Fábio Fabrini - O Estado de S.Paulo
Pente-fino do TCU acha 19,5 mil filhas solteiras de servidores, maiores de 21 anos, recebendo irregularmente; relator propõe que benefício só seja cortado de quem tem renda extra maior que R$ 4,6 mil
O Tribunal de Contas da União (TCU) detectou indícios de que 19.520
filhas solteiras de servidores públicos federais, maiores de 21 anos,
estão recebendo pensões por morte bancadas pela União de forma
irregular. A lista inclui mulheres que acumulam o benefício com a renda
de outras pensões e aposentadorias, de empregos na iniciativa privada e
no setor público. Há até casos em que os valores continuaram sendo pagos
pelo governo em nome de beneficiárias que, oficialmente, já morreram.
A corte de contas discute as providências a serem tomadas a respeito em
sessão marcada para esta quarta-feira, 26. O julgamento se dá em meio ao
debate sobre a reforma da Previdência, proposta pelo governo.
Foto: André Dusek|Estadão
Há divergências entre os ministros do TCU. O relator, Raimundo Carreiro,
defende que, mesmo que provada irregularidade, só seja cortada a pensão
da mulher que tenha renda remanescente superior a R$ 4.663,75, teto do
Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em 2015. No entendimento dele,
esse seria o valor mínimo capaz de proporcionar a "sobrevivência
condigna" da beneficiária.
Carreiro não levou em consideração que, no Brasil, o salário mínimo
vigente é de R$ 880. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), citados no processo a ser julgado nesta quarta, mostram que só
5% da população do País ganha mais de R$ 4 mil mensais.
Levando-se em conta o teto do INSS como critério da "sobrevivência
condigna", o universo de pensionistas em situação irregular cairia para
cerca de 7,7 mil. Mesmo assim, a economia do País com a supressão dos
benefícios seria considerável: R$ 2,2 bilhões nos próximos quatro anos.
Na sessão desta quarta, o ministro Walton Alencar apresentará voto
divergindo de Carreiro. Ele argumenta que a questão da sobrevivência
digna e do referencial de R$4.663 é "inteiramente subjetiva, aleatória e
desnecessária". Alega também que não há base legal para fixar o valor
como parâmetro.
"Por que razão estabelecer o valor pago pelo RGPS? Não bastaria
estabelecer o salário mínimo? Isto significaria que se a pensionista
ganhar, além da pensão, valor inferior a esse referencial, ela não
precisaria cumprir a legislação? Poderia casar?", questiona Alencar no
voto, obtido pelo Estado.
A pensão a filhas solteiras de servidores públicos, maiores de 21 anos,
foi instituída por uma lei de 1958, quando a maioria das mulheres não
trabalhava fora de casa e os homens, em geral, eram provedores de
recursos para as famílias. O princípio da legislação era o de amparar as
filhas de servidores que morressem. A lei foi alterada em alguns pontos
por outras normas posteriores e pela jurisprudência dos tribunais. A
mulher não pode ter união estável ou casamento, além de acumular o
benefício com outras rendas de empregos públicos e privados.
Alencar propõe que os órgãos públicos deem 15 dias para que as
beneficiárias em situação irregular apresentem defesa. Caso as falhas
sejam confirmadas, sugere o corte da pensão. "Pensão não é herança e ela
deve estrita atenção ao princípio da legalidade ao da moralidade. Não é
mecanismo de enriquecimento", diz o ministro.
A decisão será conforme o entendimento da maioria do plenário da TCU. - DO J.TOMAZ
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