aí, o candidato do PT à
prefeitura de São Paulo tem 1% das intenções de voto. Para sentir um
pouco o espírito da coisa: é metade do que tem, por exemplo, um
concorrente que se apresenta como Mamãe Falei. Como é possível que
esteja acontecendo uma coisa dessas com o partido que há 40 anos serve
como a mais sagrada estrela-guia que a esquerda brasileira já teve em
toda a sua história? Justo em São Paulo, onde vive e vota a maior
concentração de trabalhadores do Brasil, é isso que o Partido dos
Trabalhadores tem a apresentar? Em São Paulo, onde estão a alma, o
coração e os músculos políticos do seu marechal de campo vitalício, o
ex-presidente Lula? É isso mesmo: 1%.
Fica
difícil perceber como o PT e Lula pretendem exercer um papel decisivo
no futuro do Brasil se em São Paulo, a maior, a mais popular e a mais
brasileira de todas as cidades do país, 99% da população não quer saber
deles. Não adianta nada dizer, como estão dizendo, que o verdadeiro
candidato da esquerda é outro — um político que nunca foi eleito para
nada, tem como única realização estimular a invasão de imóveis com
documentação enrolada e é apresentado como o “preferido” de Lula. E daí?
Se o dono do partido não quer o candidato do partido na cidade-chave
para qualquer eleição brasileira, não dá para concluir que ambos estejam
fortes; não se inventou ainda a divisão que seja capaz de somar. Além
disso, só faria sentido agir desse jeito se fosse para ganhar a eleição.
Não é perdendo em São Paulo que se vai a algum lugar na política deste
país; só concorrer, e ler depois na imprensa que o seu candidato teve
uma belíssima votação, mas foi derrotado, é o tipo da coisa que não
resolve a vida de ninguém.
Deveria
estar acontecendo justo o contrário disso aí — a esquerda, pelo que se
diz todos os dias ao público, é quem teria de estar ocupando neste
momento os cinco primeiros lugares de qualquer disputa política no
Brasil. O governo federal, com quem vive em guerra desde a última
eleição presidencial, é tido e havido como morto a cada 24 horas. O
Judiciário, nos seus galhos mais altos, parece se preparar para conceder
indulgência plenária, em matéria de corrupção e quaisquer outros
crimes, ao ex-presidente. Há um combate diário pela “quarentena”,
esforços extremos para dificultar a produção e uma lavagem cerebral
permanente com a intenção de culpar “o governo” pelas 140 mil mortes e
todas as demais desgraças da covid-19. São anunciadas o tempo todo
“sanções econômicas” e “represálias políticas” contra o Brasil por parte
dos países do Primeiro Mundo por conta dos incêndios no Pantanal e do
desmatamento na Amazônia. As classes intelectuais apoiam a necessidade
de “algum tipo” de intervenção internacional para salvar a parte do
território brasileiro que consideram “patrimônio da humanidade”.
De
acordo com o diagnóstico da esquerda, e de seus parceiros naquilo que
se descreve como áreas “liberais” e “civilizadas” da “sociedade”, há
problemas sem solução com o teto de gastos públicos, as propostas de
renda mínima, o desemprego, a queda no investimento estrangeiro, os
danos da produção rural ao meio ambiente, a “violência policial”, as
transações financeiras da família presidencial, a falta de apoio aos
quilombolas, à demarcação das terras indígenas e às causas que são
descritas como “identitárias”, “inclusivas” ou “sociais”. Metade dos
ministros está permanentemente na porta da rua. O Congresso está contra o
governo. O Judiciário está contra o governo. Os artistas de novela
estão contra o governo. A mídia bate recordes diários de exasperação
indignada contra um presidente da República que considera o pior de toda
a história do Brasil — e contra o seu governo, tido como quase tão ruim
quanto ele.
Diante
dessa desgraceira sem fim, o PT, no seu papel oficial de Nossa Senhora
da Oposição, já deveria estar nomeando o ministério do próximo governo;
em vez disso, seu candidato à prefeitura de São Paulo tem 1% dos votos.
Nem o governo federal nem os problemas reais do país melhoram um
miligrama com isso. Mas é justamente aí que está um dos piores bodes da
política brasileira de hoje. A elite nacional, da universidade ao
Magazine Luiza, da mídia que se chamava grande aos banqueiros de
investimento de esquerda, detesta o presente governo como nenhum outro
governo brasileiro foi detestado — mas simplesmente não consegue, não
para efeitos práticos, organizar uma oposição capaz de agir com um
mínimo de coerência, eficácia e força moral para oferecer alguma
alternativa séria às coisas como elas são hoje. O mesmo estado de coma
deixa como mortos-vivos o Congresso, os 33 partidos que hoje têm alvará
de funcionamento e o resto do mundo político. O resultado é que o
governo está disputando uma partida sem que haja outro time em campo.
Há
muito barulho de arquibancada — mas torcida brava não muda placar de
jogo, e nem xingar a mãe do juiz é fazer oposição. Oposição é trabalhar
com possibilidades reais de sucesso para trocar de lugar com quem está
mandando; o resto é dinheiro falso. O que se tem hoje é isso — muita
nota de R$ 300. Os adversários do governo, na verdade, parecem felizes
em fazer tudo o que não é importante num trabalho político que pretenda
dar certo. Enchem o noticiário, dia e noite, com bulas de excomunhão
contra o presidente da República. Paralisam, no Congresso, no Ministério
Público e nos tribunais, o trabalho de governar — a cada vez que perdem
uma votação, ou a cada vez que o governo decide alguma coisa, vão
correndo pedir à Justiça que anule o que foi decidido. Mostram
plaquinhas de protesto no festival de cinema de Cannes. Fazem desfile de
índio em Frankfurt. Criam grupos de vigilantes para combater a
“direita” no Twitter. Queimam a bandeira nacional. Estão em guerra
permanente contra o racismo, o machismo, a homofobia, a degradação da
atmosfera, os fertilizantes, os “agrotóxicos”, a desigualdade, a
presença da polícia nas favelas. Acusam o governo dos delitos de
desemprego, recessão econômica, alta do dólar, excesso de religião, não
uso de máscara, genocídio, morte das onças-pintadas e só Deus sabe mais o
quê.
Nada
disso rende um único voto na hora da eleição, mas é muito mais fácil do
que fazer trabalho político de verdade. É bem cômodo, no fundo,
desligar a televisão depois de ver a sova que o governo leva diariamente
no Jornal Nacional e dizer para si mesmo: “Mais um dia de vitórias na
luta contra o fascismo bolsonarista”. Sai de graça, dá cartaz e não tem
nenhum risco. Também é muito fácil viver na política quando existe uma
alucinação chamada “Fundo Partidário”, negociata legal que transfere
dinheiro dos impostos diretamente para o bolso dos políticos. Nos anos
em que há eleições, eles ganham mais; neste 2020, por exemplo, o
contribuinte está sendo extorquido em R$ 2 bilhões. Eis aí um ponto,
talvez o único, em que o PT e o partido turbinado por Bolsonaro na
última eleição estão 100% de acordo — são eles os que ficaram com as
maiores verbas, cerca de R$ 200 milhões cada um. O fato é que o sujeito
não precisa mais ganhar uma eleição para ganhar dinheiro; o fundo
garante. Pode ser menos, é claro, mas não tem erro. Entende-se, aí, onde
foram parar o espírito de combate do PT, a “militância”, as “lutas”
etc. Para que esse perrengue todo? O que interessa é sair candidato. Se
você, além disso, já ganhou de presente um emprego público no
“aparelhamento” em massa da era Lula-Dilma, sua vida está resolvida.
O
que fica faltando, no fim dessa história, é um candidato capaz de fazer
sentido. Não adianta olhar para o outro lado à procura de uma
alternativa para Lula. Vão achar quem? Fernando Henrique? Gilmar Mendes?
Eymael, um democrata-cristão?
Faltam
dois anos para a eleição presidencial de 2022. Se continuarem achando
que Bolsonaro vai desaparecer por encanto na esfera celestial, só porque
“não é mais possível continuar assim”, vamos continuar nessa balada até
1º de janeiro de 2027. DO O.TAMBOSI