domingo, 1 de abril de 2012

Demóstenes e José Dirceu: dois casos emblemáticos da República.

 Ou: Como reagem os moralmente doentes e os moralmente saudáveis diante do caso


Peço que vocês leiam com muita atenção este texto
Já escrevi vários posts sobre a situação do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Publiquei, aliás, a primeira entrevista com ele tão logo veio a público reportagem da VEJA — e foi a VEJA a primeira a tratar do assunto em letra impressa — sobre o caso. Sabia-se bem menos do que hoje a respeito. Algumas das perguntas feitas então:
- O senhor é um dos mais severos críticos dos desmandos do petismo. Não pega mal para alguém com esse perfil ser flagrado conversando com Carlinhos Cachoeira?
- O senhor já foi secretário de Segurança de Goiás, entre 1999 e 2002. Não é impróprio alguém nessa posição ter amizade com um contraventor?
- Mas que tanto o senhor tinha para falar com Cachoeira?
Alguns vagabundos, que hoje são empregados do quadrilheiro-chefe da República, tentaram ligar meu nome às acusações contra Demóstenes. Ele seria “a fonte” e o “interlocutor” de Reinaldo Azevedo, como se falar com políticos não fosse uma obrigação do jornalista — e olhem que até falo pouco… O que é impróprio para jornalista é ser cúmplice de criminosos. Aliás, jornalistas falam com políticos e com o resto da humanidade — inclusive com aquela parte que chamo “imprópria para consumo… humano”. Boa parte das falcatruas que são reveladas, o que serve para proteger os cofres públicos, nasce da denúncia de pessoas envolvidas em esquemas que têm interesses contrariados. Conversar com uma fonte não é se comprometer com ela. Esse caso está ainda no começo. Eu posso lhes assegurar que os decentes da imprensa rirão por último. Mas, até lá, cumpre fazer algumas observações importantes.
As perguntas que lhe fiz, reproduzidas acima, nada tinham de “levantada de bola”. Ele só está numa situação muito difícil porque não tem boas respostas pra elas e porque o que vazou até agora indica que elas são pouco satisfatórias. Sim, eu lamento profundamente a desgraça política de Demóstenes porque, em si, independentemente do mérito (e falarei, sim, do mérito), o fato é ruim para o Brasil. Qualquer democracia do mundo precisa de uma oposição atuante. É a sua existência que demonstra, como lembro sempre, que o regime é democrático. Governos existem também nas ditaduras, mas só os regimes que asseguram as liberdades públicas e individuais contam com oposições organizadas e legais.
Lamento a situação de Demóstenes — e não sou o único — POR AQUILO QUE SE CONHECIA DE SUA ATUAÇÃO, não por aquilo que não se conhecia. A essa altura, ele próprio deve saber que dificilmente conseguirá se recuperar politicamente. Em certa medida, nem o ex-governador José Roberto Arruda, do DF, caiu de tão alto. Havia um halo de desconfiança que cercava Arruda em razão dos episódios ligados à quebra de sigilo do painel eletrônico do Senado. Mais: a política no Distrito Federal tem algumas características próprias que a tornam especialmente perversa mesmo para os padrões da lambança geral. Demóstenes estava em outro patamar e certamente sabe disso.

Os moralmente saudáveis e os doentes
Há uma reação de justa indignação dos moralmente saudáveis com a derrocada de Demóstenes. Não eram poucos os que acreditavam na sua pregação e que, atenção!, ainda acreditam naqueles valores que ele anunciava. E fazem muito bem! Eram e são bons valores. Se ele próprio, como apontam os indícios, não levava o que dizia na ponta do lápis, isso não depõe contra aqueles fundamentos, não! Eles continuam corretos.
Essas são pessoas de bem! Ninguém, até agora, me enviou comentários afirmando que isso tudo é só uma tramoia do PT; que Demóstenes foi obrigado a fazer essas coisas para sobreviver politicamente; que ele age como agem todos; que há também petistas — e os há!!! — na lista de políticos amigos de Cachoeira. Aliás, nota à margem: existe um vídeo em que o contraventor promete dinheiro a um deputado do… PT!!!
Não! Os antigos admiradores de Demóstenes não recorreram a essas estratégias. Isso é desculpa de petista! Isso é desculpa de petralha! Isso é desculpa do JEG (Jornalismo da Esgotosfera Governista)! Isso é desculpa de quem dá trela para José Dirceu! Os ex-admiradores de Demóstenes estão sinceramente decepcionados e não se mostram dispostos a perdoá-lo, AINDA QUE ELE TENHA SIDO ALVO DE UMA ILEGALIDADE CONTINUADA, ao contrário do que diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (já chego lá). Ocorre que essa ilegalidade não muda a natureza e o conteúdo dos diálogos.
O senador é um homem inteligente. Sabe que aqueles que o elegeram e que o admiravam não o perdoarão politicamente. E é por isso que, segundo leio, teria comentado com pessoas de seu círculo que está politicamente liquidado. Salvo um evento formidável, vindo de outra esfera, não creio que consiga se sair bem desse inferno.
Essa é a reação das pessoas saudáveis. Mais: elas querem que Demóstenes, confirmadas as ligações com Cachoeira, pague pelo que fez. Não há votos em favor da impunidade, não! Os que o admiravam são muito diferentes dos, como é mesmo, “amigos de José Dirceu”. Estes querem impunidade mesmo! Estes acham que o Zé só estava comandando a “revolução petista” por outros meios; estes acham que o Zé só estava agindo como agem todos, mas em favor do “lado certo”, o PT.
O SENADOR DEMÓSTENES TORRES SABE QUE, HOJE, O SEU PIOR INIMIGO É A SUA PRÓPRIA ATUAÇÃO NO SENADO, A PARTE CONHECIDA, QUE ERA EXCELENTE! E SEU SEGUNDO PIOR INIMIGO SÃO EXATAMENTE AS PESSOAS QUE O ADMIRAVAM EM RAZÃO DESSES VALORES. No caso de Dirceu é diferente: os valores dos seus admiradores o protegem porque iguais aos seus. Trazida à luz a relação de Demóstenes com Cachoeira, ele caiu em desgraça. Pego com a boca na botija, o Zé virou herói.
Acho que a carreira de Demóstenes está acabada. Já o Zé, como a gente viu, fez fama e fortuna. Não estivesse com os direitos políticos suspensos, haveria petistas bastantes para elegê-lo deputado. Afinal, o Zé, processado no STF por formação de quadrilha, cassado pela Câmara por corrupção, virou até “colunista político”, além de “consultor de empresa privada”.
A reação daqueles que tendem a inviabilizar a carreira política de Demóstenes é a reação de pessoas moralmente saudáveis. A reação daqueles que garantiram a sobrevivência de Dirceu — que o transformaram, pasmem!, em oráculo, que ainda votariam nele e que agora vibram com a desgraça do senador do DEM — é moralmente doente.

Mais sobre os doentes
E são justamente esses doentes, inclusive no colunismo político — coisa de vigaristas mesmo! — que tentam estabelecer conexões entre as ligações de Demóstenes com Cachoeira e sua oposição ao governo Dilma, como se só pessoa com víncuações suspeitas pudessem se opor ao PT. É mesmo?
- Então ninguém pode se opor ao PT do mensalão por bons motivos?
- Então ninguém pode se opor ao PT dos aloprados por bons motivos?
- Então ninguém pode se opor ao PT de Erenice Guerra, ex-braço-direito da própria Dilma, por bons motivos?
- Então ninguém pode se opor ao PT das lanchas de Santa Catarina (ver posts abaixo) por bons motivos?
Uma ova!
São exatamente as pessoas que não aceitam a moral elástica do petismo que estão a dizer a Demóstenes: “Assim não dá, senador! Isso é coisa da turma do lado de lá! Não somos petistas! Não justificamos os malfeitos das pessoas que estão do lado de cá!”

Polícia política
Tão logo o senador Demóstenes foi capturado na rede de influências de Carlinhos Cachoeira, seu caso deveria ter sido remetido ao STF. “Ah, não era ele o alvo da escuta…” Isso é conversa mole! No que diz respeito à questão propriamente criminal, dificilmente as eventuais provas contra Demóstenes não serão impugnadas. Ocorre que, politicamente — e Demóstenes é político —, isso não tem a menor relevância.
Quero chamar a atenção de vocês para outro aspecto. Repararam que o método empregado com Demóstenes é muito parecido com aquele que destruiu Arruda? Faz-se uma operação secreta, vão se colecionando provas ou indícios e depois começa o trabalho de vazamento, de modo que a pessoa colhida não tem para onde correr. Não por acaso, os “peixões” capturados são justamente lideranças da oposição.
Fizeram coisa errada? Que paguem! Quanto a isso, não há a menor dúvida. Quem gosta de impunidade são os amigos do Zé Dirceu! Mas por que essa mesma PF não emprega igual método contra petistas? Quantos resistiram a essa forma de investigação? Digamos que a Polícia Federal não tenha cometido uma só ilegalidade nessa ação. Diremos, então: eis aí uma instituição que serve ao Estado. Ocorre que começa a ficar caracterizado que os alvos são seletivos. SER DE OPOSIÇÃO NO PAÍS PASSOU A COMPORTAR UM RISCO ADICIONAL. E esse particular não caracteriza uma polícia de estado, mas uma polícia política.
Dado o andamento dos fatos, pergunta-se: de quais garantias dispõem os demais senadores da República — na verdade, o conjunto dos parlamentares — de que não estão sendo monitorados, sob a desculpa de que não são eles os alvos da investigação? A resposta: nenhumas! (o certo é “nenhumas” mesmo…). Fica uma advertência no ar: “Tomem cuidado!”

Caminhando para a conclusão
Que Demóstenes pague pelo que fez. Aliás, os vazamentos todos já caracterizam uma antecipação de pena, é evidente. É a correta atuação do senador — a parte que conhecíamos — que, entendo, inviabiliza o seu futuro político. Mas é justamente a atuação asquerosa de um Zé Dirceu (e de outros mensaleiros que estão de volta à Câmara) que lhe dá um futuro político! Não é mesmo um paradoxo interessante?
Os crimes dos adversários do PT crimes são! E isso é correto! Os crimes do PT, ora vejam!, transformam-se em virtudes, em atos de resistência! E isso é um crime adicional — no caso, moral. Ou não lemos ontem na coluna de Mônica Bergamo, da Folha, que os amigos do Zé (quem? quem?) pensam até em recorrer à OEA caso ele seja condenado???
Vigaristas atuando a soldo na rede, notórios bandidos que vivem de joelhos para o poder, esbirros de mensaleiros, tentam comprometer até mesmo o jornalismo que se dedica ao trabalho honesto, como ficará evidente pela enésima vez. É gente que está vibrando com a destruição de Demóstenes não porque cultive bons princípios, mas porque a serviço de bandidos que estão no poder.
Encerro reafirmando aos leitores que o senador Demóstenes está numa situação crítica NÃO PORQUE TENHA VIVIDO CONFORME O QUE PREGAVA, mas porque, é bem provável, DEIXOU DE FAZÊ-LO. Não havia e não há nada de errado com aqueles princípios. Eles continuam bons. Em suma, os maiores algozes de Demóstenes são aqueles que ele conseguiu conquistar com a sua atuação, tanto quanto os maiores defensores de Dirceu são aqueles que ele também conseguiu conquistar!

30/03/2012
DO R.DEMOCRATICA

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