segunda-feira, 22 de abril de 2019
Doleiros foragidos e no exterior emperram há 1 ano a maior etapa da Lava Jato
A maior etapa da Lava Jato em
número de presos completa um ano de duração com avanços limitados na
Justiça e ainda sem localizar um grupo de réus foragidos, inclusive o
seu principal alvo.
Em 3 de maio de 2018, a Polícia Federal deflagrou a Operação Câmbio, Desligo,
desdobramento da investigação no Rio de Janeiro que mirava uma rede de
operadores financeiros responsável por movimentar ilegalmente quantias
bilionárias.
A etapa tinha o maior número de mandados de prisão preventiva, com 49
deles expedidos, em uma só fase da operação. O principal alvo era Dario
Messer, conhecido como “doleiro dos doleiros”, que também tinha cidadania paraguaia.
À época, havia a expectativa de que esse novo braço da investigação
desvendasse outros fronts da lavagem de dinheiro no país ainda fora do
radar da força-tarefa de Curitiba. De lá
para cá, porém, os investigadores tiveram reveses com decisões do
Judiciário e um saldo de escasso andamento do processo aberto na
primeira instância.
Além disso, apesar de cooperação internacional e buscas no Paraguai, Messer e ao menos cinco alvos até hoje não foram encontrados pelas autoridades brasileiras.
Quase todos os presos de um ano atrás, hoje, estão fora da cadeia. Foram ao menos dez solturas determinadas pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e outras quatro do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em alguns casos, a iniciativa partiu do próprio juiz Marcelo Bretas, na primeira instância. Dois dos suspeitos já morreram.
A primeira denúncia da Câmbio, Desligo, contra 62 pessoas, foi
apresentada em junho do ano passado, listando dezenas de diferentes
frentes de lavagem de dinheiro sujo no país e clientes na política.
Juiz da Lava Jato no Rio, Bretas
recebeu as acusações, mas teve que desmembrar partes por causa dos réus
não encontrados, e até agora os processos andam com lentidão.
Em fevereiro, o juiz se manifestou sobre o assunto nos autos: “É notório
que a demanda vem se prolongando por prazo superior ao esperado, diante
da necessidade de diligências, a fim de se conferir às defesas total
acesso aos elementos probatórios que embasaram a denúncia".
A Câmbio, Desligo foi deflagrada a partir da delação de uma dupla de
doleiros, Vinicius Claret e Claudio Souza, conhecidos como Juca Bala e
Tony, presos no Uruguai em 2017 na esteira das investigações contra o
ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).
Entre seus alvos dessa fase da Lava Jato fluminense, havia nomes já
conhecidos das autoridades de outras operações famosas contra evasão de
divisas no país, como o caso Banestado.
As idas e vindas da Câmbio, Desligo desde a sua deflagração
incluem decisões de habeas corpus favor de réus que estavam foragidos.
Foi o caso de Ernesto Matalon,
que chegou a pagar R$ 2 milhões em espécie como fiança para conseguir a
liberação. Bretas chegou a determinar o pagamento de fianças
multimilionárias, com base nos valores suspeitos movimentados, mas
Gilmar criticou essa iniciativa e fixou, por exemplo, pagamento de R$ 5
milhões para o foragido Richard van Otterloo.
Na último dia 11, um doleiro suspeito de ser o braço direito de Messer, Bruno Farina,
recebeu habeas corpus do STJ apenas três meses após ser preso. Ele
estava foragido e foi localizado no final de dezembro no Paraguai, no
mesmo condomínio onde Messer vivia, na fronteira com o Paraná.
Sua prisão e extradição foi anunciada como uma grande vitória pelas
autoridades paraguaias. Agora, terá que cumprir medidas cautelares no
Rio, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Todos os foragidos estão na difusão vermelha da Interpol, a polícia
internacional. No mês passado, dois procuradores da República foram ao
Paraguai em busca de ampliar a cooperação. As ações já em tramitação na
Justiça Federal contra esses alvos acabam na prática congeladas.
Enquanto isso, Messer continua a ser uma dor de cabeça para o país
vizinho, onde tem empresas suspeitas de lavagem de dinheiro e ligação
próxima com o ex-presidente Horacio Cartes, que já o chamou de “irmão de
alma”.
Apontado por Juca Bala e Tony como “doleiro de doleiros”, responsável
por estruturar uma rede de pagamentos ilegais para outros cambistas, Messer teve os bens bloqueados no Paraguai.
Apesar de foragido, o doleiro assinou uma procuração em novembro, em um
cartório paraguaio, que outorgava poderes para sua advogada no país,
Leticia Bóbeda, agir em processos civis.
No Brasil, ele é representado por José Augusto Marcondes de Moura Jr.,
que ano passado disse que ele estava disposto a negociar as condições de
se apresentar.
Agora, afirma que irá esperar obter habeas corpus de tribunais
superiores para se apresentar. O pedido, que ainda não foi protocolado,
seria feito como extensão de outro habeas corpus.
“Vamos tentar soltar ele sem ter a foice da prisão preventiva”, diz o advogado.
“A prisão preventiva dele não está fundamentada. A partir do momento que
conseguir essa extensão fica mais fácil comparecer em juízo e prestar
os esclarecimentos necessários.”
Houve ainda decisões de fora do país contrárias às intenções da
força-tarefa. Quatro doleiros presos no Uruguai, os irmãos Davies, de
dupla nacionalidade, e uruguaios Francisco Melgar e Raul Zoboli Pegazzano, tiveram pedidos de extradição ao Brasil negado pela Justiça do país vizinho e respondem em liberdade.
Também contribuiu para a negativa uma indefinição do governo federal,
que não enviou à época do julgamento um representante brasileiro para
acompanhar o pedido de extradição junto ao tribunal uruguaio.
Apesar das dificuldades, a força-tarefa do Ministério Público no Rio
considera positivo o saldo da operação e afirma que novos acordos de
colaboração vão proporcionar novas etapas de investigação. Mais sistemas
eletrônicos de pagamentos ilegais estão sendo periciados pelos
investigadores.
“As informações são complementares e se cruzam. É questão de tempo para a
gente fechar esse círculo”, diz o procurador Eduardo El Hage,
coordenador da Lava Jato fluminense.
Sobre a demora dos processos, diz considerar natural pela complexidade
do caso, mas entende que isso não vai prejudicar as condenações mais
adiante.
Questionado a respeito da soltura dos réus da operação, ele diz que
algumas medidas causam surpresa. “A gente entendia e continua a entender
que as prisões eram devidas. São crimes altamente sofisticados e
praticados com ferramentas tecnológicas, utilização de contas em
paraísos fiscais, o que dificulta muito a investigação.”
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