Sonia Racy
29 Maio 2017 | 00h30
29 Maio 2017 | 00h30
Material entregue pelo delator da JBS
é valioso, diz Miguel Reale Jr., para quem o ‘argumento
moral’ contra Joesley Batista ainda pode
pesar nas decisões mais à frente, no inquérito
é valioso, diz Miguel Reale Jr., para quem o ‘argumento
moral’ contra Joesley Batista ainda pode
pesar nas decisões mais à frente, no inquérito
O jurista Miguel Reale Jr.
tem vivido dias agitados. De um lado, acompanha os solavancos do debate
político e jurídico em que mergulhou recentemente a vida pública
brasileira. De outro, além do trabalho diário no escritório, e como
titular de direito penal da Faculdade de Direito da USP, finalizou as
1.100 páginas do livro Código Penal Comentado, que lança amanhã na Livraria da Vila da Alameda Lorena, em São Paulo.
“O
que há é muita especulação”, diz ele sobre o vendaval que se abateu
sobre o mundo político. Por exemplo, a decisão do procurador-geral
Rodrigo Janot de liberar o empresário Joesley Batista, da JBS, após a
delação contra o presidente Michel Temer. “O Janot agiu dentro das
normas legais”, afirma o jurista, “ainda que persistam questões de ordem
moral e que o benefício pareça desproporcional”. Sobre o julgamento da
chapa Dilma-Temer no TSE, que começa dia 6: “O caso não terá uma solução
rápida, como muitos imaginam”. E, por fim, uma advertência. “Não há
espaço constitucional, nem mesmo com a minirreforma de 2015”, para se
implantar eleição direta de um eventual sucessor de Temer, afirma nesta
entrevista a Gabriel Manzano.
E quanto ao livro? Reale Jr. não o vê como “um título a mais” sobre o
Código Penal. Juntou gente de peso, fez um amplo debate de questões que
vão desde a eutanásia à crise penitenciária ou ao compliance. E o lança
como quem está “passando o bastão à nova geração”. A seguir, principais
trechos da entrevista.Semana que vem, o TSE julga a chapa Dilma-Temer. O que acha que vai acontecer?
Se a chapa for cassada, tudo indica que Temer recorrerá ao STF. Este indicará um relator, que enfrentará um processo de 7.000 páginas, sem prazo obrigatório para dar seu parecer. Se Temer for afastado, Rodrigo Maia assume, mas não pode convocar eleição indireta de imediato. Ele tem de esperar a sentença final sobre o presidente. Ou então que ele renuncie.
A urgência não poderia levar o STF a ser rápido?
Se fizer isso, ele será acusado de fazer parte de um conluio para tirar Temer. Imagino que dificilmente o fariam.
Tem gente apostando que o STF aprova a minirreforma de 2015, que reduz de 2 anos para 6 meses o prazo para o Congresso fazer eleição indireta. Antes disso – ou seja, agora –, a saída seria ainda convocar as diretas.
Está claro naquele texto que tal recurso não se aplica a presidente da República. Só daí para baixo, que é o que está acontecendo agora com o governador e o vice do Amazonas.
Há uma indignação geral contra o procurador Rodrigo Janot, e contra o ministro Edson Fachin, do STF, por terem legitimado o acordo que liberou de qualquer punição o delator de Temer, Joesley Batista, e o autorizou a deixar o País. Foi um equívoco?
Janot agiu dentro das normas legais. A lei 12.850, que trata do crime organizado, atribui ao procurador a função de avaliar a importância e utilidade das denúncias feitas no interesse da sociedade. Cabe lembrar que o material entregue pela JBS é de grande valia para futuras investigações. O MP pode, assim, abrir mão de denunciar. Mas veja, é um benefício condicional. As denúncias vão ao Judiciário e um juiz pode, ao final, examinar se a colaboração foi proporcional ao benefício dado. A última palavra é do juiz.
O ministro Fachin homologou.
O ministro fez um exame superficial. Ainda cabe, lá na frente, depois do processo contra os delatados, o juiz do caso fazer nova apreciação.
Até lá, os donos da JBS já estarão longe, livres e tocando seus negócios pelo mundo…
O dilema do Janot era que, se não fizesse o acordo, as provas não surgiriam. E elas existem, muitas, envolvendo dois ex-presidentes (Lula e Dilma), um presidente (Temer), um importante presidenciável (Aécio), vários governadores, vários senadores e cerca de 2.000 políticos pelo País inteiro. Mais quilos de documentos, e-mails, um prato pronto de movimentações bancárias. Cabe também ressaltar que Joesley Batista, pessoalmente, sairia impune da mesma forma — nesse episódio específico ele é apenas o delator da história, não o delatado. A lei dá ao procurador competência para decidir o que acha melhor para o País.
O diálogo dele com Temer, em que menciona uma sequência de comportamentos irregulares, não deveria pesar no caso?
Primeiro, ele e a JBS estão sofrendo uma enorme multa pecuniária, ainda em negociação. A PGR quer R$ 11 bilhões, eles aceitam dar R$ 8 bi. E convém que fique claro: outras transgressões por eles praticadas estão sujeitas à lei. A Comissão de Valores Imobiliários, por exemplo, está avaliando a movimentação financeira que fizeram logo após o acordo e a conversa com Temer. Sair do Brasil não significa estar livre da lei brasileira. Henrique Pizzolato que o diga. Foi esconder-se na Itália e agora está preso no Brasil.
Como avalia a conversa entre Temer e Joesley no Jaburu?
O conjunto da obra é todo muito negativo. Um presidente da República receber à noite, escondido, um empresário envolvido em duas operações sendo apuradas, com bens bloqueados, chegando com o nome falso… e a primeira pergunta do presidente é: “Te viram?” Alguém que em seguida, na TV, ele chama da falastrão? E dizendo que o recebeu para falar da operação Carne Fraca – que só aconteceria dez dias depois, no dia 17 de março?
Já se alegou que ele estava “educadamente ouvindo” e esperando a visita ir embora. Ele pode ter caído numa armadilha?
Partilhando de algo inaceitável para um presidente? Ouvindo o interlocutor dizer “comprei um procurador por 50 mil por mês”, sem reagir? O que se esperaria do presidente da França? Por que temos de aceitar isso do presidente do Brasil?
Se o STF reavaliar e anular a homologação, não estará desautorizando e enfraquecendo a PGR em futuras leniências?
A atual legislação já estabelece que o reexame pode ocorrer.
Há muitas variáveis políticas e jurídicas no cenário atual. O que imagina que pode acontecer?
Temos um quadro complicado. O Congresso pode ter em breve um poder gigantesco, o de escolher novo presidente. E grande maioria, nas duas Casas, pensa de manhã, à tarde e à noite em acabar com a Lava Jato. Querem alguém que enquadre a polícia e os investigadores. E, de quebra, que pare com as reformas. Por outro lado, hoje a política não se faz só na praça dos Três Poderes. Se faz na Avenida Paulista, na Cinelândia, na Boa Viagem. E a Justiça está onipresente. Os cidadãos sabem os nomes dos 11 ministros do Supremo e não sabem os onze da seleção de futebol. Ou seja, é uma nova situação, na qual o povo nas ruas tem um papel que não tinha antes.
Acha que Temer tem força para reverter esse jogo?
Temer tem uma visão brasiliense do País. Três vezes presidente da Câmara, estava sempre de costas para a nação. Eu tive oportunidade de lhe dizer várias vezes, pessoalmente, que falasse mais a palavra “trabalhador”, a palavra “jovem”. Tinha de ir pessoalmente à TV explicar , de forma didática, o sentido e a razão das reformas. Raramente se ocupou disso. Acha que basta ganhar no Congresso.
Acha necessário, no momento, mexer-se na Constituição?
Não vejo sentido em uma Constituinte exclusiva. Vão querer reavaliar tudo de novo, alterar a ordem econômica. Imagine a insegurança que isso iria criar. Mas acho que faz sentido, sim, discutir e aprovar algumas PECs. Especialmente a da reforma política, já alterando para 2018 a cláusula de barreira, as coligações partidárias e o financiamento de campanha. E a trabalhista, para ressuscitar os empregos. Não acho a da Previdência urgente, embora indispensável. Seus efeitos são no longo prazo, oito ou dez anos. Esperar um ano mais não é mortal.
E com toda essa balbúrdia o sr. arruma tempo para lançar, nesta terça-feira, um livro importante de sua carreira como professor e autor, O Código Penal Comentado. O que o levou a lançá-lo?
A minha percepção de que o ensino do direito, no Brasil, vem sofrendo um processo de banalização, em que especialmente os textos sobre os códigos mais parecem “tiras”. Ficam, às vezes, parecendo uma “introdução ao direito pelo Twitter”. São informações estanques, não problematizadas, que não bastam como orientação. Reuni uma equipe de 15 profissionais, alunos e professores, gente com pós-graduação aqui e lá fora. Ficamos dois anos preparando. O livro tem para mim um significado grande. Eu me sinto, com ele, entregando o bastão a uma nova geração.
Concretamente, quais os pontos de destaque do livro?
Fazemos um amplo debate do homicídio privilegiado, por exemplo. Que trata da redução da pena de quem auxiliou alguém na eutanásia ou ortoeutanásia – um médico, por exemplo. Cotejamos com o código de ética médica. Discutimos a crise penitenciária, que decorre de não se aplicarem as soluções criadas no novo código. Entre elas, a de não existir, de fato, um sistema semiaberto no País. As penas alternativas demoraram muito para começar. Destacamos também o amplo debate da compliance nos setores público e privado – mencionada no art. 317 do Código Penal. É um avanço ver que o dever de prevenir e punir os fatos lesivos à administração passou a ser das empresas. DO ESTADÃO
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