quinta-feira, 21 de abril de 2016

A delação que compromete Dilma


Em depoimento, a dona da Pepper, Danielle Fonteles, afirma que recebeu recursos "por fora" num total de R$ 58 milhões, para abastecer as campanhas de 2010 e 2014. Quem a orientou no esquema foi o braço direito da presidente, Giles Azevedo
Sérgio Pardellas, de Curitiba
IstoÉ
Assessor especial de Dilma Rousseff, o discreto Giles Azevedo é considerado no Palácio do Planalto os olhos e os ouvidos da presidente da República. O único na Esplanada com autorização para falar em nome de Dilma e a quem ela confia as mais delicadas tarefas. Por isso, quem recebe instruções do fiel auxiliar da presidente não entende de outra maneira: ele fala na condição de enviado da principal mandatária do País. Foi com essa credencial que Giles se aproximou da publicitária Danielle Fonteles, dona da agência Pepper Interativa. Em uma série de encontros, muitos deles mantidos na própria residência da publicitária no Lago Sul, em Brasília, Giles orientou Danielle a montar a engenharia financeira responsável por abastecer as campanhas de Dilma de 2010 e 2014 com recursos ilegais. A maior parte do dinheiro oriunda de empreiteiras do Petrolão e de agências de comunicação e publicidade que prestam serviço para o governo federal. As revelações foram feitas pela própria dona da Pepper em seu acordo de delação premiada, a cujo conteúdo ISTOÉ teve acesso. Ainda não homologado, o depoimento tem potencial explosivo, pois sepulta o principal argumento usado até agora por Dilma para se apresentar como vítima de um “golpe” destinado a apeá-la do poder: o de que não haveria envolvimento pessoal seu em malfeitos. Agora, fica complicado manter esse discurso em pé. No governo, e fora dele, há um consenso insofismável: Giles é Dilma. Nas conversas com Danielle, segundo a delação, Giles tratava sobre as principais fontes de financiamento que irrigariam as campanhas de Dilma por intermédio da Pepper. Sem registro oficial. Segundo ela, as orientações partiam do discreto assessor da presidente.
No depoimento aos investigadores, a publicitária confessou ter recebido recursos “por fora”, por meio de contratos fictícios, da Andrade Gutierrez, da Queiroz Galvão, da OAS, da Odebrecht – empreiteiras implicadas no Petrolão –, da Propeg e de uma grande empresa de assessoria de comunicação dona de contas no governo, tudo conforme combinado com Giles. A Propeg, agência de publicidade baiana que, de acordo com Danielle, teria sido responsável por vultosos repasses, figura entre as oito que mais receberam verbas do governo Dilma nos últimos anos. Atualmente, ela possui a conta da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Saúde. Na quebra de sigilo da Pepper, a pedido da CPI do BNDES, foram identificados quatro depósitos da Propeg totalizando R$ 223 mil entre 2011 e 2012. Da Andrade Gutierrez, a dona da Pepper admitiu ter recebido de maneira ilegal R$ 6,1 milhões, ratificando depoimento de Otávio Azevedo, ex-presidente da empreiteira. Com o montante, a empresa pagou funcionários do comitê de Dilma na campanha de 2010, entre outras despesas. Em outro trecho da delação, Danielle afirma que abriu uma conta na Suíça em 2012, sob o conhecimento de Giles, para receber da Queiroz Galvão na chamada “Operação Angola”. Por ela, a Pepper recebeu US$ 237 mil. A conta para movimentar os recursos, identificada com a sequência CH3008679000005163446, foi aberta por Danielle no banco Morgan Stanley.
Com tantos recursos para internalizar e uma teia de interesses em jogo, a Pepper acabou se transformando numa espécie de lavanderia de dinheiro do PT. Só entre 2013 e 2015, a Pepper movimentou em conta própria R$ 58,3 milhões. Com parte destes recursos, a empresa bancou despesas das campanhas de Dilma à reeleição, principalmente o pagamento a blogs favoráveis ao PT contratados para atuar na guerrilha virtual travada nas redes sociais. O dinheiro, segundo orientação de Giles Azevedo, veio da OAS e da Odebrecht por meio de contratos fictícios ou superestimados. Essa informação consta da delação de Danielle. Coube a Pepper, por exemplo, o pagamento de um pixuleco de R$ 20 mil mensais para o criador do perfil de humor chapa branca “Dilma Bolada”, Jefferson Monteiro. A personagem faz troça de adversários com a mesma veemência com que exalta iniciativas e discursos da presidente, até mesmo os mais frugais. Outros ativistas digitais pró-PT têm motivos para estarem bolados com a delação da publicitária. Uma lista contendo o nome de dezenas de jornalistas destinatários da verba repassada pela Pepper foi entregue por Danielle aos investigadores. Os nomes permanecem guardados a sete chaves e podem ensejar outra investigação. Oficialmente, a Pepper foi responsável pela estratégia de internet da campanha da presidente Dilma em 2010. Na reeleição, em 2014, ficou encarregada de produzir as páginas da candidata do PT no Facebook e Twitter. Pelo trabalho, recebeu R$ 530 mil por mês.
Em outro capítulo da delação, ao discorrer sobre a campanha vitoriosa de Renan Filho (PMDB-AL) ao governo de Alagoas, a cargo da Pepper, a publicitária voltou a implicar o governo federal – deixando claro o elo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com Dilma. Disse que sua empresa, por meio do marido e sócio Amauri dos Santos Teixeira, só aceitou participar da campanha de Renanzinho depois de um pedido expresso do Planalto.
Trechos da delação premiada de Danielle Fonteles já foram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal (STF). A publicitária decidiu subscrever o acordo depois de tomar conhecimento das acusações dos executivos Otávio Azevedo e Flávio Barra, da Andrade Gutierrez, sobre parte das movimentações financeiras das campanhas da presidente, confirmadas por ela nos depoimentos aos investigadores. A delação foi dividida pela Procuradoria-Geral da República em duas partes. Os depoimentos que fazem menção a presidente Dilma foram encaminhados ao STF e estão sob análise do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no tribunal. Há ainda citações ao governador Fernando Pimentel (PT-MG) em exame pelo Superior Tribunal de Justiça, responsável pelas investigações da Operação Acrônimo.
A Pepper possui ligações pretéritas com o PT. Em 2003, se aproximou do partido por intermédio do publicitário Duda Mendonça. Sua estreia no governo foi no programa Fome Zero, embrião do Bolsa Família. Em 2010, a Pepper passou a ser investigada pela Polícia Federal após ser acusada de patrocinar um bunker em Brasília destinado a bisbilhotar e produzir dossiês contra adversários dos petistas. O QG foi idealizado por Fernando Pimentel, governador de Minas, então coordenador da campanha de Dilma.
Em junho do ano passado, a PF chegou a fazer buscas na sede da Pepper, situada num shopping da capital federal. Segundo a PF, há indicações de que a empresa foi usada para intermediar dinheiro do BNDES a Pimentel. Em março, o governador de Minas foi indiciado no âmbito da Operação Acrônimo por corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Durante o primeiro mandato de Dilma, Pimentel, na condição de ministro do Desenvolvimento, exercia forte influência sobre o banco de fomento. Sua mulher, Carolina Oliveira, é considerada uma espécie de sócia oculta da Pepper. De acordo com a PF, entre 2013 e 2014, a Pepper recebeu R$ 520 mil do BNDES por serviços de publicidade e repassou R$ 236 mil a Carolina. Foi a partir daí que os agentes encontraram indícios de que Carolina era mais do que apenas uma colaboradora da agência.
A má notícia para Giles Azevedo e, consequentemente, para Dilma, é que os investigadores reconhecem a consistência dos depoimentos de Danielle Fonteles. Foi com base neles que, na sexta-feira 15, o empresário Benedito Oliveira, o Bené, amigo de Pimentel, foi preso preventivamente, também na Operação Acrônimo. Em 2010, Bené foi o responsável por custear as despesas de uma mansão em Brasília alugada para abrigar funcionários da campanha da presidente, sob a coordenação de Pimentel. Para a PF, o governador de Minas recebeu “vantagens indevidas” de Bené, como o pagamento de despesas pessoais dele e de sua mulher, Carolina Oliveira. Na delação, a dona da Pepper confirmou que Benedito Oliveira atuava como um dos financiadores da primeira campanha presidencial de Dilma. As empresas de Bené, como a Gráfica e Editora Brasil, receberam meio bilhão de reais do governo do PT. Muitos desses pagamentos para serviços gráficos e organização de eventos, sem comprovação de prestação de serviços. Como aqueles combinados entre Giles Azevedo, o homem de Dilma no esquema, e Danielle Fonteles. 20.Abr.16

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