O rosnado no meio do palavrório de segunda-feira ─ “Se for necessário, vou morder a canela dos adversários para que o Haddad possa ser prefeito” ─ só assustou a plateia composta por militantes do PT e do PCdoB: abstraídos os que têm menos de cinco neurônios, os companheiros perceberam que o faro do velho perdigueiro, adestrado para a caça ao voto, está severamente avariado. Não há outra explicação para a ideia de imitar um pitbull sete dias depois de abanar o rabo para Paulo Maluf.
A perda do olfato não afetou a soberba de Lula. “Não, de jeito nenhum”, garantiu na terça-feira ao jornalista interessado em saber se estava arrependido da visita a um símbolo da corrupção impune. Tampouco ficara constrangido com a foto que documentou a troca de alianças entre noivos que passaram a vida trocando insultos. Se o rebanho que conduz engoliu sem balidos plangentes o ingresso de José Sarney e Fernando Collor no Clube dos Novos Amigos de Infância do Mestre, por que haveria de incomodar-se com outra parceria inverossímil?O faro falhou, informou no dia seguinte a pesquisa Datafolha. Aos olhos do eleitorado da maior cidade brasileira, o numerito no jardim foi um monumento à promiscuidade. Ao curvar-se à exigência feita pelo dono do PP para oficializar o apoio do partido a Fernando Haddad ─ e o arrendamento de 1min35 no horário eleitoral ─, Lula protagonizou um fiasco traduzido em números. O acordo entre o padroeiro dos bandidos de estimação e um procurado pela Interpol foi reprovado por 62% dos eleitores paulistanos (e por 64% dos simpatizantes do PT).
Pior para o afilhado, que caiu de 8% para 6%. Pior para o padrinho: continua em queda o número de paulistanos inclinados a votar em quem tiver o apoio de Lula. Melhor para o tucano José Serra, que subiu para 31% e se manteve na liderança da corrida, sete pontos à frente de Celso Russomanno, da coligação PRB-TV Record-PTB. Confrontado com o balaio de más notícias, o presidente que elegeu um poste de terninho caprichou na pose de ex-presidente pronto para eleger um poste de topete.
“A Dilma também começou por baixo nas pesquisas como o Haddad, e ganhou como o Haddad vai ganhar”, recitou. A bravata repetida de meia em meia hora é tão consistente quanto uma análise econômica formulada por Guido Mantega. Há exatamente dois anos, três meses antes da eleição presidencial, o Datafolha registrou um empate técnico entre José Serra e Dilma Rousseff. Agora, 25 pontos percentuais separam Haddad do adversário tucano.
Para eleger a sucessora que escolheu, o palanque ambulante manejou furiosamente a caneta nomeia e demite, excitou aliados com as verbas que negou aos inimigos e acionou a máquina federal com a desfaçatez de ditador cucaracha. Ainda assim, Dilma Rousseff foi derrotada em São Paulo por José Serra ─ no primeiro turno e no segundo. A busca obsessiva da revanche prejudica a visão. Lula acha que, imitando um pitbull, vai conseguir o que não conseguiu usando sem pudores nem limites os poderes presidenciais.
Por enquanto, as mordidas do comandante só fizeram estragos em canelas companheiras. Para impor a candidatura de Haddad, por exemplo, Lula aposentou grosseiramente Marta Suplicy. A mordida na canela da senadora afastou da campanha do PT a ex-prefeita que, em setembro de 2011, liderava as pesquisas com 29% das intenções de voto. Para fechar o acordo com Maluf, esqueceu que alegara problemas médicos para não aparecer na celebração da parceria com o PSB. A mordida na canela de Luiza Erundina deixou o candidato a prefeito sem vice. Em vez de uma ex-prefeita, Haddad terá como companheira de chapa uma certa Nádia Campeão, comunista do Brasil.
“Eu não sei morder canela”, comunicou nesta quinta-feira, de passagem por Belo Horizonte, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Não acho apropriado para um ser humano”. Ao saber o que disse FHC, sigla que está para o SuperLula como a kriptonita verde para o Super-Homem, o alvo da ironia vai provavelmente arreganhar os dentes. Haddad que se cuide. Se continuar mordendo assim, o padrinho pode liquidar a candidatura do afilhado ainda no primeiro turno.
Se não lhes faltassem juízo e coragem, os Altos Companheiros tratariam de acorrentá-lo no quintal assim que começasse outro rosnado. Além de encomendar pesquisas amigas aos comerciantes de estatísticas, o que lhes resta-lhe é rezar pela volta do faro que desapareceu. Talvez acabem descobrindo que nunca existiu.
POR AUGUSTO NUNES
REV VEJA
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