sexta-feira, 9 de junho de 2017

Gilmar esvazia processo do TSE e vê ‘ineficiência’ nos órgãos de controle

Josias de Souza

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Gilmar Mendes ajudou a pavimentar a saída que salvará o mandato de Michel Temer no caso sobre irregularidades atribuídas à chapa vitoriosa em 2014. Com o seu voto, excluíram-se do processo as provas relacionadas à Odebrecht. Paradoxalmente, Gilmar animou-se atacar durante o julgamento os órgãos de controle do Estado, responsabilizando-os pela reiteração dos crimes de corrupção no país.
Interrompendo a leitura do voto do relator Herman Benjamin, Gilmar chamou de “modelos coirmãos” os escândalos do mensalão e do petrolão. “É muito curioso que tenha se desintegrado o modelo do mensalão, mas esse outro tenha fluído com tanta desenvoltura”, disse, antes de partir para o ataque: “Isso conta uma história ruim dos nossos órgãos de controle –todos, de alguma forma, ou corrompidos ou ineficientes.” Para Gilmar, “os órgãos de controle falharam de maneira retumbante.”
O ministro tem razão. Revelou-se uma espécie de abracadabra para a caverna de Ali-Babá o trabalho preventivo de órgãos como a Receita Federal e os departamentos de auditoria de estatais como a Petrobras e bancos públicos como o BNDES e a Caixa. O diabo é que, em matéria de controle, o tribunal que Gilmar preside é parte do problema, não da solução. No petrolão, partidos políticos e empreiteiras se uniram para fazer do TSE uma lavanderia de dinheiro sujo.
Corruptores e corruptos higienizaram como doações eleitorais milhões roubados do Estado. E o tribunal, diante da oportunidade de se agigantar num julgamento histórico, preferiu rebaixar o pé direito do plenário de sua suntuosa sede. Com o reforço do voto de Gilmar, esboçou-se no TSE uma maioria de 4 a 3 que deve manter intacta a tradição de punir apenas políticos periféricos —prefeitos de cidades dos fundões do país e governadores do Norte e do Nordeste, por exemplo. O relator Benjamin avalia que talvez não surja tão cedo outra chance igual.
“É um milagre que nós estamos hoje aqui apurando esses fatos”, disse Benjamin. “Não era pra ser. Não haverá outra oportunidade para apurar fatos desta natureza aqui. Para o TSE não vejo como. E sabe por que, meu caro presidente, eminentes ministros? Porque no caso específico da Odebrecht existia um sistema tal de proteção e de sofisticação que seria impossível nos apurarmos o que foi apurado aqui se não fosse a Lava Jato.”
Ironicamente, Herman Benjamin disse incontáveis vezes que se guiou durante toda a investigação por um voto proferido por Gilmar Mendes, em 2015. Aprovado por 5 a 2 no plenário do TSE, esse voto evitou o arquivamento de uma das ações contra a chapa Dilma-Temer. Mais: determinou o aprofundamento das investigações.” As apurações foram tão profundas que a maioria da Corte achou melhor torná-las mais rasas.
Sem as provas testemunhais e documentais relacionadas à Odebrecht, qualificadas pelo relator de ''amazônicas'', o processo se transforma numa poça. Excluindo-se também os depoimentos do casal do marketing João Santana e Monica Moura, a poça pode ser percorrida por uma formiga com a lama na altura das canelas. Por mal dos pecados, a outiva de Santa e Monica foi aprovada por 6 a 1 pelo plenário do TSE há dois meses.
Gilmar repetiu na noite desta quinta-feira algo que já havia reiterado na véspera. “Minha preocupação não é a cassação de mandatos, mas conhecer de fato como as campanhas são feitas.” À sua maneira, o presidente do TSE elogiou o trabalho do relator. “Me parece que não há subsidio melhor para a reflexão sobre a necessidade de uma reforma política do que um estudo como esse que Vossa Excelência fez.”
Benjamin atalhou o colega: “Eu agradeço, mas tenho que confessar que não fiz estudo. Fiz um voto. Sei que nas nossas decisões há sempre um valor educativo. Mas para mim, no Estado de Direito, o valor mais educativo é a aplicação da lei, inclusive com as suas consequências.”

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