É muito atual esta charge de Henfil.
Nesta imperdível entrevista feita com o professor Cardoso de Mello pelos
repórteres Célia de Gouvêa Franco e Vanessa Jurgenfeld, fica claro que
somente uma nova Constituinte evitará a desordem no Brasil.
Disse o professor aos dois repórteres: "Os códigos de processo não são
atualizados. O lobby dos advogados não deixa passar. Porque quanto mais demora
o processo, mais eles ganham". É preciso conhecimento, autoridade e coragem para falar tão francamente. Outra frase do mestre:
"O debate atual no país é uma vergonha. De péssimo nível. O grande problema brasileiro é uma desordem político-institucional"
. Leia tudo:
É extremamente duro o diagnóstico sobre o Brasil do
economista João Manuel Cardoso de Mello, que ganhou proeminência nacional ao
participar, na década de 1980, da elaboração do Plano Cruzado, a primeira de
uma série de tentativas de derrubar a inflação. Para ele, o país vive uma fase
de desordem político-institucional e a única saída para resolver a situação é a
convocação de uma Constituinte com critérios muito rígidos - ninguém que ocupa
um cargo público poderia, por exemplo, ser eleito. Além disso, já se partiria
do princípio de acabar com a possibilidade de releição para o Executivo. E
vereadores, deputados e senadores só poderiam tentar ser reeleitos uma única
vez.
Professor da presidente Dilma Rousseff quando ela iniciou
sua pós-graduação em economia na Unicamp, João Manuel - ninguém o trata pelo
sobrenome - não culpou, em uma rara entrevista à imprensa, o atual governo pela
situação de desordem. Disse que, depois de décadas em que os principais
problemas do Brasil não foram atacados seriamente, acabou se criando um clima
de insatisfação, de mau humor com o Brasil que pode ser até uma ameaça à
democracia, na medida em que abre espaço tanto para políticos "salvadores
da pátria" quanto para os saudosistas dos tempos da ditadura. "As
pessoas estão enojadas. Você conversa aqui com meus funcionários [da Facamp],
desde o jardineiro até o professor, eles têm nojo", especificou.
João Manuel apresentou ao Valor, no seu escritório na
Facamp, a universidade que criou há 15 anos, uma lista detalhada de indícios da
desordem institucional - e de consequências dessas circunstâncias. Ele fumou
dez cigarros ao longo da conversa e de um almoço, que contou também com a
presença do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, amigo desde os 10 anos e sócio de
João Manuel na Facamp, hoje reconhecida como uma das melhores instituições de
ensino superior privada do país.
De certa forma, sua fonte de inspiração para o lançamento
da proposta da Constituinte são as palavras ditas por Ulysses Guimarães,
ex-presidente da Câmara dos Deputados e da Assembleia Constituinte de 1988.
Segundo João Manuel, antes de iniciar a campanha das Diretas Já, de 1984, que
tentaria pressionar o governo militar a permitir a escolha dos governantes pela
escolha das urnas, o "dr. Ulysses" fez uma consulta a um grupo de amigos,
reunidos na casa dele. Pelo que João Manuel se lembra, apenas ele apoiou a
proposta do amigo. Os outros disseram que não haveria apoio popular. "Dr.
Ulysses" ouviu todas as opiniões, mas depois afirmou: "Eu não quero
saber se vai dar certo ou errado. O meu dever é fazer" a campanha, que
acabou mobilizando centenas de milhares de brasileiros em manifestações nas
grandes cidades.
Muito discreto sobre seu relacionamento com a presidente,
ele disse que "ela é minha amiga, foi minha aluna e eu gosto dela".
Na sua avaliação sobre a situação da educação no Brasil, foi muito crítico
sobre as universidades de forma geral e particularmente ácido sobre as instituições
de ensino privadas. A seguir, os principais trechos da sua entrevista:
Valor: Viemos aqui fazer uma entrevista sobre economia...
João Manuel Cardoso de Mello: Não vou falar de economia.
Não quero falar de economia propriamente dita e nem de eleição.
Valor: Vamos falar sobre a Copa?
João Manuel: Também não. Quero falar que o debate atual
no país é uma vergonha. De péssimo nível. E que o grande problema brasileiro,
ao contrário do que as pessoas pensam, é uma desordem político-institucional.
Valor: Em que sentido?
João Manuel: No sentido de que isso aqui é uma desordem.
Uma desordem. Desordem político-institucional. Nosso sistema tem 30 partidos. A
política se transformou num negócio. O partido da presidente tem 20% do
Legislativo, logo a presidente é refém de partidos de aluguel. Esse é o
problema. São 39 ministérios necessários para acomodar os anões, para não dizer
os ladrões. Uma campanha para presidente da República custa R$ 700 milhões.
Portanto, se estabelecem aqui relações espúrias e incestuosas entre os
financiadores da campanha e o Executivo. E aí vem o problema do financiamento
público das campanhas.
Valor: Qual outro sintoma dessa desordem?
João Manuel: O Supremo Tribunal legisla. E não pode! Sei
disso porque nasci numa família de professores de direito. Meu pai, meu avô,
meu bisavô. Isso é uma verdadeira barbaridade! E o Tribunal de Contas... Meu
pai foi presidente do Tribunal de Contas.
Valor: De qual?
João Manuel: Do Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo. Meu pai [João de Deus Cardoso de Mello], quando era moço, deu trombada
numa árvore e ficou míope, tinha medo de guiar. Não gostava muito de motorista
e nem nós tínhamos muito dinheiro. Ele tomava o ônibus no Jardim Paulistano,
descia na praça da República, atravessava o viaduto do Chá e ia até a rua do
Ouvidor, onde era o Tribunal de Contas. Tudo a pé. O presidente do Tribunal de
Contas não tinha carro. Mas hoje o Tribunal de Contas interrompe obra. Para
quê? Pode funcionar isso? Eles interromperam várias obras do governo federal.
Não estou dizendo que o governo federal funciona, que é uma maravilha. Longe
disso. Mas não pode. Isso aqui está tudo errado. O próprio Ministério Público
tem poderes exorbitantes. Como é que um país pode funcionar assim? Além disso,
os códigos de processo não são atualizados.
Valor: Por que não?
João Manuel: Porque o lobby dos advogados não deixa
passar. Porque quanto mais demora o processo, mais eles ganham. Então, o Código
do Processo Civil e o do Processo Penal especialmente são absurdos, são muito
velhos. A lei de execuções penais é um absurdo, certo? Então, como é que o país
vai funcionar? E ainda anotei na minha lista que a Receita Federal quer
estabelecer a política fiscal no Brasil. A Receita Federal tem poder... Alguém
manda na Polícia Federal? Não manda nada. Então, você tem setores autônomos.
Isso é o que estou chamando de desordem completa.
CLIQUE AQUI para ler toda a entrevista.
DO POLIBIOBRAGA
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