Josias de Souza
A suspensão judicial do miolo do decreto de Michel Temer sobre indulto de presos deixou o governo zonzo. Submetido ao questionamento ágil da procuradora-geral Raquel Dodge, Temer mandou dizer que não voltaria atrás no decreto que perdoava 80% das penas e 100% das multas impostas pela Justiça à bandidagem. Acossado pela decisão relâmpago de Cármen Lúcia, presidente do Supremo, Temer ensaiou um ajuste na redação do decreto. De repente, decidiu-se recuar do recuo. A pasta da Justiça informou que não haverá novo decreto.
O remendo piorou o soneto. ''Obediente à decisão de Sua Excelência (Cármen Lúcia), o governo aguarda, em face do exposto, que o Supremo Tribunal Federal possa decidir o mais breve possível sobre o tema'', anotou o texto do ministério. É como se o governo insisnuasse que o plenário da Suprema Corte, quando puder se pronunciar, na volta do recesso, desautorizará sua presidente.
''O indulto é tradição humanitária praticada todos os anos e favorece condenados por crimes não-violentos'', acrescentou a nota, abstendo-se de lembrar (ou lembrando de esquecer) que o decreto de Temer, por generoso, brindava os larápios de colarinho branco com uma benemerência inédita. Tão grande que invadia áreas de competência do Legislativo e do Judiciário.
Em vez de reconhecer o absurdo e refazer o decreto de indulto, o governo acusa. Sustenta no documento que a decisão de Cármen Lúcia ''impede, neste momento, que milhares de condenados por crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa possam se beneficiar do indulto, contrariando a nossa tradição.''
Por ora, impediu-se apenas que o mensaleiro petista Henrique Pizzolato tivesse sucesso na petição que seus advogados se apressaram em ajuizar, para reivindicar o cancelamento da multa de R$ 2 milhões que lhe foi imposta pelo Supremo na condenação do mensalão.
A certa altura, o texto da pasta da Justiça flerta com o humor negro. Numa administração que pagou com verbas e cargos o sepultamento de duas denúncias criminais contra o presidente da República e seus ministros palacianos, a nota oficial informa: ''O governo federal jamais praticou ato qualquer de restrição ou inibição à Operação Lava Jato. Ao contrário, apoia todas as investigações em curso.'' Hã, hã…
Entre a edição do decreto de indulto natalino e sua suspensão judicial, o governo de Michel Temer revelou-se intelectualmente lento, moralmente ligeiro e politicamente devagar. Qualquer uma dessas velocidades pode ser considerada um insulto.
Temer comporta-se como o sujeito que joga barro na parede a esmo, só para ver se cola. No caso do indulto, não colou. Quando o presidente pensou em reagir, já era tarde. Não conseguiu mais encontrar o local onde tinha cruzado a fronteira da desfaçatez.
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