sábado, 4 de outubro de 2014

Irmão de ex-ministro carregava malas de dinheiro para doleiro

Investigação descreve ‘eficiente’ sistema de ‘delivery do caixa 2’ no esquema criado por alvo principal da Lava Jato
Ricardo Brandt e Mateus Coutinho - Estadão
O doleiro Alberto Youssef, alvo principal da Operação Lava Jato, usava o irmão de um ex-ministro, um agente da Polícia Federal e um condenado da Justiça por crimes financeiros e citado no escândalo do Mensalão para fazer o transporte dos valores em espécie dentro de malas, maletas e no próprio corpo para agilizar e dissuadir a lavagem de dinheiro e manter um “eficiente” sistema de “delivery” do caixa 2.
É o que afirmam o Ministério Público Federal e a Polícia Federal ao descrever o papel dos “mulas” da lavanderia criada por Youssef. Eles utilizavam voos comerciais, jatos particulares e carros blindados para transportar parte dos bilhões de reais que a organização criminosa denunciada movimentou entre 2009 e 2014, em associação com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa – que virou delator no processo e decidiu contar o que sabe em troca de redução de pena.
“Youssef é líder de uma organização criminosa (…) especializada em operações à margem do sistema financeiro nacional formada por subordinados diretos, parceiros de confiança, ‘laranjas’ e ‘mulas’ que carregam os numerários”, informa em ação penal em que o doleiro é réu, na Justiça Federal do Paraná. Youssef também decidiu colaborar com a Justiça em troca de benefícios.
VEJA TRECHO DA DENÚNCIA DO MPF
Segundo a ação na Justiça Federal do Paraná, “apurou-se, nas ligações telefônicas, que Youssef (chamado de Beto) fala sobre transações e pagamentos que envolvem significativos valores monetários”. Só na conta da MO Consultoria, uma das empresas de fachada do doleiro, foram sacados em espécie R$ 322 mil de 2009 a 2013, descreve o MPF. “Vale reforçar que a MO Consultoria, com a finalidade única e exclusiva de dissimular a origem de recursos públicos desviados da obra da refinaria de Abreu e Lima”.
São quatro “mulas”: Rafael Ângulo Lopez (condenado na Operação Curaçao e investigado no Mensalão), Jayme Alves de Oliveira Filho (agente da PF lotado no Rio de Janeiro), Adarico Negromonte Filho (irmão do ex-ministro Mário Negromonte) e Carlos Rocha (doleiro ligado a outro grupo alvo da Lava Jato).
Do ponto de vista hierárquico, Rafael Ângulo Lopez, de 61 anos, identificado como Veio, é figura central desse departamento da lavanderia. Era ele quem controlava o cofre de Youssef quando ele não estava em São Paulo. Na sua sala, no escritório do doleiro, a PF apreendeu uma maleta com cerca de R$ 500 mil, mais R$ 1,3 milhão e US$ 20 mil no cofre.
“Esses valores em espécie eram transportados pelo denunciado, em voos domésticos, ocultados no corpo ou em alguma valise, pela utilização de aviões particulares ou, ainda, valendo-se de veículos blindados, de transporte de valores”, informa o processo.
CONFIRA OUTRO TRECHO DA DENÚNCIA DO MPF
O Ministério Público Federal chamou atenção para o fato de o réu ter cidadania espanhola e ser idoso como facilitadores para ele viajar com dinheiro à Europa em voos convencionais. A PF identificou ainda nos grampos da Lava Jato que Lopez e Youssef conversaram ou trocaram mensagem 160 vezes no período em que eram monitorados.
No dia 10 de setembro de 2013, por exemplo, o doleiro liga para Veio, às 13h38, e avisa que acabou de chegar a São Luiz (MA). O grupo negociava com o governo Roseana Sarney (PMDB) o pagamento adiantado de uma divida judicial (precatório) para a empresa Constran – alvo da Lava Jato. Youssef diz que irá passar para ele uma conta para depositar “7.000″ e que precisa ser entregue em espécie “1.000″ para “o mesmo cara de ontem, o Carlos”,
registra a PF. “Lopez pergunta então se deve reservar “300″ para amanhã, provavelmente referindo-se à R$ 300.000,00″, registram os agentes que consideram que 7 mil e 1 mil são R$ 7 milhões e R$ 1 milhão.
Lopez é reincidente dos crimes de colarinho branco e diretamente ligado ao escândalo do mensalão. Ele foi condenado em 2010 pela Operação Curaçao por gerir uma conta (Tremazul Cell Co) que movimentou entre maio de 2005 e julho de 2006 um total de US$ 2,7 milhões, em 175 operações.
No caso do Mensalão, seu nome apareceu ligado aos negócios do deputado federal José Janene (PP-PR), que morreu em 2010 e era réu do processo e suposto sócio de Youssef. Lopez também é cunhado de Enivaldo Quadrado, que no Mensalão foi condenado como proprietário da corretora Bônus-Banval, usada por Marcos Valério, operador da lavagem no caso de compra de apoio do Congresso.
Segundo anotam os agentes da PF na Lava Jato, desde essa época “Lopez já deveria trabalhar para Youssef”. Os agentes afirmam acreditar que a Bônus-Banval era do doleiro, não de Quadrado, agora qualificado como seu funcionário na Lava Jato.
Ex-ministro. Outro homem ligado indiretamente ao governo federal e suposto “mula” de Youssef é Adarico Negromente Filho, o Maringá, irmão do ex-ministro de Cidades Mário Negromonte. Seu nome está registrado em um dos 32 telefones apreendidos com o doleiro, em março deste ano. São ao todo 34 trocas de ligação e mensagem com Youssef, alvo dos grampos.
Uma das qualificações dos “mulas” tem a foto do irmão do ex-ministro, sobre a alcunha Maringá e ladeada pela observação: “transporte de dinheiro em espécie. Obs: irmão do ex-ministro Mário Negromonte”.
Em documentos apreendidos na sede de uma das empresas de Youssef, a GFD Investimentos – escritório de negócios do grupo em São Paulo – foi encontrada uma tabela de contabilidade com referências a “transferências” com o nome Maringá à frente. Para a PF, são os valores movimentados pelos transportadores e suas participações nos negócios.
Infiltrado. Um agente federal usava seu cargo para facilitar o transporte de dinheiro de Youssef. É Jayme Alves de Oliveira Filho, conhecido como Careca. Ele está lotado no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, e há suspeitas de que atuava também como informante do grupo.
A análise dos grampos apontou 66 conversas entre o doleiro e Careca. Numa delas, o policial teria levado dinheiro em espécie para um endereço em Belo Horizonte, onde funciona uma unidade da empresa UTC. A construtora incorporou a Constran – beneficiada no precatório do Maranhão – e é investigada na Lava Jato por ser sócia do doleiro em negócios na Bahia. O grupo UTC/Constran é também sócio da concessionária vencedora do leilão do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, em fevereiro de 2012. O grupo nega ilegalidades e diz não ser sócio do doleiro.
Careca foi citado também no depoimento da doleira Nelma Kodama, presa na Lava Jato e ex-namorada de Youssef e do doleiro Raul Srour – outro detido da operação – por ter sido o policial indicado pelo doleiro para vender informações privilegiadas da PF. Ela disse ter pago R$ 40 mil ao agente, que ela chama de Careca, para receber antecipadamente as perguntas de outra investigação em que ela seria inquirida no Rio.
Delivery. Além dos “mulas” usados para agilizar as entregas e dissuadir a polícia, a denúncia da Lava Jato afirma que Youssef montou um “eficiente e rápido sistema de entrega à domicílio” de dinheiro do câmbio negro. “Em que os valores eram levados por portadores de confiança na residência do cliente. Para tanto, os transportadores da moeda inclusive viajavam de avião, para que a ‘entrega’ chegasse mais rápida. ”
E que era esse um dos principais papeis de Lopez, o Veio, cunhado de Quadrado.
“Além de pessoa idosa (tem 61 anos), o que diminuía a suspeita sobre ele pelas autoridades, era pessoa de confiança com que Youssef possuía relacionamento de longa data”, registra a denúncia.
Outro fato destacado é que Youssef é piloto também e tinha comprado um helicóptero – apreendido na operação, na Bahia – e estava negociando a compra de um jato. Em uma das conversas interceptadas, ele comunica o interlocutor que está chegando em São Paulo em um jato particular. A PF registra que os materiais indicam que ele mesmo também fazia transporte de altos valores em espécie nesses voos.
COM A PALAVRA, A DEFESA
Procurada pela reportagem, a defesa de Rafael Ângulo Lopes, um dos réus da Lava Jato, acusado de colaborar com o esquema de Alberto Youssef, afirmou que não iria se manifestar sobre as escutas e os materiais apreendidos durante as investigações da Polícia Federal. O criminalista Adriano Sérgio Nunes Bretas, responsável pela defesa de Lopez, afirmou que só iria se manifestar sobre o caso nos autos do processo que tramita na Justiça Federal do Paraná.
A Polícia Federal, por sua vez, informou que as investigações sobre a participação do agente Jayme Alves de Oliveira Filho, que utilizava o apelido “Careca”, são sigilosas e ainda estão em andamento, por isso não iria comentar o caso.
O agente, que não é réu em nenhuma das ações decorrentes da Operação na Justiça Federal, foi orientado pela Polícia Federal a não se manifestar sobre a investigação.
A reportagem também tentou contato com o irmão do ex-ministro Mario Negromonte, Adarico Negromonte, acusado pela PF de realizar “transporte de dinheiro em espécie” para o esquema do doleiro Alberto Youssef. Durante a semana, a reportagem tentou contato com Adarico, mas seu telefone celular estava desligado. Contatado, o ex-ministro informou que ele estava passando por problemas de saúde. Negromonte disse também ainda que desde que a Lava Jato foi deflagrada Adarico não recebeu nenhuma notificação da Justiça. Ele não foi denunciado e não figura como réu em nenhuma das ações.

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