O futuro
prometido por Lula já chegou: a quebra da Petrobras, mergulhada na
corrupção até o último poço. Alô, imprensa, que Lula fale sobre essa
sucessão de escândalos iniciada em seu governo. Chega de cumplicidade
com o falastrão:
Bem-vindos
ao futuro’’ — anunciava a faixa amarrada ao casco rubro-negro do
navio-plataforma da Petrobras. Flutuando a cem metros do cais,
impressionava pelo tamanho, equivalente a um comboio de 26 ônibus, pela
largura, similar à de um campo de futebol, e ainda pela altura, igual à
de um prédio de trinta e cinco andares.
Suando
dentro de um agasalho laranja, com capacete branco, Lula nem parecia se
importar com o sol em Angra dos Reis (RJ), naquela quinta-feira 7 de
outubro de 2010. Era um presidente à caça de votos para eleger sua
candidata à sucessão, Dilma Rousseff (PT). Apenas noventa e seis horas
antes, no primeiro turno eleitoral, ela conquistara 47,6 milhões de
votos, com 14,5 pontos à frente do adversário José Serra (PSDB).
Lula
queria a Petrobras e o pré-sal na propaganda da candidata do PT. José
Sérgio Gabrielli, presidente da estatal, atendeu: antecipou em dois
meses o "batismo" da plataforma P-57 e marcou a festa para a semana
entre os dois turnos eleitorais, quando a companhia completava 57 anos.
O navio
ganhou um nome, "Apolônio de Carvalho" — homenagem a um comunista
sergipano, fundador do PT, cuja biografia foi marcada pela voluntária
participação na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa contra o
fascismo.
Diante do
colosso mecânico, projetado para extrair óleo e gás de 22 poços
interligados a 1.300 metros no fundo do mar, Lula fez o elogio da
transparência nos negócios da estatal:
— Já teve
presidente que falava que a Petrobras era uma caixa preta, que ninguém
sabia o que acontecia lá dentro — criticou. — No nosso governo ela é uma
caixa branca, e transparente. Nem tão assim, mas é transparente. A
gente sabe o que acontece lá dentro. E a gente decide muitas das coisas
que ela vai fazer.
CAIXA PRETA
Cinquenta
meses depois, sobram evidências de que era mesmo uma caixa preta de
negócios com dinheiro público. Nela, a plataforma P-57 era simbólica:
sua construtora, a holandesa SBM, pagou US$ 36,3 milhões em propinas
para obter o contrato da Petrobras, de US$ 1,2 bilhão.
Foi o
maior valor que pagou no Brasil em casos de corrupção, admitiu a empresa
num acordo com a promotoria da Holanda e o Departamento de Justiça dos
Estados Unidos. Os inquéritos abrangiam despesas ilícitas da SBM no
Brasil, Angola e Guiné Equatorial, disfarçadas de comissões de vendas.
De cada dez dólares, sete foram direcionados ao Brasil.
"Esses
pagamentos constituem crimes graves de corrupção nos setores público e
privado", definiu o Ministério Público da Holanda ao anunciar um acordo
de leniência com a SBM nos mês passado. A empresa vai pagar US$ 240
milhões em multas, até dezembro de 2016.
A Receita
e o Ministério Público holandeses confirmaram pagamentos de propinas “a
partir de empresas" do agente de vendas da SBM no Rio "para
funcionários do governo brasileiro". As descobertas — ressalvaram
—"resultaram de meios de investigação inacessíveis à SBM". Do lado
brasileiro as investigações mal começaram.
A SBM
confessou ter distribuído US$ 102,2 milhões em subornos a dirigentes da
Petrobras, no período de 2005 e 2011. Em troca, obteve 13 contratos de
fornecimento de sistemas e serviços — os mais relevantes no conjunto de
US$ 26,7 bilhões em negócios realizados com a estatal durante os últimos
cinco anos da administração Lula e no primeiro ano do governo Dilma.
Dias atrás, um diretor da empresa holandesa apresentou um resumo do caso em Brasília, na Controladoria Geral da União (CGU).
Os
pagamentos ilegais oscilavam, em geral, entre 3% e 5%, mas houve casos
em que alcançaram 10% do valor total do contrato, como ocorreu, por
exemplo, no contrato do projeto e suprimento do sistema de ancoragem
(turret) da plataforma P-53 para a Bacia de Campos.
O agente
da SBM no Brasil era Julio Faerman. Carioca de 75 anos, ele entrou na
Petrobras por concurso, com diploma de engenheiro eletricista. Mais
tarde, com a efervescência na exploração da Bacia de Campos, trocou o
emprego na estatal pela representação de marcas estrangeiras de
equipamentos e serviços para o setor de óleo e gás — entre elas a SBM.
Com escritório perto da sede da estatal, no Centro do Rio, ele
desfrutava do trânsito livre e da intimidade de alguns dirigentes, que o
tratavam por Julinho.
Afável e
discreto, chamava a atenção de executivos estrangeiros pela longeva
capacidade de influenciar o comando da Petrobras na escolha de empresas
privadas para contratação direta, via carta-convite. Numa disputa entre
as empresas americanas, Sofec e Imodoco, e a SBM, o representante da
Sofec jogou a toalha e desabafou, depois de várias reuniões da comissão
de licitação:
— Disse estar impressionado com a parcialidade — contou uma testemunha, ressaltando: — Isso aconteceu 25 anos atrás.
Faerman
vislumbrou em 2004 uma chance para a SBM no Atlântico Sul, com a decisão
do governo Lula de avançar no pré-sal. Dona de uma história de mais de
três séculos na engenharia naval holandesa, ela se tornara uma das
poucas companhias com capacidade para projetos de plataformas marítimas
(do tipo FPSO, na sigla em inglês) que produzem, armazenam e transferem
petróleo e gás a navios cargueiros. Era o veículo adequado para um
trabalho inédito, a grande profundidade e a mais de 100 quilômetros de
distância da costa, sem muitos recursos logísticos para escoamento da
produção. Logo a Petrobras se tornou o principal cliente da SBM.
Seguiram-se
seis anos lucrativos para a companhia e seu agente no Rio, com uma
dezena de empreendimentos somando US$ 27,6 bilhões. Entre 2005 e 2011,
ela passou a dominar 34% do total de contratos da Petrobras em
plataformas. Há dois anos, quando a SBM se sentiu pressionada por um
ex-executivo que ameaçava revelar a corrupção, Faerman foi morar em
Londres.
São
múltiplas as evidências de que a diretoria da SBM na época conhecia os
motivos e o destino das propinas. As investigações mais recentes
conduzidas na Holanda mostram um fluxo constante de pagamentos ilegais, a
partir de 2005, por três empresas criadas por Faerman no paraíso fiscal
das Ilhas Virgens Britânicas (a Jandell Investiments Ltd., a Journey
Advisors Co. Ltd. e a Bien Faire Inc.). Numa quarta, a Hades Production
Inc., partilhava o controle com o sócio carioca Luis Eduardo Barbosa da
Silva.
Na
contabilidade oficial, a companhia holandesa remunerava duas empresas do
Rio onde Faerman era sócio, a Faercom e a Oildrive , esta dividida com
Barbosa da Silva.
Na vida
real, o dinheiro fluía do caixa de subsidiárias da SBM em Marly (Suíça),
Mônaco, Houston (EUA) e Schiedam (Holanda) diretamente para contas da
Jandell, Journey Advisors e Bien Faire em bancos no Brasil (HSBC) e na
Suíça (Jacob Safra e Pictet and Cie.). A partir daí, Faerman se
encarregava da distribuição.
Na
diretoria da SBM só não viu quem não quis. Auditorias internas
demonstram que bandeiras vermelhas poderiam ter sido erguidas na
companhia desde o primeiro pagamento, de US$ 8,1 milhões, feito em 2005
pela subsidiária de Mônaco.
PAGAMENTOS DISFARÇADOS
Entre
outras razões, porque os contratos para representação no Brasil eram com
a Faercom e a Oildrive, do Rio, mas quem recebia eram as empresas de
Faerman em paraísos fiscais, que nunca tiveram participação nos acordos
com a SBM.
A
remuneração ao agente no Rio variou entre 1% e 10% do valor dos
contratos da SBM com a Petrobras, bem acima da média do mercado mundial
de plataformas. Nesse setor, intermediários costumam receber 0,5%,
excepcionalmente até 1% da venda ou aluguel.
Alguns
pagamentos foram crescentes, como no caso do aluguel do navio Capixaba,
com capacidade para 100 mil barris diários, ancorado no Parque das
Baleias, na Bacia de Campos.
No outono
de 2005, a Petrobras alugou o equipamento da SBM ao custo de US$ 1,8
bilhão, por 16 anos. Nos primeiros 63 meses desse contrato a companhia
holandesa fez cinco “ajustes” na remuneração do agente no Rio, que
passou de 3,5% para 4% em setembro de 2010. Houve pagamentos
extraordinários, um deles de US$ 1 milhão, justificado na contabilidade
de Amsterdã por uma palavra: "Reestruturação".
O recorde em transferências de dinheiro da SBM para empresas de Faerman aconteceu na negociação para a venda da plataforma P-57.
Na manhã
de quarta-feira 7 de fevereiro de 2007, a empresa holandesa e seu agente
carioca fizeram um acordo com previsão explícita de “uma taxa de 3%" a
ser aplicada “a todos os pagamentos feitos pela Petrobras e recebidos
pela SBM”, após o desconto de tributos e taxas. Isso ocorreu um ano
antes da holandesa assinar o contrato de venda à Petrobras do projeto de
engenharia, aquisição e construção da plataforma.
Na tarde
de quinta-feira 31 de janeiro de 2008, a diretoria-executiva da estatal
brasileira referendou a compra da P-57. Na manhã seguinte, Faerman
acompanhou a assinatura do contrato de US$ 1,2 bilhão.
Depois,
partiu para um fim de semana tranquilo. Garantira US$ 36,3 milhões na
sua parceria com “funcionários do governo brasileiro", como constataram o
Ministério Público e a Receita da Holanda.
Negócio
obscuro, na avaliação do Tribunal de Contas da União, que trinta e dois
meses mais tarde o presidente Lula exaltaria em praça pública como
exemplo da transparência na Petrobras. (Mais informações no jornal O Globo).
DO ORLANDOTAMBOSI
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