sábado, 19 de agosto de 2017

Caso do PSDB é de autópsia, não de autocrítica



Josias de Souza

O problema das autocríticas é que elas quase sempre chegam tarde. Sob a presidência interina de Tasso Jereissati, o PSDB acaba de levar ao ar, no rádio e na TV, um esboço de contrição. Coisa de dez minutos. A peça não disse dos tucanos 5% do que eles dizem de si mesmos quando atacam uns aos outros na intimidade. Ainda assim, o ninho entrou em parafuso. Cogita-se até abreviar a interinidade de Tasso. Ficou claro que a tentativa de reconhecimento dos erros chegou quando já não adianta. O caso do PSDB não é mais de autoanálise, mas de autópsia.
No pedaço da propaganda partidária que mais eriçou as plumas, o PSDB insinua que um dos seus erros foi o convívio com o “presidencialismo de cooptação”, do tipo replicado sob Michel Temer. Didático, o programa ensinou: “Presidencialismo de cooptação é quando um presidente tem que governar negociando individualmente com políticos ou com partidos que só querem vantagens pessoais e não pensam no país. Uma hora, apoia. Outra, não. E quando apoia, cobra caro”.
Tucanos que participam da equipe ministerial de Temer apressaram-se em esculachar a iniciativa de Tasso Jereissati. Coordenador político do Planalto, Antonio Imbassahy rangeu os dentes numa nota: “Em vez de fortalecer o partido e apresentar contribuições ao país, preferiu-se expor, em rede nacional, uma divisão interna”. O chanceler Aloysio Nunes ralhou na internet: “Não me representa”, disse. É “um tiro no pé.” Foi como se os ministros rejeitassem a carapuça enfiando-a na cabeça.
Sem saber, os críticos de Tasso alvejaram o grão-mestre do PSDB, Fernando Henrique Cardoso. Foi ele quem sugeriu o uso expressão “presidencialismo de cooptação”. Se dependesse de Tasso, iria ao ar a versão edulcorada: “presidencialismo de coalização.” O mais irônico é que a opinião de FHC nem é nova. Ele discorreu sobre o fenômeno numa entrevista que concedeu ao blog em janeiro de 2014. Nessa época, era Dilma Rousseff quem cooptava. Mas FHC reconheceu que ele próprio flertou com o flagelo quando passou pelo Planalto. O PT apenas levou a prática às fronteiras do paroxismo. (Assista abaixo)
O que os críticos da autocrítica não percebem é que, em política, o arrependimento pode ser a última utilidade de um crime. Depois de conviver com o que há de mais arcaico na política e de tolerar a falta de ética de filiados ilustres, o PSDB ainda poderia extrair um gesto louvável de suas próprias delinquências e, mesmo com inacreditável atraso, entregar-se ao prazer da contrição. Os mais cínicos costumam gozar duas vezes —com o pecado e com a expiação. Mas o PSDB é sofisticado demais para entender as coisas simples.
Dividido, o partido conseguiu transformar uma autocrítica numa espécie de tucanocídio. Quando for concluída a autópsia, encontrarão no coração do tucanato o amargor da hipocrisia de exigir a moralidade e a honestidade sem praticá-las. No estômago da legenda, acharão os restos políticos de personagens como Eduardo Azeredo e Aécio Neves, filiados cujas transgressões o PSDB engoliu sem se dar conta do mal que fariam. Nesse contexto, o acasalamento com o governo Temer é a lápide, não a causa mortis.

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