Em
dezembro de 2003, entrou em vigor no país o decreto de criação do
Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, um colegiado
destinado a pensar medidas de aperfeiçoamento da administração pública e
estratégias de enfrentamento de irregularidades. A época era próspera
para o engenheiro Paulo Roberto Costa, que mantinha uma sólida carreira
na Petrobras e estava prestes a ocupar a poderosa diretoria de
Abastecimento da estatal – posto do qual ele operou o mais vultuoso
esquema de desvio de recursos públicos de que se tem notícia no Brasil.
Dez anos
depois, o Congresso Nacional aprovou a chamada Lei Anticorrupção,
endurecendo – enfim – o cerco a empresas que abastecem propinodutos e
abrindo espaço para que elas sejam penalizadas, inclusive, com a
dissolução obrigatória se tiver se beneficiado de malfeitos. A
manifestação tardia do Congresso sobre a importância de estancar
esquemas de corrupção ficou mais evidente nos últimos meses, período no
qual o país tem sido surpreendido diariamente com a ousadia de
empresários e lobistas que, com a bênção de políticos, articularam o
megaesquema de lavagem de dinheiro que movimentou pelo menos 10 bilhões
de reais. Não é exagero afirmar que a existência há mais tempo de uma
lei dura poderia ter inibido o assalto aos cofres da Petrobras com a
participação das maiores empreiteiras do país.
“A lei
trouxe um impacto inibidor da corrupção, uma vez que agora é possível
alcançar diretamente o agente corruptor, ou seja a empresa, e em seu
patrimônio”, diz o ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage.
Para ele, ao punir as companhias corruptoras pela via administrativa, o
poder público ainda se livra de ter de aguardar a morosidade do
Judiciário para reaver os valores desviados. “Com a lei não será
necessário aguardar o moroso processo judicial que existe hoje no país,
em que o excesso de recursos protelatórios faz com que um processo na
Justiça dure quinze ou vinte anos”, afirma.
“Não
tenho dúvida de que a Lei Anticorrupção estabeleceu um novo grau de
responsabilização das empresas e uma nova relação com o poder público.
Com a lei fica mais fácil responsabilizar as empresas porque passamos a
ter a responsabilidade objetiva, que é aquela sem a necessidade de se
provar a intenção ou de se comprovar o conhecimento do fato. Basta
termos a confirmação de que o fato ocorreu e que a empresa tinha
interesse ou se beneficiaria com aquele fato”, completa o advogado Luiz
Navarro, ex-secretário-executivo da CGU e um dos idealizadores da nova
legislação. “Quando se pensou a lei, a ideia era que a empresa sempre
fosse responsabilizada. Se a lei pudesse ser aplicada no caso da
operação Lava Jato, as empreiteiras não seriam poupadas”, afirma.
A Lei
Anticorrupção, em vigor desde 29 de janeiro deste ano, mas ainda à
espera de regulamentação pela presidente Dilma Rousseff, não pode ser
utilizada para punir os desmandos de empresários e empreiteiras
envolvidos no atoleiro de corrupção na Petrobras, mas parte de suas
inovações, como a possibilidade de acordos de leniência com corruptores,
deve ser colocada em prática pela CGU para mapear detalhes da trama
criminosa, exigir ressarcimento dos cofres públicos e fixar multas
milionárias às companhias malfeitoras. “No caso da Lava Jato, as
empresas podem chegar a um acordo, denunciar quem praticou os atos e
quem recebeu dinheiro da corrupção, restituir os cofres públicos, pagar
altas multas como pena e então não ser impedidas de participar de novas
licitações”, explica Navarro.
Responsável
por mediar as prováveis negociações, o ministro Jorge Hage já recebeu
pedido de uma das empresas citadas na Lava Jato para firmar um acordo de
leniência e da holandesa SBM Offshore, que admitiu ter pago propina a
funcionários da Petrobras. No governo, a estimativa é que as demais
empresas citadas na operação da Polícia Federal recorram ao mesmo
caminho para conseguir manter a condução de obras e evitar o risco de
serem declaradas inidôneas. Nos Estados Unidos, um dos países que serviu
de inspiração para a elaboração da lei anticorrupção, 95% dos casos de
irregularidades envolvendo empresas acabam em acordo, segundo
estatísticas apresentadas pelo governo brasileiro.
Apesar de
poder ser utilizada parcialmente contra as empresas citadas na Lava
Jato – na prática, como estímulo a acordos de leniência –, a aplicação
completa da lei, inspirada em modelos da Alemanha, Reino Unido, França,
Estados Unidos, Chile, Colômbia e México, esbarra há quase um ano na
paralisia do Palácio do Planalto, que não regulamentou trechos
importantes da nova legislação. Sem um decreto presidencial, a Lei
Anticorrupção permanece sem parâmetros para dosimetria de multas a
empresas corruptoras ou para atenuantes a companhias que tiverem aderido
a políticas de governança e integridade. Depois de ter prometido, no
início do ano, a regulamentação rápida da lei, o ministro Jorge Hage
voltou a dizer nesta semana esperar que a pendência seja resolvida
“brevemente”. Diante de umescândalo de outra galáxia,
como bem classificou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes, é difícil entender a resistência de Dilma. (Veja.com).
DO ALUIZIOAMORIM
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