domingo, 21 de fevereiro de 2016
“No
Brasil, a burrice tem passado glorioso e futuro promissor.”
Roberto Campos
“Malandro
é o canguru, que já nasce com bolsa-família.” Ditado
popular
Waldo Luís Viana*
Nosso extraordinário governo
conseguiu um feito fabuloso: desmoralizou o antigo e tão conhecido pernilongo,
aquele mísero inseto que costumava
zumbir em nossos ouvidos de madrugada e tentávamos matar às chineladas na
parede, pelas manhãs.
Ao mesmo tempo – e de lambuja – fez-nos esquecer de velhas
doenças, como o impaludismo, a varíola e a febre amarela. Parece que não existe
mais também a barriga d’água (lembram-se!), a subnutrição crônica, a seca, a
criminosa falta de saneamento com esgotos à mostra nas cidades e zonas rurais,
a seca e a injustificável indústria da seca que a tantos políticos favoreceu no
Nordeste ao longo dos tempos.
Somos instados ainda a adiar protestos e reivindicações a
respeito de nossos hospitais e postos de saúde completamente sucateados, onde
faltam medicamentos básicos, equipamentos tecnológicos comprados a preços
superfaturados (“comme il fault!”) que não funcionam ou estão encaixotados e
percebemos a ausência de esparadrapos e gazes – num quadro dantesco em que os
pacientes se espalham pelos corredores das enfermarias superlotadas por
ausência de leitos...
Nesse quadro atual, longe vai a epopeia de Oswaldo Cruz e suas
iniciativas de salvar com vacinas a população do Rio de Janeiro, substituída
pela sanha de onipotência, típica do brasileiro, em realizar uma Olimpíada
memorável, cercada pelo cocô que boia lépido e fagueiro na baía da Guanabara.
Nações e atletas estrangeiros mostram-se muito preocupados com
tal estado de saneamento e o alastramento do “vírus zika”, transmitido agora
por nosso velho e grande amigo o mosquito “aedes egipty”, antes apenas
transmissor das diversas variedades de dengue, moléstia popular que antes
jamais incomodou realmente as “zelites”.
Alguns competidores inclusive ameaçam nem mais querer competir em nosso paraíso tropical, assolado
pela ausência de medidas concretas contra esses desagradáveis contextos, apesar
de tantos recursos financeiros aplicados e perdidos.
Coitado do mosquito, transformado subitamente em flagelo, selo
ou cavalo do Apocalipse!
Parece ser manobra bastante oportuna – e incentivada
abusivamente pela mídia – de escamotear outros problemas que temos, relativos
ao cenário político: os acontecimentos em torno da operação Lava-Jato, que
processou e prendeu alguns responsáveis por escândalos de corrupção e os
relacionados com as investigações em torno dos maiorais até então intocáveis
dirigentes da República. Há também o processo de impeachment contra a
“presidenta”, a investigação no TSE dos gastos aparentemente ilegais da chapa
vencedora nas eleições de 2014 e que podem resultar em cassação, bem como, last
but not the least, a investigação sobre o enriquecimento de um ex-presidente e
sua família, o que no imaginário político poderá até resultar em prisões.
Realmente, estão tentando revirar ou esconder tais fatos
graves e progressivos nas pobres costas do mosquito!
E a terminologia retorcida, incapaz de ser compreendida pelo
povo atônito, engloba novos vocábulos que estão se transformando em moda: vírus
zika, microcefalia, chicungunha, síndrome guillan-barré, vacinas francesas e
pesquisas heroicas do instituto Butantã e da fundação Fiocruz – nova gramática
de informações capaz de entortar o entendimento de qualquer brasileiro que não
seja microbiologista.
Aliás, é o momento de se perguntar: onde estão os médicos
cubanos que habitam o território nacional e representam a pretensa melhor
medicina pública do mundo – segundo os heresiarcas esquerdistas? Estão
caladinhos como costuma acontecer nesses instantes nebulosos. Nem foram
convocados a trabalhar contra o mosquito e suas peripécias, como poderíamos
supor...
Outra manobra muito simples de escamoteamento – que qualquer
espectador da Rede Globo seria capaz de entender – é essa transformação súbita
dos integrantes das Forças Armadas em agentes de saúde, com o objetivo, ora
“estratégico”, de extermínio do mosquito. Ao invés de armas, nossos recrutas
são chamados a uma tarefa pacífica, que passa a ser aceita como “adequada e
republicana” pelo governo de esquerda. Afinal, neutralizar qualquer intenção
beligerante ou intervencionista das Forças Armadas diante da crise e recessão
brutal em que vivemos veio bem a calhar. É muito melhor que os militares
briguem com os mosquitos do que atuem ou opinem no complexo palco da política.
Militar tem mesmo é que ficar mudo, bater continência e matar mosquito. E
pronto! Abastardados na nova e humilhante função, o governo sentir-se-á
confortável e salvo...
Ao lado disso, a mídia, além de espalhar o medo, surge com
uma ex-amante de outro ex-presidente,
desta vez de oposição, revelando fatos que deixou adormecidos há cerca de 15
anos. Que surpresa! Logo agora? E por que tanta sinceridade repentina?
Estabelecem-se novas controvérsias, se o filho dela é mesmo do ex-presidente,
se ele usou grana ilegal do exterior para sustentá-la e outros bla-bla-blás
envolvendo uma rede de televisão.
Como esse ex-presidente não está sendo processado por
corrupção, tais “fatos requentados” são bastante oportunos para diminuir a
fervura em relação às delações premiadas dos bandidos que participaram de
escândalos, falcatruas e propinas que hoje abalam, sem nenhuma dúvida, os
alicerces do atual governo e dos partidos que o sustentam. No mínimo, todo esse
noticiário para fabricar um escândalo sexual financiado por paraíso fiscal é
muito útil para desviar a atenção do público e acalmar a sanha da Receita
Federal em cobrar impostos atrasados de certas empresas de comunicação. Afinal,
amor com amor se paga...
Mas voltemos ao pobre mosquito! Sou do tempo em que “zika” era
apenas uma referência à dona Zica, mulher veneranda de nosso grande compositor
Cartola, fundador da Escola de Samba da Mangueira. Cheguei até a frequentar o
Zicartola, em que o samba rolava sem mosquito. Velhas lembranças de tempos que
não voltam mais...
De lá para cá, porém, parece que as coisas mudaram. As
propinas subiram de preço, passando dos mil, milhões para bilhões. E os
bilhões, recebidos aqui ou lá fora, serviram a um projeto obscuro de manutenção
do poder por um partido, à compra de parlamentares e autoridades, além da
destruição progressiva das estatais, cujo valor declinou no país e no exterior.
Hoje, temos empresas falindo, lojas fechando as portas,
desemprego geral, decréscimo de salários e rebaixamento do grau de investimento
de nossa economia pelas agências especializadas mantidas no mundo desenvolvido.
Na prática, isso resulta que o país passou a ser objeto de desconfiança dos investidores e do
escárnio por parte de governos, políticos e mídia estrangeiros. Todos zombam do
Brasil como Nação, caracterizada como vítima de corrupção e impunidade
crônicas. Ou seja, perdemos credibilidade e dinheiro, o que naturalmente será
cobrado do público interno através de novos e escorchantes impostos.
Nesse sentido, o governo deve muito ao “aedes egipty”, que nem
parece “egípcio”, mas verdadeiro malandro brasileiro. E ele foi tão legal com o
poder central que nem cobra bolsa-família. É pequeno, mas capaz de encobrir
qualquer perseguição a criminosos e quadrilhas.
Na verdade, o único prejudicado e desmoralizado mesmo foi o
pobre pernilongo. Mesmo assim, como os rios geralmente correm para o mar, creio
que 2016 reserva profundas transformações políticas para o Brasil. Como já
disse um nobre e saudoso compositor, não dá mais pra segurar e quem viver,
verá! No entanto, peço – e com fervor – não nos esqueçamos nem desmoralizemos
ainda mais o pobre pernilongo!___
*Waldo Luís Viana é escritor,
economista e poeta.
Teresópolis, 21 de fevereiro de
2016.DO LILICARABINA
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