Por unanimidade, três desembargadores da segunda instância da Lava Jato esvaziaram argumentos como falta de provas de envolvimento do ex-presidente em corrupção na Petrobrás, cerceamento da defesa, suspeição de Moro e incompetência da Justiça em Curitiba que serão sustentados novamente em processos do terreno do Instituto Lula e do sítio de Atibaia
Ricardo Brandt e Julia Affonso30 Janeiro 2018 | 05h00 ESTADAO
A decisão unânime dos três desembargadores da 8.ª Turma Penal do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no julgamento da quarta-feira, 24, que condenou Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, derrubou teses basilares da defesa do ex-presidente em sua batalha jurídica contra a Operação Lava Jato, um revés para o processo do caso triplex do Guarujá e para outras ações penais que enfrenta e enfrentará no escândalo Petrobrás.
São argumentos como falta de provas de envolvimento do ex-presidente no bilionário esquema de corrupção e cartel descoberto na estatal, à partir de 2014, ou de elementos que indiquem sua ingerência nas irregularidades, como indicação política de diretores e fraudes contratuais, o chamado ato de ofício, impedimento do juiz federal Sérgio Moro de julga-lo por suspeição, incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para os processos, cerceamento de defesa, entre outros. Todos refutados por unanimidade pelos desembargadores da 8.ª Turma, João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus.
As teses derrubadas pela segunda instância da Lava Jato, em Porto Alegre – que confirmou condenação de Lula por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de R$ 2,2 milhões de propinas da OAS no triplex – são gerais da defesa na Lava Jato. Têm sido sustentadas pela banca de advogados contratos pelo ex-presidente desde março de 2016, após ele ser alvo da 24.ª fase das investigações em Curitiba, e serão levantadas em recursos futuros, em caso de novas sentenças condenatórias.
O ex-presidente é réu em Curitiba em duas outras ações penais abertas por Moro: uma delas trata da propina de R$ 12,2 milhões paga pela Odebrecht, segundo confessaram os delatores, na compra de um terreno para o Instituto Lula e do apartamento usado pelo petista no edifício em que mora, em São Bernardo do Campo (SP), já em fase final; outra do sítio de Atibaia (SP), ainda em fase inicial.
Há pelo menos outras quatro investigações abertas na Polícia Federal e no Ministério Público Federal (MPF) com potencial de virarem processo, segundo apurou o Estado.
As teses da defesa de Lula derrubadas pela 8.ª Turma podem ser divididas em dois grupos: o primeiro – cerca de 30 itens – atacam supostas irregularidades processuais da investigação e da ação penal conduzida por Moro, em Curitiba, como falta de direito de defesa, comprometimento do juízo por atuação política; o segundo – mais restrito – combate a acusação de mérito sobre seu envolvimento com os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no bilionário esquema de corrupção na Petrobrás.
Boa parte dos pontos negados pelos desembargados do TRF-4 no primeiro grupo de argumentos da defesa, as chamadas preliminares do processo, já eram considerados batalha perdida pela defesa de Lula e vinham sendo atacas antes mesmo do caso triplex.
São pelo menos dez nesse grupo, como suspeição de Moro, incompetência da Justiça em Curitiba, cerceamento de defesa, invalidade dos depoimentos do ex-presidente da OAS, haviam sido apresentados nos nove pedidos de suspeição e incompetência, que têm como objetivo tirar o juiz da Lava Jato dos processos ou tirar os as ações da capital do Paraná, respectivamente. Todos já haviam sido levados em fase de recurso à 8.ª Turma e negados pelos desembargadores. São teses que buscavam que a Corte reconhecesse vício processual que maculasse a sentença.
Nos votos de quarta-feira, os três desembargadores destacaram que os temas já tinham sido tratados pelo Tribunal e até mesmo pelas Cortes superiores, em Brasília, sem sucesso da defesa.
Derrota. A derrota maior para Lula e seus advogados, segundo apurou o Estado, veio da rejeição pela 8.ª Turma dos argumentos de mérito do processo, em que o criminalista Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente, sustentou não existirem provas de que o ex-presidente tinha relação com a corrupção.
A defesa sustentou – e sustentará – que não era Lula o responsável por indicar os diretores da Petrobrás ou tratar dos contratos da estatal, que nunca teve relação com as fraudes. A defesa diz que o petista desconhecia o esquema de cartel e corrupção descoberto pela Lava Jato.
O entendimento dos desembargadores da 8.ª Turma, que acompanharam na íntegra o voto do relator Gebran Neto, foi de que “há cristalina comprovação da capacidade de influência do ex-presidente no processo de nomeação dos agentes políticos na Petrobrás e sua ciência no esquema criminoso”.
“Apesar de sua negativa com relação a isso, há clara delineação dos bastidores de indicação e os movimentos de agremiações partidárias na tarefa de manter pessoas de confiança que pudesse levar a diante o projeto de financiamento político. O tema foi muito bem abordado na sentença”, afirmou o desembargador em seu voto, que deve ser publicado pelo TRF-4, junto com os demais votos e o acórdão do julgamento nesta semana.
O revisor do processo, desembargador Leandro Paulsen, destacou o conjuntou de provas que embasaram o veredicto da Corte. “É inequívoco o vínculo de causalidade entre a conduta do ex-presidente Lula e os crimes praticados. Luiz Inácio agiu pessoalmente para tanto, bancando quedas de braço com o Conselho da Petrobrás, forte na condição de presidente da República”, disse o revisor da apelação, “tendo até ameaçado substituir os próprios conselheiros caso não fosse confirmada a indicação”.
“Há elementos de sobra que demonstram que Lula concorreu para os crimes de modo livre e consciente, que concorreu para viabilizá-los e para perpetuá-los”, destacou o desembargador. “Não se trata simplesmente da sua superioridade hierárquica enquanto presidente, mas do uso que fez desse poder”, concluiu.
Procurada, a defesa de Lula ainda não se manifestou sobre o assunto. O espaço está aberto.
AS PRINCIPAIS TESES GERAIS DA DEFESA DE LULA AFASTADAS PELO TRF-4
Incompetência da 13.ª Vara Federa CuritibaO QUE DIZ A DEFESA DE LULA
A 13.ª Vara Federal de Curitiba não tem competência para julgar o processo, pois os fatos não são relacionados ao Paraná, o ex-presidente não reside do Estado, não há relação dos crimes com a Petrobrás.
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
Tese não se sustenta. Seja porque essa matéria já foi apreciada por essa Turma em diversas passagens, mas principalmente porque o próprio STF, em mais de uma vez, como na Reclamação 17.623, ou na ação penal originária 871, promoveu desmembramentos e ele próprio encaminhou ao juízo da 13.ª Vara Federal de Curitiba os casos. O STJ também decidiu em habeas corpus sobre a competência e da alegação de usurpação de competência nesse e em outros processos da Lava Jato. Não prevale a tese de usurpação de competência do STF. Não há o que se falar em conexão ou prevenção com inquéritos em tramitação no Distrito Federal originarios do Supremo, com referência ao que explicitou Sérgio Moro na sentença e decisão do ministro do STF Edison Fachin no Inquérito 4243/DF, em que se alega conexão, que afastou necessidade de de encaminhado dos autos para terceira instância.
Suspeição do juiz federal Sérgio Moro
O QUE DIZ A DEFESA DE LULA
O juiz federal Sérgio Moro é suspeito por supostas ilegalidades e arbitrariedades na condução do processo para julgar Lula e também os procuradores da Republica de Curitiba suspeitos para acusarem o petista
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
Tema já com precedentes no TRF-4, faz referência ao julgamento do TRF-4 em que afasta a suspeição do juiz de primeiro grau, tese já foi objeto de outro processo conexo, pela 4.ª Sessão do TRF-4 afastando a suspeição do magistrado. São 11 fundamentos da defesa de que Moro seria suspeito. Gebran dividiu em duas classes:
1.ª) Histórico de decisões preferidas pelo magistrados no curso da investigação: há evidência que o fato de Moro tomar decisões e fundamentá-las ao longo do processo e de muitos processos conexos isso não o torna suspeito, pelo contrário. Ele apenas fez o dever de fundamentar de acordo com a sua compreensão dos fatos e sua capacidade e isso não o torna suspeito, o que fez foi obedecer o ditame constitucional de fundamentação.
2.ª) Reiterada alusão a fatos como manifestação de opinião pública, artigos acadêmicos, além da curiosa suspeição de que juiz figurou em pesquisa eleitoral como concorrente em eleição para presidente da República para o pleito próximo: tentativa da defesa de atribuir ao processo conotação política e bastante equivocada que somente se explica pela tentativa de desqualificar não só o juiz natural, mas também a atividade jurisdicional. Há de ser ter bem claro que o juiz não é parte do processo e nem assume a posição de antagonista com qualquer investigado ou réu como já decidido pela 4.ª Sessão. Faz referência às outras decisões do TRF-4 sobre o tema e transcreve um deles: ‘a alega espetacularização e os efeitos provocados na opinião pública das decisões judiciais assim como o recebimento de premiações de natureza honorífica pelo magistrado, para o que nunca colaborou, não são temas oponíveis, sequer são causas jurídicas.”
Condução coercitiva ilegal/ato abusivo do juiz
O QUE DIZ A DEFESA DE LULA
Arbitrariedade da condução coercitiva de Lula no dia 4 de março de 2016, quando ele foi alvo 24.ª fase da Lava Jato. Condução se equivaleu a uma prisão preventiva, por privou-o do direito de ir e vir, e houve espetacularização e uso político do fato. Elemento é um dos que embasam pedido de suspeição de Moro
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
A determinação de diligências ou mesmo a condução coercitiva de investigados ou as decretações de prisões na fase pré-processual fazem parte do cotidiano pré-processual. A externalidade do juiz de suas impressões sobre o fato apenas integra o dever de fundamentar. O argumento de que a operação tem desdobramentos políticos não é original, a teoria encontra obstáculo no histórico das investigações, pois ao longo dos anos não há um fato que dê guarida ao argumento. Pelos elementos dos autos estamos diante de decisões de primeiro grau fundamentadas e tomadas com base na interceptação telefônica de diálogos de investigados indicando suposta intenção de associação do apelante de em certa medida oporem a qualquer diligência em seu desfavor. Em face disse o magistrado de origem determinou a adoção de cautelas para a polícia com a finalidade de evitar a exposição do conduzido. Se justifica a condução coercitiva dos investigados para que preste esclarecimento nas mesmas datas das apreensões. A possibilidade de condução coercitiva simultânea surge como alternativa menos gravosa à prisão preventiva ou mesmo à prisão temporária. A condução coercitiva, por si só, não viola o direito constitucional ao silêncio, tão pouco a presunção da inocência. A condução é coercitiva, mas o depoimento, não.
Grampear telefone escritório advogado de defesa
O QUE DIZ A DEFESA DE LULA
Argumenta que “grampear o principal ramal de um escritório de advocacia, onde falam cerca de 30 advogados, é uma gravíssima afronta ao Estado de Direito”, ao atacar escuta feita em um telefone do escritório Teixeira, Martins & Associados. “As conversas gravadas devem ser destruídas. O próprio juiz que autorizou os grampos já havia reconhecido a necessidade dessa providência em 2016 perante o Supremo Tribunal Federal.”
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
A quebra foi feita porque informação do Ministério Público Federal seria titularizado pela empresa Lils Palestras, de Lula, como documentos nos autos. A própria empresa Lils declinou o telefone como sendo dela, o que ensejou a aparente confusão. Não houve tentativa de monitorar ilegalmente advogados que hoje atuam na causa, mas sim quebra de sigilo em terminal telefônico que constava em nome do ex-presidente. Validade da quebra foi feita já em decisão do TRF-4 anterior, com acórdão.
Cerceamento de defesa
O QUE DIZ A DEFESA DE LULA
Houve cerceamento de defesa, ao se indeferir provas periciais, documentais e testemunhais; conceder exíguo para análise de documentos juntados pela Petrobrás e relevantes para contrapor as hipóteses acusatórias; ao indeferir perguntas às testemunhas, referentes a acordos de colaboração premiada
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
Uma consideração inicial que guia as nulidades processuais do artigo 563 é que nenhum ato será considerado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou a defesa. Não há ilegalidade do juízo em relação à prescindibilidade das provas requeridas. As pretensões defensivas foram todas e cada uma examinadas e na porção indeferida há fundamentação idônea. Citou outra decisão da Corte em que foi negado pedido de prova para identificar origem dos recursos supostamente pagos a título de propina. Isso porque a inicial acusatória é cristalina ao indicar que a construtora OAS mantinha uma caixa geral para pagamento de propina ao PT.
Falta de provas
O QUE DIZ A DEFESA DE LULA
Não há provas de que Lula tem relação com o esquema de corrupção na Petrobrás, pois não tinha ingerência direta na estatal para nomear os diretores envolvidos nos acertos de desvios com as empreiteiras do cartel. Desconhecia esquema de cartel e corrupção descoberto pela Lava Jato.
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
A denuncia é clara ao afirmar que Lula solicitou ou aceitou promessa ou recebeu direta ou indiretamente por si ou para outrem inclusive por intermédio de funcionário públicos vantagens indevidas as quais foram de outro lado oferecidas pela OAS, uma das empreiteiras do cartel que atuava no esquema Petrobrás. O acerto foi em benefício próprio e do PT. Há cristalina comprovação da capacidade de influência do ex-presidente no processo de nomeação dos agentes políticos na Petrobrás e sua ciência no esquema criminoso. Apesar de sua negativa com relação a isso, há clara delineação dos bastidores de indicação e os movimentos de agremiações partidárias na tarefa de manter pessoas de confiança que pudesse levar a diante o projeto de financiamento político.
Ato de ofício
O QUE DIZ A DEFESA DE LULA
Não há qualquer ato de ofício relacionado à vantagem indevida nem o apelante exercia função pública à época em que teria recebido essa vantagem. Pede revisão do aumento de pena, como agravante, pois não atuou ou deixou de atuar como agente público em favor do corruptor.
O QUE DECIDIU A 8.ª TURMA
A efetiva prática de ato de ofício ilegal é causa de aumento de pena, mas não é exigido para tipificação dos crimes de corrupção, de modo que a tese deve ser rechaçada. Os desembargadores entenderam que é inequívoco o vínculo de causalidade entre a conduta do ex-presidente Lula e os crimes praticados. “Luiz Inácio agiu pessoalmente para tanto, bancando quedas de braço com o Conselho da Petrobrás, forte na condição de presidente da República”, afirmou Leandro Paulsen.
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