domingo, 22 de novembro de 2015
'Há risco de
desastres ainda maiores', diz senador que investigará tragédia de Mariana
Ricardo Ferraço (PMDB-ES) critica
sucateamento do órgão responsável por monitorar as barragens de resíduos de
mineração no país: 'Desorganização do governo chegou a nível de colapso'
Por: Laryssa Borges, de Brasília
22/11/2015
Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES): 'Não é falta
de lei. É falta de governo, é falta de Estado'(Waldemir Barreto/Ag. Senado)
A gente olha para aquelas barragens e
parecem barragens que crianças fazem nas praias.
São barragens feitas do próprio rejeito
Pouco depois das 16 horas do dia 5 de novembro, o distrito
histórico de Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana, foi varrido do mapa
por uma enxurrada de 62 bilhões de litros de lama resultantes do rompimento de
uma barragem da mineradora Samarco. Outros sete distritos de Mariana foram
afetados. Doze pessoas morreram e moradores da região continuam desaparecidos.
A fauna do rio Doce foi praticamente aniquilada e não há estimativa segura
sobre a possibilidade de revitalização da bacia hidrográfica da região. Em
Brasília, a quase 700 quilômetros de distância da tragédia, a presidente Dilma
Rousseff nada fez de concreto - sobrevoou a região do acidente apenas uma
semana depois do rompimento das barragens. No Congresso, a esfacelada base
aliada trava uma briga de foice para, nas eternas discussões sobre um futuro
marco regulatório da mineração, amealhar um naco dos bilionários royalties do
setor: nenhum interesse real em ampliar a fiscalização das mineradoras,
generosas doadoras nas últimas campanhas eleitorais. Duas semanas depois do
pior desastre ambiental de que se tem notícia no país, o Serviço Geológico do
Brasil mapeia com preocupação os estragos do mar de lama. Na Câmara dos
Deputados, há mobilizações tímidas em torno de uma CPI e uma comissão externa
foi criada. No Senado, também um conjunto de parlamentares se propõe a mapear
os estragos e responsabilidades do desastre. Para o relator desse grupo,
Ricardo Ferraço (PMDB-ES), a tragédia era "anunciada", já que governo
e mineradoras se eximem ano após ano de fazer políticas estruturadas para o
setor.
A tragédia foi negligência do governo federal? Ainda que não tivéssemos nenhuma
informação precisa a respeito do nível de fragilidade das barragens de rejeito
no Estado de Minas Gerais, essa é uma tragédia anunciada porque existem leis,
um marco legal. A Lei 12.234, de setembro de 2010, estabelece todos os deveres,
responsabilidades e diretrizes de barragens e detalha a responsabilidade
evidente da companhia e do órgão público. Para mim nessa tragédia está
caracterizada como uma omissão mútua. É claro que houve falha e omissão por
parte da empresa e também por parte do órgão fiscalizador.
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) está sucateado há
anos. O
Departamento Nacional de Produção Mineral é um órgão falido, abandonado e não
tem recebido por parte do governo qualquer atenção para que ele possa cumprir
suas tarefas. Ao DNPM foi dada uma missão e não foram dados os meios para que
ele pudesse cumprir a sua missão. Não é falta de lei. É falta de governo, é
falta de Estado.
O DNPM não tem sequer gasolina para fiscais vistoriarem as
barragens. O
órgão sofreu ao longo do tempo uma brutal desidratação. O DNPM foi abandonado e
hoje pode ser classificado como 'a pão e mexerica', como se diz popularmente.
Isso é surpreendente porque a presidente da República, se não conhece, deveria
conhecer a realidade desses fatos, já que foi ministra de Minas e Energia e
chefe da Casa Civil. Deveríamos ter um DNPM equipado, mas o desmonte do Estado
brasileiro coordenado pelos governos do PT desmontou tantos outros órgãos como
esse. É bom que se diga que esses órgãos têm sido dirigidos por indicações
políticas, são acordos partidários e políticos que dominam as principais
diretorias dele. O DNPM não é um órgão que tem sido respeitado dada a sua
importância. Só investiram 1,3 milhão de reais em fiscalização este ano.
O diretor de fiscalização da atividade minerária do DNPM, Walter
Lins Arcoverde, chegou a dizer que o órgão não dá atestado de estabilidade. O DNPM classificava essa barragem da
Samarco como barragem de baixo custo porque é gerenciada por uma empresa de
classe global, as duas maiores mineradoras do mundo - a australiana BHP e a
brasileira Vale. É evidente que houve uma falha inaceitável. Qualquer coisa que
essas companhias façam para mitigar os efeitos e as consequências disso será
muito pouco perto do prejuízo que estamos enfrentando em razão da deterioração
do Rio Doce, que é uma das mais importantes bacias do Brasil. É impressionante
como uma presidente da República que, além de ministra de Minas e Energia, teve
seu fiel escudeiro Giles Azevedo como secretário nacional de Produção Mineral,
não saiba o nível de deterioração e de ausência de capacidade do DNPM de
cumprir a tarefa de fiscalizar. A prova desse sucateamento do DNPM é o próprio
orçamento dele. A desorganização do Estado brasileiro está chegando a um nível
de colapso.
O que o senhor achou dos valores preliminares das multas
impostas à Samarco? Ficou
comprovado o desleixo em relação a uma estratégia de contingência. Em caso de
um acidente deste acontecer, quais são os melhores recursos para que vidas
humanas fossem poupadas? Há menos de um ano houve um acidente dessa natureza no
Canadá - até então o maior acidente do mundo - mas o volume de material sólido
e a água e rejeitos em Minas é duas vezes e meia o acidente no Canadá.
Historicamente temos o problema também de que grande parte dessas multas não
são efetivadas. O governo federal dispõe de 30 bilhões de reais em multas por
crimes ambientais, das quais para apenas para 5 bilhões de reais não há mais
recursos. Ou seja, o governo sequer consegue cobrar as multas que pratica.
A presidente Dilma tem recebido críticas porque, ao liberar o
saque do FGTS para vítimas em Mariana, classificou o episódio como
"desastre natural" para fins de resgaste do benefício. É precipitado a presidente da
República baixar um decreto considerando isso um acidente natural. Se é
natural, não é culpa de ninguém? Com base em que esse decreto da presidente da
República foi estruturado? Não é possível neste momento isentar quem quer que
seja da apuração e da atribuição de responsabilidades. O leite está derramado.
A lama está derramada.
Sempre que o Congresso começa a discutir o marco regulatório da
mineração, o foco é a partilha de royalties, e não políticas de mitigação de
danos ou de proteção ambiental. O Código de Mineração está
tramitando há pelo menos cinco anos. Ele está derrapando, andando de lado lá na
Câmara e não tem considerado questões estratégicas do setor de mineração. Ele
tem olhado para a questão do quinhão, do quanto que é meu e do quanto que é
seu. Essa discussão não está sendo séria. Esse puxa e estica é o que dominou a
cena desse código, que adormece na Câmara dos Deputados à luz da necessidade de
ser revistado. Mas sejamos sinceros, não é um problema de lei porque o problema
das barragens não é um problema específico do Código.
A lei é suficiente? É um problema de lei? Acho que não.
O que não faltam no Brasil são leis. O problema é a efetividade dessas leis. O
fato objetivo é que a mineração no Brasil é olhada como uma coisa meio que
marginal, acessória, ainda que seja uma atividade que gerou no ano passado 80
bilhões de dólares e ainda que haja responsabilidades, porque essas empresas
pagam o royalty de mineração, o Cfem (Compensação Financeira pela Exploração
dos Recursos Minerais), e parte desse Cfem deveria ir para o órgão exatamente
para estruturar essas políticas.
O Cfem não está sendo pago. De 2009 a 2011, as empresas deveriam
ter recolhido ao DNPM 160 milhões de reais de Cfem. Desembolsaram apenas 23%
disso. Não repassam por desorganização, por sonegação, porque ninguém gosta de
pagar imposto, porque o órgão não fiscaliza. A coisa é tão grave que o DNPM,
por ausência de meios, fazia fiscalização por amostragem. Eles iam nas
barragens de empresas menores, mais vulneráveis, porque imaginavam que em
empresas de classe global, como a Samarco, estariam cuidando adequadamente.
Os presidentes da Vale e da BHP devem ser chamados à
responsabilidade? Acho
que sim. A Samarco tem dono, a Vale e a BHP. Além dos donos, tem um corpo
executivo que precisa responder por essas coisas. Não queremos nos precipitar
porque o presidente da Vale não tem responsabilidade no dia a dia da empresa.
Mas simbolicamente evidentemente ele tem que ser chamado à responsabilidade.
Que tipo de trabalho a comissão externa do Senado fará em
relação à tragédia de Mariana? A gente olha para aquelas barragens
e parecem barragens que crianças fazem nas praias. São barragens feitas do próprio
rejeito. A comissão vai diagnosticar o cenário das barragens, verificar por que
os acidentes aconteceram e se propõe a fazer estudos para apontar caminhos para
que esse tipo de tragédia não aconteça. Isso que aconteceu nessas barragens
pode ser a ponta do iceberg porque, se essas barragens estavam com esse nível
de fragilidade, e temos 660 barragens cadastradas no DNPM, qual é a real
situação dessas barragens de rejeitos Brasil afora? Qual a garantia de que não
vai acontecer de novo? Nada é tão ruim que não possa piorar. O que aconteceu é
ruim, mas o que pode acontecer é muito pior. A tragédia que aconteceu tem uma
dimensão inaceitável, mas precisamos ter a dimensão que pode acontecer mais
tragédias. Não há hipótese de não esclarecermos todos esses fatos. Precisamos
de respostas para o que aconteceu. É preciso que a gente avalie o grau de
compensação que a companhia está atribuindo às cidades, às pessoas, às vidas
humanas que foram ceifadas. Queremos avaliar tudo o que aconteceu, a capacidade
da empresa, a atuação dela e a extensão do dano ambiental.
Não foi infeliz a Samarco dizer que não é o caso de pedir
desculpas pela tragédia? Acho
que a empresa está errando desde o começo em sua estratégia de relacionamento
com a comunidade. Com as pessoas e lideranças da região há uma reclamação só: é
como se a empresa achasse que está fazendo o máximo e não tivesse a compreensão
para entender que o máximo que ela fizer é o mínimo para poder justificar isso
que é injustificável. Acidentes acontecem, mas acidentes desse tipo não podem
acontecer. Não tem porque acontecer.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ha-risco-de-desastres-ainda-maiores-diz-senador-que-investigara-tragedia-de-mariana DO LILICARABINA
Nenhum comentário:
Postar um comentário