O 'Custo Lula' (1)
por Carlos Alberto Sardenberg
Há menos de três anos, em 17 de setembro de 2009, o então presidente Lula apresentou-se triunfante em uma entrevista ao jornal “Valor Econômico”.
Entre outras coisas, contou, sem
meias palavras, que a Petrobras não queria construir refinarias e ainda
apresentara um plano pífio de investimentos em 2008.
“Convoquei o conselho” da empresa, contou Lula. Resultado: não uma, mas quatro refinarias no plano de investimentos, além de previsões fantásticas para a produção de óleo.
Em
25 de junho último, a Petrobras informa oficialmente aos investidores
que, das quatro, apenas uma refinaria, Abreu e Lima, de Pernambuco,
continua no plano com data para terminar. E, ainda assim, com atraso,
aumento de custo e sem o dinheiro e óleo da PDVSA de Chávez.
Todas as metas de produção foram
reduzidas. As anteriores eras “irrealistas”, disse a presidente da
companhia, Graça Foster, acrescentando que faria uma revisão de
processos e métodos. Entre outros equívocos, revelou que equipamentos eram comprados antes de os projetos estarem prontos e aprovados.
Nada se disse ainda sobre os custos disso tudo para a Petrobras. Graça
Foster informou que a refinaria de Pernambuco começará a funcionar em
novembro de 2014, com 14 meses de atraso em relação à meta anterior, e custará US$ 17 bilhões, três bi a mais. Na verdade, as metas agora revistas já haviam sido alteradas. O equívoco é muito maior.
Quando anunciada por Lula, a refinaria custaria US$ 4 bilhões e ficaria pronta antes de 2010. Como uma empresa como a Petrobras pode cometer um erro de planejamento desse tamanho? A resposta é simples: a
estatal não tinha projeto algum para isso, Lula decidiu, mandou fazer e
a diretoria da estatal improvisou umas plantas. Anunciaram e os
presidentes fizeram várias inaugurações.
O nome disso é populismo. E custo Lula. Sim,
porque o resultado é um prejuízo para os acionistas da Petrobras, do
governo e do setor privado, de responsabilidade do ex-presidente e da
diretoria que topou a montagem.
Tem mais na conta. Na mesma entrevista,
Lula disse que mandou o Banco do Brasil comprar o Votorantim, porque
este tinha uma boa carteira de financiamento de carros usados e era
preciso incentivar esse setor.
O
BB comprou, salvou o Votorantim e engoliu prejuízo de mais de bilhão de
reais, pois a inadimplência ultrapassou todos os padrões. Ou seja, um péssimo negócio, conforme muita gente alertava. Mas como o próprio Lula explicou: “Quando fui comprar 50% do Votorantim, tive que me lixar para a especulação.”
Quem escapou de prejuízo maior
foi a Vale. Na mesma entrevista, Lula confirmou que estava, digamos,
convencendo a Vale a investir em siderúrgicas e fábricas de latas de
alumínio.
Quando os jornalistas comentam
que a empresa talvez não topasse esses investimentos por causa do custo,
Lula argumentou que a empresa privada tem seu primeiro compromisso com o
nacionalismo.
A
Vale topou muita coisa vinda de Lula, inclusive a troca do presidente
da companhia, mas se tivesse feito as siderúrgicas estaria quebrada ou
perto disso. Idem para o alumínio, cuja produção exige muita energia
elétrica, que continua a mais cara do mundo.
Ou seja, não era momento, nem
havia condições de fazer refinarias e siderúrgicas. Os técnicos estavam
certos. Lula estava errado. As empresas privadas foram se virando, mas
as estatais se curvaram.
Ressalva: o
BNDES, apesar das pressões de Brasília, não emprestou dinheiro para a
PDVSA colocar na refinaria de Pernambuco. Ponto para seu corpo técnico.
Quantos outros projetos e metas do governo Lula são equivocados? As
obras de transposição do Rio São Francisco estão igualmente atrasadas e
muito mais caras. O projeto do trem-bala começou custando R$ 10 bilhões
e já passa dos 35 bi.
Assim como se fez a revisão dos
planos da Petrobras, é urgente uma análise de todas as demais grandes
obras. Mas há um outro ponto, político. A
presidente Dilma estava no governo Lula, em posições de mando na área
da Petrobras. Graça Foster era diretora da estatal. Não é possível
imaginar que Graça Foster tenha feito essa incrível autocrítica sem
autorização de Dilma.
Ora,
será que as duas só tomaram consciência dos problemas agora? Ou sabiam
perfeitamente dos erros então cometidos, mas tiveram que calar diante da
força e do autoritarismo de Lula? De todo modo, o custo Lula está
aparecendo mais cedo do que se imaginava. Inclusive na política.
Fonte: O Globo - 28 Jun 12
O Custo Lula (2)
Uma
das broncas do então presidente Lula com a Vale estava no assunto
siderúrgicas. A companhia brasileira deveria progredir da condição de
mero fornecedor de minério de ferro para produtor de aço, tal era o desejo de Lula.
Quando lhe argumentavam que havia um problema de custo para investir no Brasil — e não apenas em siderúrgicas — o ex-presidente apelava para o patriotismo. As empresas privadas nacionais teriam a obrigação de fabricar no Brasil.
Por causa da bronca presidencial
ou por erros próprios, o fato é que a Vale está envolvida em três
grandes siderúrgicas — ou três imensos problemas — conforme mostra em
detalhes uma reportagem de Ivo Ribeiro e Vera Saavedra Durão, no “Valor” de ontem.
Em
Marabá, no Pará, o projeto da planta Alpa está parado, à espera da
construção de um porto e de uma via fluvial, obrigação dos governos
federal e estadual, e que está longe de começar.
No Espírito Santo, o projeto Ubu também fica no papel enquanto a Vale espera um cada vez mais improvável sócio estrangeiro.
Finalmente, o projeto de Pecém, no Ceará, está quase saindo do papel, mas ao dobro do custo original.
E quer saber? Seria melhor mesmo
que não saísse. Acontece que há um excesso de oferta de aço no mundo e,
mais importante, os custos brasileiros de instalação das usinas e de
produção são os mais altos do mundo.
Não, a culpa não é só do dólar nem dos chineses. Estes fazem o aço mais barato do planeta, com seus métodos tradicionais. Mas o aço brasileiro sai mais caro do que nos EUA, Alemanha, Rússia e Turquia, conforme um estudo da consultoria Booz.
A culpa nossa é velha: carga e
sistema tributário (paga-se imposto caro até durante a construção da
usina, antes de faturar o primeiro centavo), burocracia infernal e
custosa, inclusive na disputa judicial de questões tributárias e
trabalhistas, e custo da mão de obra.
Dados do economista Alexandre
Schwartsman mostram que os salários estão subindo no Brasil na faixa de
11 a 12% anuais. A produtividade, estimado 1,5%. Ou seja, aumenta o
custo efetivo do trabalho, e mais ainda pela baixa qualificação da mão
de obra.
Jorge Gerdau Johanpeter, eterno
batalhador dessas questões, mostra que a unidade de trabalho por
tonelada de aço é mais cara no Brasil do que nos EUA.
Não
há patriotismo que resolva. Mas uma boa ação governamental ajudaria.
Reparem: todos os problemas dependem de ação política e, especialmente,
da liderança do presidente da República. Trata-se de reformas tributária
e trabalhista, medidas legais para arejar o ambiente de negócios,
simplificar o sistema de licenças ambientais, reforma do Judiciário e
por aí vai, sem contar com um impulso na educação.
Se isso não anda, é falha de
governo, não do mercado. A crise global é a mesma para todo mundo, mas
afeta os países diferentemente, conforme suas condições locais.
O Brasil precisaria turbinar os investimentos, mas não há como fazer isso num ambiente tão desfavorável e tão custoso.
O governo cai então no estímulo ao consumo e no protecionismo para
barrar e/ou encarecer os produtos estrangeiros. De novo, não conseguindo
reduzir o custo Brasil, aumenta o custo mundo.
A situação é ainda mais grave no lado dos investimentos públicos.
Uma das obras de propaganda de Lula era a Ferrovia Norte-Sul, tocada
pela estatal Valec. Pois o Tribunal de Contas da União verificou que o
dormente ali saía por R$ 300, enquanto na Transnordestina, negócio
privado, ficava por R$ 220.
O atual presidente da Valec, José
Eduardo Castello Branco, nomeado há um ano, depois das demissões por
denúncias de corrupção, conta ainda que vai
comprar a tonelada de trilho por R$ 2 mil, contra o preço absurdo de R$
3 mil da gestão anterior, que vinha lá do governo Lula.
Claro que um presidente da
República não pode saber quanto custa uma tonelada de trilho, muito
menos o preço de um dormente. Nem pode acompanhar as licitações. Mas o
ritmo “vamo-que-vamo” imposto pelo ex-presidente, junto com o loteamento
político das estatais, criou o ambiente para os malfeitos e, mais
importante, porque mais caro, para os enormes equívocos na gestão dos
projetos.
O
diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes,
general Jorge Fraxe, também nomeado por Dilma para colocar ordem na
casa, conta que encontrou contratos de obras no valor de R$ 15 bilhões —
ou “15 bilhões de problemas”.
Quando
o mundo vai bem, todos crescendo, ninguém repara. Quando a coisa
aperta, aí se vê o quanto não foi feito ou foi feito errado.
Fonte: O Globo - 5/7/12
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
Apresentador na CBN e comentarista na Globo News
DO MUJAHDIN CUCARACHA
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