Cobrei, num post de ontem, republicado nesta manhã, que as oposições se manifestem de modo organizado sobre o tal plano do governo de incentivo à indústria. Ponderei que a luta por uma CPI para apurar as denúncias de corrupção é importante, sim, mas que é preciso ir um pouco além disso — até porque os petistas se especializaram em a) impedir CPIs; b) não conseguindo impedi-las, desmoralizá-las. Considerei ainda que manifestar-se sobre tal plano é importante porque ele remete a alguns desacertos fundamentais do governo Dilma. Mas, como se nota, a oposição patina; é evidente a ausência de um eixo organizador do debate de políticas públicas. Já volto a este ponto. Vamos agora a uma digressão relativamente longa, que explicita o quadro.
No que concerne ao jogo político, à disputa própria das democracias entre governo e oposição, em que um ganha terreno quando o outro comete um erro, o cenário raramente foi tão propício para os adversários do PT. Os desacertos do Planalto são impressionantes. A maior base de sustentação de um governo da história republicana vive uma espécie de transe, e não há quem possa se apresentar como “o” articulador político do governo. Já disse que Nelson Jobim pode ter sido destrambelhado no método, mas foi exato no mérito: Ideli Salvatti — das Relações Institucionais — é “fraquinha”, e Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, mal conhece Brasília. Quem costurava os múltiplos interesses desse troço que chamam “presidencialismo de coalizão” era Antonio Palocci, o consultor defenestrado. O governo ficou politicamente acéfalo.
Não custa lembrar. Quem fazia a articulação política no governo Lula era… Lula, com aquela sua habilidade já lembrada num dos posts abaixo: “inspira uma espécie de sujeição voluntária mesmo entre os sabidos porque se aposta, de algum jeito, que sua sabedoria não é deste mundo”. Dilma não veio ao mundo com esse dom da natureza, burilado ao longo dos anos como líder sindical e líder da oposição. A dita “presidenta” não sabe fazer essa condução e comete o erro de se cercar de gente mais fraca do que ela — erro que Lula, se vocês pensarem bem, nunca cometeu. Como era líder inconteste, podia ter auxiliares fortes.
É bem possível, não disponho de pesquisas, que as questões mais relevantes, com potencial para minar a credibilidade do governo, ainda não tenham chegado ao “povão”, mas provocam, como fica claro, uma bateção infernal de cabeças na base aliada. É bem provável que a dita “faxina” promovida no Ministério dos Transportes, por exemplo, tenha sido bem-recebida pelos setores do eleitorado mais atentos às coisas da política, mas restou um passivo enorme, que, tudo indica, o Planalto não sabe agora como administrar.
Em seu discurso no Senado, Alfredo Nascimento riscou o chão com a faca; só não entendeu quem não quis — muitos fingiram não ter entendido. Chamou a cumplicidade de ministros do estado para as suas ações, evocou a parceria com a própria Dilma e afirmou que o descontrole de gastos nos Transportes se deu em 2010, ano da eleição de… Dilma! Luiz Antonio Pagot disse estar louco para depor numa CPI. O governo se calou. Wagner Rossi, ministro da Agricultura, negou irregularidades em sua pasta, mas, quando menos, expôs o modo como foram preenchidos os cargos no ministério: Romero Jucá pediu para encaixarem lá o seu irmão (Oscar Jucá), e o homem, que já havia sido defenestrado da Infraero e repudiado como incompetente pela própria família, ganhou um cargo.
Acuado, o governo silencia. Faz sentido. Dilma se fez presidente porque foi essa a arquitetura de poder imaginada e realizada por Luiz Inácio Lula da Silva, o verdadeiro condestável do poder petista ainda hoje. Como ele é incontido; como, à diferença do que prometeu fazer, não desencarna de sua antiga função; como se considera o dono da bola, ele, então, fala pelos cotovelos, o que contribui para minar a autoridade de Dilma, não junto à opinião pública necessariamente, mas junto àquela “gente de Brasília” — nos EUA, Obama diria ser a “turma de Washington”. Na certeza de que têm um pacto firmado com Lula, não com Dilma, as lideranças políticas se assoberbam e vão fazendo e falando o que lhes dá na telha. No fim das contas, imagina-se que vão se entender com… Lula.
Dilma tenta emplacar desesperadamente uma agenda positiva, e as coisas não emplacam. Resta a imagem da mulher austera, pouco chegada a bravatas, que não gosta de jogar conversa fora, que a muitos agrada. Mas até quando isso vai? O ciclo da economia que vem pela frente não é dos mais auspiciosos. O discurso redentor de Lula, construído sobre uma base de impressionantes falsidades históricas, mesmerizou a inteligência de muitos e fez tabula rasa das divergências políticas. Ela já não conta com esse ativo. Não parece que o seu “Brasil Sem Miséria” resista como marca. Também o PAC vai ficando pelo caminho como peça de propaganda — ela ainda cuida dos restos a pagar da gestão do antecessor; mas foi aquele aporte publicitário que a elegeu, não é?
Não importa a tendência do interlocutor, uma avaliação está em quase todas as bocas: trata-se de um governo sem agenda, que parece viver à espera do retorno de um animador de auditório. Talvez, ao contrário do que pareça, reste mesmo a Dilma a veia da moralização da administração, o que não seria pouca coisa. É certo que isso criaria fraturas importantes na sua base de apoio. Mas, se vocês querem saber, um governo de fato sem agenda não precisa de uma base de apoio tão extensa. Como Dilma não sabe direito o que fazer, poderia prestar o favor de pôr para correr alguns corruptos. O problema é que todos eles sabem demais.
Volto ao começo para encerrar
A esta altura, sem prejuízo de denunciar o que há de errado no governo, seria o caso de as oposições começarem a estruturar, como posso chamar, a construção de um novo saber sobre a administração pública, apontando os erros estratégicos que estão sendo cometidos pelo governo. É preciso começar a evidenciar que o poder, como o estruturou Lula, está dando sinais de rachadura e consegue ser, a um só tempo, imoral e incompetente. Sem prejuízo, reitero, das denúncias dos malfeitos, é preciso ir além da agenda moralizadora.
A esta altura, sem prejuízo de denunciar o que há de errado no governo, seria o caso de as oposições começarem a estruturar, como posso chamar, a construção de um novo saber sobre a administração pública, apontando os erros estratégicos que estão sendo cometidos pelo governo. É preciso começar a evidenciar que o poder, como o estruturou Lula, está dando sinais de rachadura e consegue ser, a um só tempo, imoral e incompetente. Sem prejuízo, reitero, das denúncias dos malfeitos, é preciso ir além da agenda moralizadora.
REV VEJA
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