Além de ficar apenas três anos numa gaiola de ouro, delator conseguiu a impunidade para os filhos; é um escândalo dentro do escândalo
Com
que autoridade o senhor Sérgio Machado sai acusando Deus e o mundo,
incidindo, logo à partida, como deveriam testemunhar os jornalistas que
cobriam o Congresso em 1998, em mentiras grotescas? Ora, com a
autoridade de um bandido, que, confessamente, assaltou os cofres
públicos, de maneira continuada, durante 12 anos. Fez da Transpetro, que
é patrimônio coletivo, fonte de enriquecimento pessoal e de traficância
política. Tanto é assim que, sem ficar pobre, cercado de todo o
conforto, vai devolver aos cofres públicos R$ 75 milhões.
Só um
esclarecimento para quem não lembra: apelei aos jornalistas que cobriam o
Congresso em 1998 porque este senhor afirma, em sua delação, que,
naquele ano, o PSDB montou um esquema com dinheiro ilegal para eleger ao
menos 50 deputados, que deveriam depois fazer Aécio Neves presidente da
Câmara — o que só aconteceu em 2001. Qualquer um que acompanhava os
bastidores da política naquele tempo sabe que isso é uma grossa
besteira.
Até agora,
ninguém, a não ser este escriba, ousou dizer isso porque fica parecendo
que está sabotando a Lava-Jato. Como já superei a fase de me importar
com o que dizem a meu respeito e tenho o luxo de só dever satisfações à
minha consciência, então digo. A santidade a que alguns procuradores
aspiram parece contaminar também os delatores.
Todo apoio
à Lava-Jato! Que ninguém toque na Lava-Jato! Que a operação siga
fazendo o seu trabalho! Ao menor sinal de REAL INTERFERÊNCIA, NÃO DE
TRAMOIA INDUSTRIADA, que se bote a boca no trombone. Mas que ela siga a
lei e não se desborde, ela também, da moralidade. Afinal de contas, não
parece ser um bom caminho um sistema que, para punir bandidos, acaba
criando uma casta de bandidos.
O acordo
feito pelo Ministério Público Federal com Sérgio Machado é inaceitável.
Simplesmente assim. Este senhor, um dos mais agressivos bandidos
desnudados pela Lava-Jato, não conheceu o cárcere nem um dia sequer.
Outros, que manipularam somas muito menores, amargaram meses de
xilindró. Ele não! Tudo indica que falou o que queriam que falasse; que
contou o que queriam que contasse; que acusou os que queriam que
acusasse. E lhe restou, ao fim e ao cabo, uma pena de três anos numa
gaiola de ouro.
Vai ficar
encerrado numa mansão com piscina e quadra poliesportiva numa parte do
litoral cearense chamada, ironicamente, de Praia do Futuro. Em muitos
aspectos, ninguém é mais passado do que ele. Seu pai, Expedito Machado
da Ponte, que foi deputado e ministro de João Goulart, esteve na leva de
políticos cassados em 1964 porque acusados de corrupção, não em razão
de alinhamento ideológico. Mas volto ao ponto.
O
espantoso é que, além de Machado ter conseguido garantir para si uma
vida de nababo, dois de seus três filhos comprovadamente envolvidos em
falcatruas, não serão nem sequer processados. Nada! O Ministério
Público, sabe-se lá com que autoridade, lhes concedeu uma anistia
prévia. Convenham: Machado não é exatamente um homem de bem, certo? Não é
um monumento à moralidade nacional. O que mais poderia querer depois de
ter sido flagrado? Três aninhos encarrado em uma mansão, com direito a
conviver com 27 pessoas (incluindo um padre), e a garantia de ficha
limpa para seus filhotes.
Não é o
único a viver no “dolce far niente”. Paulo Roberto Costa e Pedro
Barusco — aquele que decidiu devolver US$ 97 milhões — experimentam
situação parecida. Outro dia alguém viu Barusco num condomínio de luxo,
com um copo de uísque na mão e um charuto. Mais um pouco, ele vestia uma
casaca, punha uma cartola na cabeça e virava uma caricatura.
AGU
Caberia à Advocacia Geral da União recorrer contra esses claros abusos que estão sendo praticados pelo Ministério Público. Isso já não é delação premiada. Isso é demonstrar, na prática, que o crime compensa. Mas sei que a AGU não vai fazer nada porque logo apareceria um procurador para acusá-la de estar tentando impedir a delação premiada.
Caberia à Advocacia Geral da União recorrer contra esses claros abusos que estão sendo praticados pelo Ministério Público. Isso já não é delação premiada. Isso é demonstrar, na prática, que o crime compensa. Mas sei que a AGU não vai fazer nada porque logo apareceria um procurador para acusá-la de estar tentando impedir a delação premiada.
Espero que
pessoas e entidades entrem com uma Ação Popular contra acordos dessa
natureza — em especial, reitero, àquele feito por Sérgio Machado. Cabe
também ao ministro Teori Zavascki, relator do petrolão e homem que
homologa as delações, refletir a respeito. Esses acordos não podem
chafurdar na mais escandalosa imoralidade em nome da moralidade.
Ah,
tivesse Machado se apresentado espontaneamente, sem que fosse ao menos
um investigado, num ato de contrição e arrependimento, e eu estaria aqui
a defender pra ele cadeia nenhuma. Mas não foi isso, não! Ele só se
lembrou de ficar com vontade de ser um homem decente quando a Lava-Jato
realizou em sua casa um mandado de busca e apreensão.
Aí passou a
ser, então, uma espécie de colaborador da operação. A mais recente
gravação que fez, que veio a público, evidencia com clareza solar que
ele tenta colocar palavras na boca de seus interlocutores. Afinal de
contas, quem traiu seu país não seria fiel a seus parceiros de
trajetória: ele sabia o que estava fazendo: cavando a impunidade para si
e para dois de seus três filhos, comprovadamente metidos em falcatruas.
É preciso rever a pena de Machado se não se quer fazer da Lava-Jato, também, um mecanismo que, de fato, premia bandidos.
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