Percival Puggina
Tenho sob os olhos quatro documentos: 1) o Programa Nacional de Direitos Humanos – 3 (PNDH-3); 2) a declaração da CNBB sobre o tal programa, datada de 15 de janeiro deste ano; 3) o manifesto subscrito por mais de duas centenas de entidades que integram a Campanha pela Integralidade e Implementação do PNDH-3, lançado no dia 20 de maio; e 4) o discurso proferido pelo Papa Bento XVI aos bispos da Região Centro-Oeste no dia 15 deste mês de novembro.
O primeiro, o PNDH-3, é um bolo de pretensões ideológicas coberto com merengue de direitos humanos. Muito já escrevi sobre ele, apontando suas agressões a verdadeiros direitos da pessoa, como vida, liberdade e propriedade. O documento sofreu forte rejeição de vários setores. Mesmo assim, o PT o referendou de fio a pavio em seu Congresso Nacional realizado no mês de fevereiro deste ano. No entanto, com a aproximação da campanha presidencial, o bolo foi posto no freezer à espera de dias mais adequados para o retorno à vitrina da confeitaria petista.
O segundo, a declaração oficial da CNBB sobre o PNDH-3, só falta pedir desculpas por ter que discordar dele em quatro pontos. Aliás, bem contadas, das 572 palavras dessa declaração, apenas 100 podem ser lidas como expressão de divergência. As demais são de louvor e endosso àquele horroroso e mal concebido calhamaço. A entidade chega ao cúmulo de se desdobrar em elogios à “tão sonhada democracia participativa” (artimanha petista de lamentáveis resultados no Rio Grande do Sul, onde ficou tão desacreditada que saiu de pauta para nunca mais voltar). Mas até aí nada que surpreenda. A gente sabe que o coletivismo beato adora essas coisas.
O terceiro, o manifesto da Campanha pela Integralidade e Implementação do PNDH-3 é firmado por mais de duas centenas de organizações, em sua maioria pertencente ao segmento de gays, lésbicas, travestis e transgêneros. Sai em ardorosa defesa do programa, que deseja ver implantado sem alterações. Não há surpresa alguma em seu conteúdo, mas no fato de estar subscrito por organismos vinculados à mesma CNBB que apontou senões ao PNDH-3. Ali estão, por exemplo, entre os signatários do apoio, os bem conhecidos Conselho Indigenista Missionário e a Comissão Pastoral da Terra. Ali está, também, a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo. E para completar o enrosco, também o subscreve o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil, o CONIC, do qual faz parte – adivinhem quem! – a própria Igreja Católica. Se você entrar no site do CONIC verá que a primeira e maior das cinco igrejas que integram aquele conselho é a Igreja Católica, representada por Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB e signatário daquela declaração de discordância a que me referi acima. Pode uma coisa dessas? Ser contra e a favor? Pode. Na CNBB pode.
Para ampliar o paradoxo, o manifesto da Campanha pela Integralidade e Implementação do PNDH-3, lá pelas tantas, afirma textualmente o seguinte: “Desde que foi lançado, em dezembro de 2009, no entanto, o PNDH-3 vem sofrendo duros ataques de setores conservadores de nossa sociedade – sobretudo da Igreja (sic), dos donos da mídia, de setores antidemocráticos do Exército e de latifundiários. Esses segmentos não reconhecem o processo de construção participativa que resultou no Programa Nacional de Direitos Humanos ...”. E lá vai a assinatura do CONIC, arrastando consigo não apenas a CNBB, mas a própria Igreja Católica em nosso país a falar mal de si mesma. Durma-se!
Por essas e por muitas outras, cada vez que Bento XVI se reúne com bispos brasileiros nas tradicionais visitas ad Limina Apostolorum, lá vem um sermão focando os desvios que tantas e tantas vezes tenho apontado na conduta da CNBB. Agora foi a vez dos senhores bispos do Centro-Oeste, recebidos no dia 15 de novembro, saírem com as orelhas ardendo. Ciente dos abusos cometidos em nome da entidade, por seus dirigentes, seus assessores e por alguns de seus organismos vinculados, que pintam e bordam em nome da CNBB e da Igreja, o Papa usou palavras firmes que, muito provavelmente, chegaram, mais uma vez, a ouvidos moucos.
Disse Sua Santidade, entre outras coisas: a) "Trata-se em definitivo de buscar que a Conferência Episcopal, com seus organismos, funcione cada vez mais como órgão propulsor da solicitude pastoral dos bispos, cuja preocupação primária deve ser a salvação das almas, que é, além disso, a missão fundamental da Igreja"; b) "Ao mesmo tempo é necessário lembrar que os assessores e as estruturas da Conferência Episcopal existem para o serviço dos bispos, não para substituí-los"; e c) "Esse organismo deve evitar colocar-se como uma realidade paralela ou substituta do ministério de cada um dos bispos" nem "constituir-se em intermediário entre o bispo e a sé de Pedro".
Quando é que a maioria dos bispos brasileiros, sensatos e fiéis, vai ouvir o Papa e fazer o que precisa ser feito na entidade que os congrega? Quando vai rever suas assessorias, instituições vinculadas e essas associações esdrúxulas a ponto de a tornarem esquizofrênica, como se viu acima?
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