Josias de Souza
Sindicância realizada com o propósito de checar o processo de aposentadoria de Dilma Rousseff constatou que ela se aposentou irregularmente depois de sofrer o impeachment. Deposta pelo Senado em 31 de agosto de 2016, a ex-presidente petista requereu sua aposentadoria no dia seguinte, numa agência do INSS, em Brasília. Obteve o benefício com a velocidade de um raio.
Notícia veiculada no site da revista Veja informa que a investigação concluiu que a aposentadoria foi concedida a Dilma de forma irregular. Madame furou a a fila do INSS. Fez isso com o auxílio de servidores do órgão. E começou a receber R$ 5,189 —valor máximo permitido em lei— mesmo sem ter apresentado toda a documentação exigida.
Dilma nem precisou dar as caras na agência do INSS. Ex-ministro da Previdência, o petista Carlos Gabas foi à repartição acompanhado de uma secretária de Dilma. Entraram pelos fundos. E foram atendidos na sala da chefe da agência. A aposentadoria foi efetivada nos computadores do INSS em poucos minutos.
Segundo os auditores, o ex-ministro de Dilma mexeu os pauzinhos para que a ex-chefe recebesse tratamento privilegiado. Verificou-se que a servidora do INSS Fernanda Doerl levou em conta informações não comprovadas documentalmente para calcular o tempo de serviço de Dilma.
Faltou um comprovante de órgão federal que atestasse o período que Dilma ostentou a condição de anistiada política. Levou-se em conta um documento estadual, gambiarra não prevista em lei. De resto, Dilma se absteve de agendar o atendimento, como qualquer brasileiro é obrigado a fazer.
Servidor de carreira do INSS, Gabas sofreu uma punição mixuruca: suspensão do serviço público por dez dias. Fernanda, a servidora que apressou a concessão da aposentadoria, tomou apenas uma advertência. O governo cobra de Dilma a devolução do primeiro benefício recebido: R$ 6.188, já incluídos os juros. Ela não parece disposta a mexer na bolsa. Já recorreu contra a decisão. Gabas negas as acusações e atribui a sindicância a perseguição política.
Gilmar Mendes intensifica política da cela vazia
Josias de Souza
Num intervalo de 72 horas, Gilmar Mendes colocou em liberdade meia dúzia de encrencados no esquema de corrupção no setor de transportes do Rio de Janeiro. Com isso, o ministro do Supremo Tribunal Federal inaugurou uma nova fase da implantação da política de celas vazias da Lava Jato. É muito parecida com as fases anteriores. A diferença é que já não há a necessidade de maneirar. Aboliu-se o recato.
Convicto de sua própria invulnerabilidade, Gilmar virou em primeiro lugar a chave da cela de Jacob Barata Filho. Conforme ilustra a foto acima, o ministro é padrinho de casamento de Maria Beatriz Barata, filha do investigado. Ela trocou alianças com o sobrinho da mulher de Gilmar, Guiomar Feitosa Mendes. Chama-se Francisco Feitosa Filho. Seu pai, Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, irmão de Guiomar e cunhado de Gilmar, é sócio de Barata, o empresário que ganhou a liberdade.
Os procuradores da força-tarefa do Rio de Janeiro pediram que Gilmar seja impedido de atuar no processo que envolve Barata. Cabe ao chefe do Ministério Público, Rodrigo Janot, decidir se encaminhar ou não o requerimento ao Supremo. “Vocês acham que ser padrinho de casamento impede alguém de julgar um caso?”, perguntou Gilmar aos repórteres na sexta-feira. “Vocês acham que isso é relação íntima, como a lei diz? Não precisa responder!”
O site do Supremo ensina: a suspeição de um juiz pode ser suscitada quando ele for “amigo íntimo” de uma das partes envolvidas no processo. Isso está previsto no artigo 135 do Código de Processo Civil. Gilmar alega que sua relação com os Barata não é íntima. Quanto à sociedade do irmão de sua mulher com Barata, o ministro diz não ter relação direta com os negócios do cunhado.
Neste sábado, Gilmar incluiu num despacho em que libertou mais quatro presos uma estocada nos procuradores que pedem seu afastamento do caso. ''Não se pode curvar e ceder a grupos de trêfegos e barulhentos procuradores.'' Numa de suas acepções mais comuns, o vocábulo “trêfego” significa irrequieto, agitado.
Deve-se à agitação barulhenta da infantaria de procuradores o rompimento de uma tradição que chegou ao Brasil junto com as caravelas. Nenhuma revelação conseguia abalar o prestígio de uma eminência empresarial brasileira. Mesmo quando desmascarados e denunciados, os empresários continuavam enchendo as colunas sociais. Hoje, enchem as celas que Gilmar se apressa em esvaziar.
No início do mês, o ministro Luís Roberto Barroso, um desafeto de Gilmar no Supremo, soou premonitório ao comentar a influência dos encrencados na Lava Jato: ''Essas pessoas têm aliados importantes em toda parte, nos altos escalões da República, na imprensa e nos lugares onde a gente menos imagina''.
O juiz Marcelo Bretas, que cuida da Lava Jato no Rio, tentou manter atrás das grades dois dos presos que Gilmar soltou. Expediu novos mandados de prisão contra Jacob Barata, o compadre, e Lélis Teixeira, ex-presidente da Federação dos Transportes do Rio. Gilmar mandou soltá-los pela segunda vez. Antes, fez troça do trabalho do doutor Bretas: “Isso é atípico, né? Em geral, o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo”.
''A liberdade é a regra no processo penal'', anotou Gilmar Mendes no mesmo despacho em que chamou os procuradores de “trêfegos”. Avesso às exceções que quebram a regra não-escrita segundo a qual nenhuma falsidade justifica a incivilidade da prisão de um representante da oligarquia política e empresarial, Gilmar evocou Rui Barbosa: ''O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde''.
A frase citada pelo ministro consta de artigo intitulado “O justo e a justiça política”. Foi escrito em 1899. Nele Rui Barbosa discorre magistralmente sobre a falta que uma toga genuína fez a Jesus Cristo: “Por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz. Aos olhos dos seus julgadores refulgiu sucessivamente a inocência divina, e nenhum ousou estender-lhe a proteção da toga. Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados.”
Quer dizer: aos olhos de Gilmar Mendes, os investigados do Rio podem ser imaculadas criaturas. Gente comparável ao filho de Deus. Os trêfegos da Procuradoria e o doutor Bretas comporiam um bando de cegos, incapazes de enxergar “a inocência divina”. Nesse enredo, ministros do Supremo precisam assinar habeas corpus em série porque não podem lavar as mãos.
O barulhinho que você ouve ao fundo é o ruído de Rui Barbosa se revirando no túmulo ao perceber que o cachorro passou a abanar o rabo para pessoas que deveria morder. Até os mortos farejam o cheiro de queimado. Vem aí a revogação da decisão do Supremo que permitiu passar os corruptos na chave após a confirmação das condenações na segunda instância do Judiciário.
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