domingo, 19 de outubro de 2014

DIA DO MÉDICO - Milton Pires

Meu caro Jornalista Ricardo Setti,

Chegou o dia: o tal “Dia do Médico”. De forma protocolar e politicamente correta começam a chegar as mensagens de “parabéns”...de “força” ..de “profissão linda” e outros termos do gênero. Elas, as mensagens, se misturam com as chamadas dos amigos perguntando se é verdade que eu agredi ou não uma médica da Unidade de Terapia Intensiva do Grupo Hospitalar Conceição em Porto Alegre..se é verdade ou não que sugeri a “presidenta” Dilma chamar um médico cubano quando “passou mal após o debate” e outras notícias que meu correio eletrônico classifica como “spam”. Em meio a tudo eu começo a me lembrar do meu início de carreira..eu faço mais do que isso: eu começo a recordar minha entrada na Faculdade de Medicina...dos meus anos nesse curso que, segundo matéria do Partido dos Trabalhadores, formaram o “Monstro Milton” não um doutor. Eu me recordo, Ricardo, das noites que atravessei estudando, eu me lembro das festas das quais não participei, e dos finais de semana que perdi...lembro, quase chorando, não do significado da minha profissão, mas do meu próprio significado como pessoa...da minha mera definição como homem, pois que entre homem e médico já não encontro mais distinção em mim mesmo.
Não nos chamam mais de médicos, Ricardo. Somos agora “trabalhadores da saúde”. Quando nos reunimos, nós mesmos, nas “entidades médicas” falamos cuidadosamente desse ente mágico...dessa camada especial que aprendemos a definir como “a população”. Seja lá quem for a “população”, os médicos brasileiros sabem que dela agora não fazem mais parte. É preciso reivindicar tudo, é preciso garantir a “boa prática profissional” e bons salários, mas “sem atingir a população”.
Em vinte anos de profissão, meu amigo, eu acho que ainda não vi de tudo mas vi muito. Eu vi hospitais fechados e leitos desativados, técnicos de enfermagem chefiando médicos, goteiras e ratos em unidades de internação..vi médicos operando com a lanterna de telefones celulares..enfim: uma quantidade de barbaridades que aqui não cabe descrever – todos tem direito a choradeira..a sofrer e a se lamentar – menos os médicos: isso é “discurso de coitadinho” da parte dessa gente que “não atende os pobres”, né Ricardo? Todo mundo pode ser vítima no Brasil?: Médicos policiais e professores não – isso é manobra política para “desgastar o partido e atacar a população”.
A medicina, Ricardo, é uma profissão cuja origem se perde no tempo: não foi inventada com o Sistema Único de Saúde. Ela não foi criada com a Constituição de 1988 e não depende da bancada petista no Congresso Nacional, de alguma ONG ou projeto social. A verdadeira medicina começa na mesma época em que passamos a nos preocupar com as variações do tempo e o sentido da vida. Medicina, Filosofia e Meteorologia nascem juntas no mesmo país que inventou a Democracia e que, ao inventar esta última, jamais deixou de lado os princípios de mérito de cada indivíduo e a noção de que aquilo que nos iguala é o fato de sermos todos filhos e devedores de um Ser Superior. Nada disso sobrevive no Brasil Petista que hoje pensa em cumprimentar seus médicos. Essa noção está escondida..acuada e envergonhada no peito de cada paciente e de cada colega brasileiro que hoje vive o medo de ser levado às páginas da grande imprensa como incompetente, desumano ou corrupto.
Se um dia nossa civilização desaparecer e nenhum ser humano restar..se um dia o tempo parar e a história chegar ao fim..o último dentre nós a partir ainda vai lembrar do trabalho incansável dos que aqui estiveram para aliviar a dor e o sofrimento..para adiar o máximo possível esse momento final ..para mostrar a todos os outros que nossa vida teve sentido...e que ter sido médico valeu à pena..
Dedicado à bravura e dignidade dos meus verdadeiros colegas no Brasil …
DO

Nenhum comentário:

Postar um comentário