A
pressão da quadrilha do mensalão contra o Poder Judiciário começa a
fazer frutos. Dia sim, dia também, condenados pela Justiça estão nos
jornais difamando o STF, acusando-o de ter promovido um julgamento de
exceção, apontando uma suposta mudança de jurisprudência nesse
julgamento. Tudo absolutamente falso! A Folha faz hoje um
editorial de suposto alcance geral, mas que, como diriam os ministros do
Supremo, atendem ao “caso em espécie”: os interesses dos condenados do
mensalão, que não querem, claro!, ir para a cadeia. Segundo o jornal, “penas
de prisão deveriam, em tese, caber a criminosos violentos; para os
demais, como no mensalão, conviriam severas penas alternativas”.
Trata-se de uma aposta na impunidade que traz, também, uma marca de
classe. Vamos lá. O editorial segue em vermelho. Comento em azul.
Para quem precisa
O título faz eco a uma música dos “Titãs”: “cadeia para quem precisa”. Não vou entrar no mérito das circunstâncias em que aquela canção veio a público. Noto apenas que é comum e humano que as pessoas que estejam enfrentando problemas com a lei acreditem que merecedores de punição sejam sempre os outros. Adiante.
O título faz eco a uma música dos “Titãs”: “cadeia para quem precisa”. Não vou entrar no mérito das circunstâncias em que aquela canção veio a público. Noto apenas que é comum e humano que as pessoas que estejam enfrentando problemas com a lei acreditem que merecedores de punição sejam sempre os outros. Adiante.
Os crimes
são cometidos mediante violência ou fraude. No primeiro caso, só resta à
sociedade prender os infratores — são perigosos demais para continuar à
solta. Será adequado tratar todos os demais do mesmo modo?
As primeiras linhas, que se pretendem neutras, como quem rememorasse o óbvio, já trazem, no entanto, uma escolha que requereria explicação: classifica de “perigosos demais” os criminosos que recorrem à violência, o que nos leva a pensar que os demais — os do colarinho branco, por exemplo — “perigosos” não são. Sendo assim, tem-se de saída que os crimes contra a ordem financeira, contra a gestão do estado, contra o patrimônio público e afins jamais devem levar seus autores para a cadeia. Os corruptos, no geral, são pessoas dóceis. Alguns podem até se dedicar à benemerência.
As primeiras linhas, que se pretendem neutras, como quem rememorasse o óbvio, já trazem, no entanto, uma escolha que requereria explicação: classifica de “perigosos demais” os criminosos que recorrem à violência, o que nos leva a pensar que os demais — os do colarinho branco, por exemplo — “perigosos” não são. Sendo assim, tem-se de saída que os crimes contra a ordem financeira, contra a gestão do estado, contra o patrimônio público e afins jamais devem levar seus autores para a cadeia. Os corruptos, no geral, são pessoas dóceis. Alguns podem até se dedicar à benemerência.
Esta Folha tem
argumentado que não. Há mais de dez anos, portanto muito antes do
mensalão, sustenta-se aqui que a pena de prisão deveria ser destinada,
em tese, aos que recorrem a violência física ou grave ameaça na
consecução do delito de que são culpados.
O fato de a Folha defender isso “há mais de dez anos” só nos diz que um equívoco pode durar mais de dez anos. Corruptos e corruptores, em regra, não recorrem a ameaças físicas. As “graves ameaças” que representam costumam dizer respeito à organização do estado. Segundo o modelo defendido pelo jornal, um Bernard Madoff estaria por aí (ou por lá…), solto, cumprindo alguma pena alternativa, podendo gozar, no dia a dia — e quem haveria de impedi-lo? — dos benefícios que hauriu de suas ações ilegais. Madoff ameaçava alguém, além do sistema financeiro americano?
O fato de a Folha defender isso “há mais de dez anos” só nos diz que um equívoco pode durar mais de dez anos. Corruptos e corruptores, em regra, não recorrem a ameaças físicas. As “graves ameaças” que representam costumam dizer respeito à organização do estado. Segundo o modelo defendido pelo jornal, um Bernard Madoff estaria por aí (ou por lá…), solto, cumprindo alguma pena alternativa, podendo gozar, no dia a dia — e quem haveria de impedi-lo? — dos benefícios que hauriu de suas ações ilegais. Madoff ameaçava alguém, além do sistema financeiro americano?
As condições
na maioria das cadeias brasileiras são abjetas. Mas a sociedade
continua a abarrotá-las de indivíduos, condenados por juízes que fecham
os olhos, como a efígie da Justiça, para a norma constitucional que
proíbe “penas cruéis” e “tratamento degradante”.
Trata-se de um dos parágrafos mais infelizes, creio, jamais impressos nesse jornal. As condições das cadeias são, realmente, abjetas, com raras exceções. Trata-se de um argumento descabido porque nada tem a ver com o mérito. Não, Folha! Os juízes “não fecham os olhos”. É que eles não podem deixar de cumprir a lei. O editorial, afinal, defende a mudança do ordenamento jurídico vigente a respeito ou incita os magistrados a ignorá-lo? No que diz respeito à retórica, o editorial espanca tolamente a “efígie da Justiça”. Ela tem os olhos vendados, senhor editorialista, justamente para ser “justa”, para ser equilibrada, para não distinguir os que usam colarinho branco dos que usam macacão — para apelar a contrastes ora em voga no Brasil.
Trata-se de um dos parágrafos mais infelizes, creio, jamais impressos nesse jornal. As condições das cadeias são, realmente, abjetas, com raras exceções. Trata-se de um argumento descabido porque nada tem a ver com o mérito. Não, Folha! Os juízes “não fecham os olhos”. É que eles não podem deixar de cumprir a lei. O editorial, afinal, defende a mudança do ordenamento jurídico vigente a respeito ou incita os magistrados a ignorá-lo? No que diz respeito à retórica, o editorial espanca tolamente a “efígie da Justiça”. Ela tem os olhos vendados, senhor editorialista, justamente para ser “justa”, para ser equilibrada, para não distinguir os que usam colarinho branco dos que usam macacão — para apelar a contrastes ora em voga no Brasil.
O editorial
da Folha, infelizmente, defende uma Justiça sem venda, de olhos
abertos, capaz, então, de discriminar quem será e quem não será punido
independentemente do merecimento.
A Folha não
deve ignorar, e certamente não ignora, que certos crimes são mais
afeitos a determinados setores da sociedade. Há, como negar?, um traço
de classe em algumas transgressões, não é? Os crimes violentos, que têm,
sim!, de ser severamente punidos, costumam ser praticados — basta fazer
uma pesquisa básica — por aqueles que não foram especialmente
beneficiados pela sorte. Há exceções, mas é preciso olhar a regra. Já os
crimes contra a ordem financeira e a gestão do estado, como a corrupção
e a malversação do dinheiro público, são quase monopólio daqueles que
viveram sem temor nem perigo.
A origem social tem forte influência NÃO NA DECISÃO DE DELINQUIR, MAS NO TIPO DE DELINQUÊNCIA.
Um Fernandinho Beira-Mar, por sua origem, dificilmente, ocuparia o
lugar de um Marcos Valério. Um Marcos Valério dificilmente se dedicaria
ao ramo de Fernandinho Beira-Mar. Segundo a Folha, o primeiro representa
um risco maior para a sociedade do que o outro. Bem, eu não acho!
Eu estou
entre aqueles que defendem que os dois devam ir para a cadeia — para
boas cadeias, claro! E reitero que a corrupção generalizada responde por
mais mortos do que os chefes dos morros. Matam crianças de fome, matam
pobres por falta de assistência médica; soterram desvalidos, como se viu
recentemente na região serrana do Rio.
São mais de
514 mil presos no país, num sistema que comporta 306 mil. Ao mesmo
tempo, 153 mil mandados de prisão aguardam ser cumpridos, conforme o
eufemismo judicial. Celerados estão livres, enquanto uma parcela de
criminosos que não oferece o mesmo risco está detida.
Há falhas lógicas clamorosas nessa numeralha. Se a Folha considera que, entre os 514 mil presos, há os que não deveriam estar na cadeia, deve, da mesma sorte, considerar que, entre os 153 mil mandados não-cumpridos, também há ordens de prisão descabidas. Fiz-me entender ou requer desenho? Logo, havendo presos demais, seguindo o jornal, também há ordens de prisão demais, segundo o mesmo jornal, de sorte que o número a ser cumprido, seguindo a lógica do articulista, seria menos relevante do que parece.
Há falhas lógicas clamorosas nessa numeralha. Se a Folha considera que, entre os 514 mil presos, há os que não deveriam estar na cadeia, deve, da mesma sorte, considerar que, entre os 153 mil mandados não-cumpridos, também há ordens de prisão descabidas. Fiz-me entender ou requer desenho? Logo, havendo presos demais, seguindo o jornal, também há ordens de prisão demais, segundo o mesmo jornal, de sorte que o número a ser cumprido, seguindo a lógica do articulista, seria menos relevante do que parece.
Juízo
meramente comparativo não é juízo de mérito. Haver celerados soltos — e
certamente os há — não muda a razão por que outros menos perigosos estão
presos. Ou por outra: a periculosidade de quem está solto não muda a
natureza do crime de quem está preso. O fato de o assassino de 10
pessoas estar solto torna menos justa a prisão de quem matou um homem?
Estar esse mesmo assassino na rua torna especialmente absurda a eventual
prisão de quem assaltou os cofres públicos?
Dizer que a
prisão deveria reeducar é outra falácia. Claro que é preciso aumentar o
número de vagas nos presídios, torná-los compatíveis com um país
civilizado e compelir os detentos a trabalhar. Mesmo na Suécia, porém,
os cárceres fazem jus ao clichê de que toda prisão é uma universidade do
crime.
O sentido do parágrafo é um só: as prisões são inúteis. Inúteis para quem? É bem possível que as cadeias realmente não recuperem ninguém. Mas espere aí, senhor editorialista: isso não vale também para os crimes de sangue, para os criminosos violentos? Não se prende um criminoso apenas para recuperá-lo. Há, sim, e tem de haver, o aspecto punitivo.
O sentido do parágrafo é um só: as prisões são inúteis. Inúteis para quem? É bem possível que as cadeias realmente não recuperem ninguém. Mas espere aí, senhor editorialista: isso não vale também para os crimes de sangue, para os criminosos violentos? Não se prende um criminoso apenas para recuperá-lo. Há, sim, e tem de haver, o aspecto punitivo.
De resto, o
texto acena para outra possibilidade perigosa. Se merece cadeia apenas
aquele que ameaça a sociedade com ações violentas, que tratamento dar
aos crimes passionais? O amante que mata o objeto de seu desejo (ou de
seu ódio) porque traído ou algo assim deve ficar solto? Não raro, o que
diz matar por amor não é um homicida compulsivo ou profissional.
Dificilmente voltaria a delinquir. O marido que espanca reiteradamente a
mulher não representa exatamente risco para a sociedade. No editorial
da Folha, não cabe nem a Lei Maria da Penha.
Constatá-lo
não implica complacência. Delinquentes violentos devem ser submetidos a
longuíssima privação de liberdade, e a progressão dessas penas deveria
ser até mais difícil do que é.
Na prática, o texto defende a exacerbação da punição para os que não têm colarinho branco e complacência, sim, para os que têm.
Na prática, o texto defende a exacerbação da punição para os que não têm colarinho branco e complacência, sim, para os que têm.
Quanto aos
outros, não faltam medidas duras à disposição do juiz: impedimento
duradouro de exercer cargo público ou determinada profissão, restituição
dos valores subtraídos e prestação de serviços à comunidade, que podem
se tornar encargos severos quando prolongados -e são verificáveis pelos
recursos da tecnologia eletrônica.
Assaltantes dos cofres públicos, quando flagrados, no mais das vezes, já lavaram seus bens, já os colocaram em nome de terceiros, já enviaram dinheiro para contas secretas no exterior etc. Ainda que fossem condenados a dar sopão para pobres durante 10 anos, eles o fariam com a maior satisfação. Transfiramos Madoff para o Brasil e apliquemos os princípios da Folha… Nós lhe daríamos a chance de terminar os seus dias no conforto — ainda que tivesse todos os seus bens visíveis sequestrados — e ainda como um homem bom! Ele teria a chance de descobrir a graça de ser um homem generoso!
Assaltantes dos cofres públicos, quando flagrados, no mais das vezes, já lavaram seus bens, já os colocaram em nome de terceiros, já enviaram dinheiro para contas secretas no exterior etc. Ainda que fossem condenados a dar sopão para pobres durante 10 anos, eles o fariam com a maior satisfação. Transfiramos Madoff para o Brasil e apliquemos os princípios da Folha… Nós lhe daríamos a chance de terminar os seus dias no conforto — ainda que tivesse todos os seus bens visíveis sequestrados — e ainda como um homem bom! Ele teria a chance de descobrir a graça de ser um homem generoso!
A indignação
pública perante o escândalo do mensalão se expressa, contudo, no
legítimo anseio de ver os culpados atrás das grades.
Não entendi. O anseio da população é legitimo, mas ignorante, é isso? Mandar mensaleiros para a cadeia é agora sentimento grosseiro dos bárbaros!
Não entendi. O anseio da população é legitimo, mas ignorante, é isso? Mandar mensaleiros para a cadeia é agora sentimento grosseiro dos bárbaros!
Sempre houve
corrupção política, mas o governo Lula a praticou em escala sistêmica,
sob o comando da camarilha então incrustada no ápice do Executivo e do
partido que o controla. As punições hão de ser drásticas, e seu efeito,
exemplar, mas sem a predisposição vingadora que parece governar certas
decisões (e equívocos) do ministro Joaquim Barbosa.
A afirmação, feita assim, é irresponsável e só ecoa a acusação feita pelos mensaleitos, ora condenados. Por que o jornal não diz qual é a “predisposição vingadora” de Joaquim Barbosa? Por que o jornal não diz, então, quem foi condenado injustamente? Por que não detalha o que considera punição injusta? Eu já critiquei o ministro — ele e outros — algumas vezes. Mas nunca de modo genérico, sem deixar claro qual é o ponto que me incomoda. Parece que, nesse trecho, a Folha só faz uma profissão de fé no “isentismo”, para que os petistas, hoje críticos de Barbosa (que antes tanto louvavam) se sintam contemplados.
A afirmação, feita assim, é irresponsável e só ecoa a acusação feita pelos mensaleitos, ora condenados. Por que o jornal não diz qual é a “predisposição vingadora” de Joaquim Barbosa? Por que o jornal não diz, então, quem foi condenado injustamente? Por que não detalha o que considera punição injusta? Eu já critiquei o ministro — ele e outros — algumas vezes. Mas nunca de modo genérico, sem deixar claro qual é o ponto que me incomoda. Parece que, nesse trecho, a Folha só faz uma profissão de fé no “isentismo”, para que os petistas, hoje críticos de Barbosa (que antes tanto louvavam) se sintam contemplados.
Tendo
arrostado um partido que continua no poder e cujo chefe desfruta de
imensa popularidade, seria decerto pedir demais ao Supremo Tribunal
Federal que fosse ainda além, condenando nosso sistema prisional ao
evitar que esses réus sejam despachados, sem motivo inarredável que não a
letra da lei, para o inferno das cadeias.
Com a devida vênia, é o parágrafo mais intelectualmente malando do texto. O STF não arrostou ninguém, o PT tampouco. O STF aplicou a lei. Se isso implicou enfrentar os petistas e sua máquina de difamação — que agora faz eco até no editorial da Folha, na crítica genérica e sem objeto a Joaquim Barbosa —, eis uma consequência do cumprimento de sua função.
Com a devida vênia, é o parágrafo mais intelectualmente malando do texto. O STF não arrostou ninguém, o PT tampouco. O STF aplicou a lei. Se isso implicou enfrentar os petistas e sua máquina de difamação — que agora faz eco até no editorial da Folha, na crítica genérica e sem objeto a Joaquim Barbosa —, eis uma consequência do cumprimento de sua função.
Os motivos
que levarão alguns réus do mensalão à cadeia são “inarredáveis”, para
ficar na expressão do editorialista, e estão conforme a lei, o Código
Penal. Aliás, a comissão que elaborou uma proposta de reforma do texto
torna ainda mais duras as penas contra os chamados crimes do colarinho
branco. Ademais, não tema a Folha: boa parte dos réus tem curso
universitário e desfrutará de condições especiais na prisão — o que não
deixa de ser mais um odioso traço de discriminação de classe, não é
mesmo?
Quanto ao
inferno das cadeias, lutemos, sim, contra ele, sempre sabedores de que
estamos lidando com duas ordens de problema: no mais das vezes, está lá
quem deveria estar lá, mas não todos os que deveria estar. E os estado
deve lhes garantir condições salubres de vida. Mas de vida de recluso.
Cadeia é, sim, punição!
Tal desfecho
estaria sujeito a interpretações perniciosas. Ignorou-se a lei, tudo
termina em pizza, diriam muitos. Evitou-se que os mensaleiros se façam
de mártires encarcerados, diriam outros. Nem por isso a prisão desses
criminosos terá sido necessária.
Por que não? Impressionante! Não há um só argumento ao longo do texto que explique por que “não terá sido necessária”. Há uma tese sem justificação: só deve ir para a cadeia quem comete crime violento. Ora, isso valeria, desde logo, como uma garantia para os corruptos e corruptores. Ficariam livres para assaltar os cofres públicos, para lavar o dinheiro, para colocar em nome de terceiros o fruto de seu roubo, para enviar dinheiro ao exterior etc… E ainda teriam a chance adicional de fazer caridade para compensar seus pecados…
Por que não? Impressionante! Não há um só argumento ao longo do texto que explique por que “não terá sido necessária”. Há uma tese sem justificação: só deve ir para a cadeia quem comete crime violento. Ora, isso valeria, desde logo, como uma garantia para os corruptos e corruptores. Ficariam livres para assaltar os cofres públicos, para lavar o dinheiro, para colocar em nome de terceiros o fruto de seu roubo, para enviar dinheiro ao exterior etc… E ainda teriam a chance adicional de fazer caridade para compensar seus pecados…
Não há
interpretação perniciosa possível para o editorial da Folha. Há a letra
do texto. Trata-se da apologia da impunidade para os crimes do colarinho
branco.
REV VEJA
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