Folha de S.Paulo
Temos
uma questão de ordem para o Supremo. Há quase treze anos o Poder
Judiciário brasileiro discute a morte do prefeito Celso Daniel. A
questão foi tratada exaustivamente em duas frentes distintas.
A polícia, que se debruçou sobre o caso logo após o desaparecimento do
prefeito no agora distante 18 de janeiro de 2002 concluiu ter sido crime
comum, praticado por uma quadrilha de sequestradores. A única voz
destoante foi a do delegado Romeu Tuma Júnior.
Com o apoio de Tuma Júnior, o Ministério Público foi a campo. Saiu da
rotina do gabinete, colheu evidências em vários locais diferentes, ouviu
pessoas que tiveram participação nos fatos, ouviu a própria polícia e
os peritos e, dois anos mais tarde, acabou concluindo que se tratava de
crime de mando.
Segundo a denúncia, homicídio qualificado, ordenado por uma das pessoas
mais ligadas a Celso Daniel, justamente Sérgio Gomes da Silva, o amigo
que estava com ele no dia do arrebatamento na região conhecida como
"Três Tombos", em São Paulo.
Embora sejam frequentes, até mesmo por desinformação, as referências à
conclusão oficial da polícia, apontando para sequestro, é preciso
relembrar que a versão que existe para ser julgada é a apurada pelo
Ministério Público, para quem o prefeito foi vítima de pessoas
diretamente ligadas a ele, em um crime premeditado, completamente
diferente dos crimes decorrentes da violência urbana ordinária.
E com as luzes do processo sobre o homicídio qualificado, quase todos os
envolvidos já foram submetidos a julgamento no Tribunal do Júri. E, da
mesma forma, quase todos foram condenados.
Quase todos, porque, embora os réus da favela Pantanal tenham sido
reconhecidos no Júri como os executores frios de um crime de mando,
justamente o acusado de ser o mandante, Sérgio Gomes da Silva, tem sido
poupado do julgamento, por conta de uma liminar concedida no Supremo
Tribunal Federal.
Daí a presente questão de ordem. Em duas ocasiões diferentes o Júri do
mandante foi marcado e teve que ser retirado da pauta para aguardar o
pronunciamento do Supremo.
A Corte tem em mãos o debate sobre uma questão processual (o habeas
corpus nº 115.714, de relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello)
sobre a participação de advogado de corréu no interrogatório de outro
corréu.
Enquanto tal questão não for solucionada, a liminar persiste, quebrando a
lógica do princípio constitucional da duração razoável do processo.
Corre, com ela e a favor do acusado, a perspectiva nada alentadora de
uma prescrição penal, indesejável porque não faria justiça ao prefeito
morto, não respeitaria o sofrimento de seus familiares e nem sustentaria
a dignidade de um sem número de outras vítimas atingidas em Santo
André. As pessoas simplesmente precisam de uma resposta da Justiça.
Não se pretende, por óbvio, a condenação do acusado sem processo. Absolutamente.
Porém, uma liminar sem data a favorecê-lo –abstraindo no tempo a
improvável designação de um plenário de julgamento– equivale à sua
absolvição sem processo, consequência igualmente despropositada.
Já que cabe justamente ao Judiciário e somente a ele a solução dos
conflitos penais, parece paradoxal que justamente esse poder seja o
responsável por retardar indefinidamente uma solução que precisa ser
dada ao caso.
E a solução há de vir, como quer a Constituição da República, pelas mãos de um Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.
O réu precisa ser julgado. Seja qual for a solução, ela deverá prevalecer sobre a ordem das outras questões secundárias.
É assim que a população brasileira merece. É assim que precisa acontecer.
MARA GABRILLI, 47, é deputada federal reeleita pelo PSDB-SP
JOSÉ REINALDO GUIMARÃES CARNEIRO, 53, é Promotor de Justiça em São Paulo
DO WELBI
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