quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Três espantos

O político que na Presidência cometeu a maior violência econômica já feita ao país, que foi deposto por impeachment e perdeu direitos políticos, está agora com poder de decidir como a sociedade terá acesso a informações públicas. O Brasil não se espanta com fatos estarrecedores, como o de que Fernando Collor, hoje senador, é relator do projeto que decidirá sobre a divulgação de dados oficiais.
Não é o único fato bizarro da vida brasileira atual. Falemos de três. No Congresso, políticos nos quais a população tem cada vez menos razão para confiar conspiram para que o voto brasileiro deixe de ser no candidato, para passar a ser em uma lista que os líderes dos partidos fazem. As direções partidárias ficariam com nosso direito de escolha. Quem estiver nos primeiros lugares da lista tem mais chance de ser eleito, e quem faz a lista são eles. Uma alternativa confusa está sendo pensada. Merval Pereira a chamou de “jabuticaba”. Elio Gaspari a definiu como uma “jararaca de muitas bocas”. O eleitor tem que votar duas vezes, no candidato e na lista, e aumenta-se o dinheiro público que os partidos recebem. “A choldra pagará a conta, mas só escolherá metade dos candidatos”, escreveu Elio na coluna do dia 21 de agosto. O problema da democracia brasileira não é como se vota, é como se comportam os políticos que recebem a honra do nosso voto; não é uma questão de dar mais dinheiro público do que já é dado para as campanhas, mas sim como ter mais transparência sobre quem contribui e como o dinheiro é usado.
O GLOBO de ontem trouxe reportagem de Evandro Éboli informando que o grupo criado em 2009 para tentar localizar restos mortais de desaparecidos políticos encontrou mais uma ossada na região do Araguaia. O grupo tem feito esforços de arqueologia dos crimes políticos, e o governo se comporta como se seres incorpóreos é que tivessem matado as pessoas desaparecidas. A presidente Dilma é avisada de cada passo da apuração, e o assunto é guardado a sete chaves. Assim, secretamente, o país procura ossos da verdade histórica. A presidente é a Comandante em Chefe das Forças Armadas. Tem o poder para determinar que a informação seja prestada por quem a detém, e pode recusar, por absurda, a desculpa de que todos os documentos foram queimados. Não há oração sem sujeito numa organização hierarquizada. Alguém mandou queimar. Que país é este que aceita vasculhar de forma quase clandestina as informações sobre seu passado, tendo direito a elas?
Collor nomeou-se relator do Projeto de Lei de Acesso à Informação Pública, o PLC 41, de 2010. O projeto passou pela Câmara, está no Senado, atravessou três comissões e parou na Comissão de Relações Exteriores. Lá, o senador Collor mudou integralmente o projeto. Há, segundo o jornalista e blogueiro Fabiano Angélico (http://algumasnotassoltas.wordpress.com), mais de 90 países com leis de acesso à informação que permitem ao cidadão buscar dados do setor público com facilidade. O Brasil não terá uma lei assim se prevalecer a proposta de Collor. Com supressão de parágrafos, rejeição de ideias inovadoras e alterações no texto, Collor está minando o avanço democrático brasileiro. Uma das propostas da lei era a de obrigar o setor público a prestar informações, pôr à disposição de qualquer cidadão os dados necessários à fiscalização do governo. O parecer retira a expressão “independentemente de solicitações”, sob argumento de que custa caro prestar contas, que o governo ficaria “sobrecarregado”. No artigo sétimo, Collor excluiu vários itens simplesmente dizendo que não deveriam estar na lei. Ele retira a obrigatoriedade de divulgação de informações do governo pela internet, “transformando-a em uma possibilidade”, como o próprio senador explica em seu parecer.
Leis como esta têm sido fundamentais para que qualquer cidadão, seja da imprensa ou não, requeira informações ao governo, ou possa fiscalizar atos das autoridades públicas. Nos Estados Unidos, a Freedom of Information Act tem sido acionada em casos importantes de informação ao público. Na Inglaterra, parte do que se soube do escândalo do grupo de Murdoch foi conseguido através dessa lei. Nos EUA, no caso mais recente, o Fed confirmou que concedeu empréstimos secretos para os bancos que pertencem à aristocracia de Wall Street. Aqui, o projeto foi descaracterizado na atual versão por Collor de Mello.
O que há de comum nos três casos é que o Brasil terá menos informação do que tem direito de ter. Collor está criando obstáculos ao acesso de dados sobre como funcionam os governos municipal, estadual e federal. As Forças Armadas continuam impondo sobre o poder civil uma humilhante procura às cegas de rastros dos crimes da ditadura. Os políticos querem impor aos eleitores menos transparência sobre quem nós estamos elegendo. Os três casos apequenam a democracia e com estes três absurdos temos convivido.
POR MIRIAM LEITÃO
O GLOBO

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