sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A faxineira de Brasília

Como uma corretora de imóveis reuniu 25 mil pessoas contra a corrupção em Brasília e ajudou a criar um novo movimento político
FAXINA Daniella Kalil e as vassouras colocadas em frente ao Congresso. Movimentos como o que ela liderou voltarão às ruas no dia 12  (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)

A corretora de imóveis Daniella Kalil nunca se interessara por política, apesar de ter nascido e de viver na capital do país. Aos 32 anos, formada em publicidade e propaganda por uma faculdade particular, não participou de movimento estudantil, não foi aos protestos organizados pelos caras pintadas contra o governo Collor, em 1992, e nunca se filiou a sindicato ou partido. Mas, no último dia 7 de setembro, ela se tornou um dos principais rostos de um novo movimento da política brasileira. No dia da Independência do Brasil, Daniella se viu como uma das lideranças da manifestação que reuniu 25 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O protesto contra a corrupção ofuscou a presença da presidente Dilma Rousseff, que, do outro lado da avenida, participava pela primeira vez do desfile militar. Manifestações com essa vão continuar. As próximas estão marcadas para o dia 12 de outubro em várias cidades do país.
O envolvimento de Daniella surgiu quase por acaso. Alguém publicou no Facebook a ideia de fazer um protesto contra a corrupção em agosto. Às 11h38 do dia 17 daquele mês, Lucianna Kalil, irmã de Daniella que também lidera o movimento, criou um grupo para divulgar o evento. Enviou convites aos amigos também por meio da rede social. Como não tinham muitos adeptos, decidiram remarcar o protesto para o 7 de setembro. Achavam que poderiam contar com a adesão de famílias que fossem assistir ao desfile e com o Grito dos Excluídos, movimento que reúne outras organizações sociais. A partir do dia 31 de agosto, o evento ganhou força com a revolta contra a absolvição da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) em votação secreta pelos colegas de Câmara. Cerca de 50 pessoas se ofereceram para ajudar a organizar a marcha. Fizeram vaquinha, confeccionaram camisetas, pregaram cartazes e distribuíram folhetos.
O ativismo mudou a vida de Daniella. Depois do protesto, ela não teve tempo para vender mais nenhum imóvel. Vive com o filho de 10 anos na casa da mãe, que agora a ajuda financeiramente. Sua agenda está comprometida com reuniões, confecção de cartazes, panfletagem e militância virtual. Depois da passeata, ela chegou a pensar em entrar na política. Descartou a ideia, mas diz que ficou mais bem informada depois da experiência. “Nunca fui muito politizada, mas agora estou lendo muito. Procuro saber sobre tal PEC (proposta de emenda à Constituição). Tenho medo de falar bobagem.”
Essas manifestações são um fenômeno novo no país. Elas são apartidárias – e querem continuar assim. Seus líderes são indivíduos que não integram instituições tradicionais, como partidos, sindicatos e organizações estudantis. Querem distância dos políticos, tanto da situação como da oposição. “Fazem questão de não ter nossa participação”, disse o senador Pedro Simon (PMDB-RS), depois de participar de uma reunião na Ordem dos Advogados do Brasil na qual estavam Daniella e sua irmã. Segundo Daniella, após o 7 de setembro, alguns partidos ofereceram ajuda. Ela recusou porque muitas pessoas entraram no protesto justamente por ser apartidário – inclusive ela.
Os novos manifestantes tentam compensar a pouca disponibilidade de tempo e a pouca experiência com a internet. Seguem o exemplo dos jovens do Oriente Médio que derrubaram ditaduras na Primavera Árabe. Para alguns analistas, esse movimento é um novo fenômeno, uma espécie de revolta da classe média em ascensão nos países emergentes. O desenvolvimento econômico gera novas demandas políticas para essas populações. A China e a Índia também enfrentaram recentemente manifestações contra corrupção e má gestão. “Se não têm emprego, as pessoas ficam basicamente preocupadas com a subsistência”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo. “Com melhores empregos e melhor instrução, elas passam a reivindicar uma democracia melhor.”
O maior risco para a continuidade dos protestos é de ordem prática. No ano que vem, Daniella pretende voltar a vender imóveis e a fazer apenas uma marcha anual a cada 7 de setembro. “A gente tem motivos para fazer uma marcha todo mês, mas todo mundo trabalha”, diz. Superar a falta de uma militância profissional, definir uma agenda mais clara e melhorar a organização são necessidades reais para que esse novo movimento da política brasileira consiga se manter e obter mudanças concretas. Sem efeitos práticos, eles correm o risco de virar só um modismo, como muitos que circulam na internet e passam. Mesmo que os protestos do dia 12 não repitam o sucesso de setembro, o poder de mobilização da classe média não deve diminuir. “Movimentos como esse vieram para ficar”, diz Moisés.
ANGELA PINHO
REV EPOCA

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