sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
Ministro da Justiça diz, em entrevista à revista Veja que estará nas
bancas neste final de semana, que o pacote anticrime não dá a policiais
‘licença para matar’ e que seu desafio é evitar que a Lava-Jato tenha o
mesmo fim da Operação Mãos Limpas:
Depois que assumiu o cargo de ministro da Justiça e Segurança
Pública, o ex-juiz Sergio Moro passou os dias enfurnado em seu gabinete
preparando o pacote de medidas contra a corrupção e o crime organizado
que será apresentado ao Congresso. Foram dias de solidão e de mergulho
na burocracia. Longe da esposa e dos dois filhos, que continuam morando
em Curitiba, Moro conversou com assessores, manteve contatos com
parlamentares e fez consultas regulares ao presidente da República, tudo
com o objetivo de pavimentar o caminho para que seu plano de combate ao
crime, redigido de próprio punho, saia do papel. Em entrevista a VEJA
na terça-feira 5, o ministro detalhou os principais pontos do pacote
anunciado no dia anterior e deixou claro que a sua mudança para Brasília
— onde já foi tietado por um entregador de pizza e hostilizado pelo
frequentador de um supermercado — representa uma janela de oportunidade.
“Não só para impedir retrocessos, mas para contribuir de uma maneira
mais incisiva para avanços”, diz ele. A seguir, sua entrevista.
O pacote anticrime é um sinal de que a Lava-Jato é uma inspiração para o atual governo?
Acho que é uma sinalização forte do governo não só anticorrupção, mas
também anticrime organizado e anticrime violento. Estamos deixando
bastante claro que não se pode lidar com esses problemas separadamente. A
corrupção tem impacto na eficiência da máquina pública, privando-a dos
recursos necessários para enfrentar a criminalidade organizada e os
crimes violentos. Tudo isso está concatenado.
Uma das propostas diz que policiais poderão não ser punidos se
atirarem em legítima defesa por “medo, surpresa ou violenta emoção”. É o
ponto mais polêmico? O pessoal está criticando um pouco, mas acho
que há certa incompreensão. Pegamos o conceito legal e esclarecemos
situações que caracterizam legítima defesa. Por exemplo, um agente
policial agir para poupar a vida de um refém. Havia uma reclamação de
algumas corporações de que um policial, quando enfrenta um quadro de
tensão, em que não tem o total controle da situação, pode eventualmente
reagir de modo mais incisivo e acabar respondendo pelo excesso. O
presidente da República vocalizou essas reclamações que vinham do âmbito
da segurança pública e as considerou legítimas. E elas são legítimas.
Os criminosos têm de ser presos, e não mortos, mas há situações
passíveis de confronto que têm de ser reguladas pelo direito.
Alegar “surpresa” para atirar em alguém não é muito vago? São
conceitos jurídicos determinados que serão avaliados em casos concretos.
O que não se justifica é eventualmente punir um agente policial ou um
cidadão que pode ter se excedido em uma situação de legítima defesa, em
uma circunstância extrema. As pessoas não são robôs. Não reagem
automaticamente aos fatos com toda aquela frieza objetiva. No pacote,
não há nenhuma licença para matar. Não basta uma mera afirmação de que
foi em legítima defesa. Será analisado e verificado em que
circunstâncias o fato ocorreu.
A obrigatoriedade de prisão após condenação em segunda instância é o ponto mais relevante do pacote? O
Supremo Tribunal Federal já decidiu por quatro vezes nesse sentido, mas
sempre fica a ameaça de uma revisão da jurisprudência. Apresentando um
projeto de lei, o governo sinaliza à população que quer ser um agente de
liderança na mudança do quadro de impunidade da criminalidade em geral,
mas em especial da criminalidade do colarinho-branco. Algo que
desacreditou e muito os governos passados, e não é que não tenham feito
coisas boas, foi a omissão em liderar um processo de mudança contra a
impunidade da grande corrupção. Esse projeto dá credibilidade ao
governo. O cidadão não quer que o governo seja um agente passivo nesse
quadro de descalabro. Ele quer que o governo tome iniciativa, tome a
liderança.
O senhor, quando era juiz, determinou que o ex-presidente Lula
cumprisse pena na Polícia Federal. A PF, que agora está subordinada ao
senhor, posicionou-se contra. Quem está com a razão? O ministro da
Justiça não é um supertira, um superjuiz. Ele tem uma responsabilidade
mais administrativa, mais estrutural, e não se envolve diretamente
nesses casos concretos. A função do ministro é dar estrutura aos órgãos a
ele vinculados para que realizem seu trabalho. O caso do ex-presidente
faz parte do meu passado. No fundo, quem tem a competência para decidir o
local onde o ex-presidente vai cumprir pena é o juiz de execução.
Há risco de o combate à corrupção feito na Lava-Jato em Curitiba se perder em Brasília?
Sempre me perturbou a possibilidade de retrocessos no avanço que se
teve contra a impunidade da grande corrupção, por causa de uma alteração
legislativa ou de uma ação contrária do Executivo, como aconteceu com a
Operação Mãos Limpas, na Itália. Lá, houve um decreto que praticamente
mudou a legislação e proibiu prisão preventiva para crimes de corrupção.
Vi uma janela para eventualmente estar numa posição elevada aqui em
Brasília, na qual eu poderia não só impedir retrocessos, mas contribuir
de maneira mais incisiva para avanços.
O senhor considera essa a sua missão? Talvez seja mais um
desafio que uma missão. Há um dado preocupante: desde a Operação
Lava-Jato, apesar de todos os esforços contra os corruptos, a percepção
do nível de corrupção, medida pela Transparência Internacional, cresceu.
Isso indica que, embora os processos judiciais sejam importantes e
façam parte da cura do problema, não são suficientes. O trabalho que
começou em Curitiba precisa ser complementado em Brasília. Quem é
liderança tem de dar o exemplo.
Por que o senhor considerou satisfatórias as explicações dadas
pelo ministro Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido caixa dois da
JBS? O caixa dois é errado. As pessoas que eventualmente cometeram
esse ato têm de ser sancionadas segundo a lei que vigora. Se esse é o
caso do ministro Onyx ou não, quem vai determinar é o processo. Não dá
para eu voltar sempre a essa questão.
Incomoda o senhor ser indagado sobre o caixa dois do ministro
Lorenzoni ou sobre as suspeitas do Coaf contra o senador Flavio
Bolsonaro? O ministro da Justiça não é advogado dos integrantes do
governo ou de pessoas que nem sequer entraram no governo. Meu papel é
dar estrutura, liberdade e autonomia aos órgãos que atuam dentro do
Ministério da Justiça, e entre eles estão o Coaf e a Polícia Federal.
Meu papel é diferente, não é ficar advogando, como faziam outros
ministros da Justiça do passado. Acho uma conduta inapropriada.
Há o risco de interferência política nas investigações em curso? O
presidente Bolsonaro, quando me convidou, me disse claramente que era
contrário à corrupção e pretendia dar aos órgãos de apuração plena
autonomia. Isso está sendo seguido à risca. Algo muito meritório no
atual governo, e que tem um potencial anticorrupção muito significativo,
é o fato de ele não ter loteado politicamente os cargos públicos, não
ter cedido à barganha política. Pode eventualmente haver casos de
corrupção no governo? Pode. As pessoas são um misto de virtudes e
vícios, e não se controla o comportamento de todo mundo, mas com essa
conduta o governo já diz “não” a esquemas de corrupção sistemáticos que
ocorriam no passado. É um grande diferencial.
O senhor é um vigilante do governo? Não. E nem o justiceiro.
Justiceiro é uma palavra que tem um caráter às vezes pejorativo. Tenho
as minhas responsabilidades delimitadas. Como juiz da Lava-Jato, eu me
expus a situações de risco, porque envolviam processos com pessoas muito
poderosas. Não seria agora que iria tolher qualquer liberdade de
investigação da Polícia Federal. Pelo contrário, a minha orientação para
a Polícia Federal é que ela aja com autonomia. O que eu apenas
recomendo é que o foco seja posto na criminalidade mais grave, que são
crimes contra a administração pública, crimes de corrupção e
criminalidade organizada.
O pacote anticrime não corre o risco de superlotar ainda mais os presídios?Temos
ciência de que há um problema de superlotação carcerária, mas em
relação à criminalidade mais grave — corrupção, crime organizado e crime
violento — é preciso endurecer, sim. No Brasil, alguns condenados por
homicídio cruel e qualificado ficam menos de dez anos presos. Em países
europeus, muitas vezes as pessoas responsáveis por crimes dessa espécie
são condenadas à prisão perpétua. Flexibilizamos tanto o nosso sistema,
com base num discurso equivocado de proteger direitos fundamentais, que
esquecemos que esses atos criminosos violam os direitos fundamentais, e
que uma política dura contra esse tipo de crime é uma proteção aos
direitos fundamentais de outros. Vivemos numa democracia liberal, mas
não pode haver liberdade para as pessoas cometerem crimes e não serem
punidas. Isso não é liberdade. Isso é anarquia. Toda a política do
ministério é fundada na ideia de fortalecer o império da lei.
O senhor é a favor da descriminalização das drogas? Essa não é
uma política que se encontra dentro dos planos deste governo. Minha
avaliação é que uma descriminalização total é inviável, até porque
também demandaria um movimento mundial. Não adianta descriminalizar, por
exemplo, o tráfico de cocaína aqui no Brasil enquanto a cocaína é
proibida no exterior. O que ia acontecer é que o país se transformaria
num paraíso para traficantes de cocaína. A descriminalização das drogas
talvez gere uma diminuição de gangues, mas gera também problemas sérios
de saúde pública. Em todo caso, essa iniciativa não seria consistente
com a plataforma de campanha do atual presidente.
O senhor cogita privatizar presídios? Todas as opções estão na
mesa. Não se pode tratar isso como uma bandeira ideológica. É preciso
estudar os custos de um e de outro modelo e descobrir em que
circunstâncias cada um deles é mais apropriado. Nas penitenciárias
federais de segurança máxima, onde estão as lideranças criminosas mais
perigosas do país, me parece que o controle do Estado deve ser absoluto.
Pode-se pensar em alternativas para presos menos perigosos, desde que o
custo seja inferior ao da vaga no sistema público. Não adianta
privatizar por privatizar. DO O.TAMBOSI
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