O
Senado cassou o mandato de Demóstenes Torres por um placar bastante
eloquente: 56 votos a 19, com 5 abstenções. Um único senador, que já
estava de licença, não votou. Ninguém faltou à sessão. Está proibido de
se candidatar a cargo eletivo por oito anos a partir do fim do seu
mandato, que expiraria em 2018 — foi reeleito em 2010. A punição se
estende até 2026, e ele só poderá se apresentar ao eleitorado, mantido o
atual calendário, em 2028, já que não há eleições em 2027. Na prática,
foi banido das urnas por 16 anos. Termina de modo melancólico — e
emblemático — a carreira política de um homem que parecia talhado para
tarefas até maiores do que as compreendidas num mandato parlamentar.
Havia, no
entanto, dois Demóstenes no Senado: Dr. Jekyll costumava abraçar as boas
causas, afinadas com o estado democrático e de direito e se mostrava
implacável com os desmandos da República, com os arroubos autoritários
do Executivo e com as agressões aos direitos individuais. Era, por isso,
admirado por muitos, inclusive por alguns adversários ideológicos, que
reconheciam nele as virtudes da coerência e da firmeza. Mas ninguém
sabia da existência de Mr. Hyde, aquele que trocava telefonemas
frequentes com o contraventor Carlinhos Cachoeira e que atuava como uma
espécie de despachante dos interesses de um grupo que se esgueirava nas
sombras, do qual fazia parte.
Ainda que
não tivesse sido cassado por seus pares, Demóstenes sabia que já tinha
sido cassado por juízes bem mais severos: o seu eleitorado, que jamais o
perdoaria ou perdoará. Quando recuperar seus direitos políticos, José
Dirceu vai se apresentar aos petistas e se elegerá deputado. Eles se
orgulham das porcarias que seu líder faz. Os eleitores do senador que
teve o mandato cassado nesta quarta são, na esmagadora maioria, pessoas
honradas. Não reconhecem naquele senhor das gravações o seu
representante.
Esse é o
aspecto que chamei “emblemático” do caso Demóstenes. É claro que as
esquerdas e os petistas procuraram inflar as suas lambanças; é evidente
que o fato de ele ser considerado um político conservador, “de direita”,
pesou no processo de satanização; é inquestionável que a patrulha
ideológica colaborou para fazer do agora ex-senador o inimigo público
número um do país. Mas atenção! Nada disso tira o peso daquilo que ele
efetivamente fez. Não foram os seus adversários que o impeliram ou o
convidaram a se comportar como mero esbirro de um esquema que, tudo
indica, frauda licitações, compra o mandato e o voto de políticos, torna
irrelevantes os instrumentos de controle do uso do dinheiro público.
E aqui começo a tratar da segunda parte do título deste post, aquela que remete ao STF. Vamos ver.
Não se
iludam. Demóstenes Torres não era o único braço de um esquema a atuar no
Senado ou, se quiserem, no Parlamento. Seu caso provoca especial
constrangimento porque parte das atividades de Cachoeira é clandestina.
Há outros que se comportam como despachantes de interesses privados no
Legislativo, no Executivo e, infelizmente, também no Judiciário. É certo
que o nome do grande esquema, de que o contraventor é mera expressão
local, é Delta. Refaço aqui algumas perguntas: quem é, por exemplo, o
Cachoeira do Rio? Vale indagar: quem é o despachante de Fernando
Cavendish nesse estado? Quem é o Cachoeira do governo federal, o maior
cliente da empreiteira? Tudo indica que nem Polícia Federal nem CPI
fornecerão essas respostas. Nesse particular aspecto, Demóstenes é um
bom bode expiatório: era um político de perfil conservador, defendia em
seus discursos valores afinados com a austeridade (que agora são
tachados de “falso moralismo”) e perdeu sua base social, uma vez que
seus eleitores não moverão uma palha para defendê-lo. E o STF com isso?
No começo de
agosto, tem início o julgamento do mensalão — que é criminal, não
político, como o do Senado, que avaliou se Demóstenes quebrou ou não o
decoro. Seria interessante indagar ao senador Humberto Costa (PT-PE),
relator implacável do caso Demóstenes no Conselho de Ética do Senado,
que destino ele espera para seus pares petistas no Supremo. Não perderei
um dos mindinhos se apostar que ele os considera a todos inocentes,
puros como as flores. Aquela que foi a mais grave ameaça institucional
aos fundamentos da República — a compra de partidos políticos e de
parlamentares, acenando para a tentativa de criar um Congresso paralelo —
certamente parecerá coisa de pouca importância ao duríssimo Costa,
convicto, a exemplo da esmagadora maioria dos petistas, de que os
adversários são sempre criminosos, mesmo quando inocentes, mas que os
aliados são sempre inocentes, mesmo quando criminosos.
Reparem,
senhoras ministras e senhores ministros do Supremo: Demóstenes Torres
foi cassado — e responderá por seus atos também na esfera criminal —, e
ninguém sai por aí a alardear uma tramoia política para desestabilizar
um ativo parlamentar da oposição. Porque a suposição seria mesmo
descabida, e ninguém, entre os antigos admiradores do trabalho do então
senador, tem essa cara de pau. Os defensores dos mensaleiros, no
entanto, na política e também na imprensa, não se vexam de afirmar que o
julgamento do Supremo representará o confronto entre as forças
reformistas — os petistas — e os conservadores. Um articulista como
Janio de Freitas, por exemplo, da Folha, escolheu essa vereda.
Não, não! As
convicções de Demóstenes — aquelas que ele alardeava ao menos — não
foram cassadas; tampouco foram julgadas. Nem faria sentido! Em nove anos
e meio de mandato, ele defendeu, reitero, os fundamentos do estado
democrático e os direitos individuais. Não caiu por isso. Da mesma
sorte, O SUPREMO NÃO VAI JULGAR O DISCURSO OFICIAL DO PT, O SEU
PROPALADO AMOR PELA JUSTIÇA SOCIAL E SUAS PREOCUPAÇÕES COM A REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES — sempre destacando que há muito de mistificação
e picaretagem nessa conversa. Não será, em suma, isto a que chamam
“progressismo” que estará em julgamento.
É claro que
alguns vigaristas votaram em favor da cassação de Demóstenes também como
vingança. Em si, isso não tem grande importância. O que interessa é o
fato de a instituição ter deixado claro que certos comportamentos, se
descobertos, são inaceitáveis. Temos é de cobrar sempre mais
transparência do Poder Público e exigir que as evidências de falcatruas
sejam investigadas. Cumpre listar no caderninho da rede mundial de
computadores os políticos que estão tentando impedir que a Delta seja
investigada. O caso de Raul Filho (PT), prefeito de Palmas, é por demais
eloquente. O acordo, conforme revelam as fitas, foi feito com
Cachoeira, mas a empreiteira é que foi beneficiada por contratos sem
licitação. A cassação de Demóstenes é positiva, ainda que insuficiente.
Cumpriu-se um dever, mas, como se vê e como Palmas evidencia, ainda não
se cumpriu a tarefa.
Como
instituição, o Senado sai engrandecido desse embate. Em agosto, será a
vez de o Supremo dizer que Brasil espera nossos filhos e nossos netos.
Vamos saber, em suma, se as instituições que acabaram com a carreira
política de Demóstenes Torres seguirão na trilha do bem ou serão
expostas à sanha e aos métodos de José Dirceu.
Celso de
Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Cezar Peluso,
Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Dias Toffoli (???),
Luiz Fux e Rosa Weber vão dizer se os crimes dos petistas são crimes ou
são virtudes. O Senado que há se aproximou um pouco mais de um bom
Brasil a haver.
O STF vai decidir se o empurra ou não para a lama.
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