E como o procurador-geral justifica seu exotismo? Ora, apesar de reconhecer os vícios da nomeação, diz que ela deve ser mantida “para evitar maiores danos à atuação governamental, uma vez que a pasta ministerial se encontra desprovida de seu titular, em momento de conhecida e profunda turbulência política e econômica que o país atravessa”
Rodrigo
Janot, procurador-geral da República, resolveu assombrar o mundo com
uma leitura da ordem legal que só não é única porque repete, para
escândalo do bom senso, a momice decidida pelo Supremo, em 2010, no caso
Cesare Battisti, quando, diga-se, o advogado do terrorista era Roberto
Barroso, hoje na Corte. É estupefaciente! Vamos com calma. Explico tudo
direitinho.
O ministro
Gilmar Mendes, como se sabe, concedeu uma liminar a mandado de segurança
impetrado pela oposição e suspendeu a nomeação de Lula. O governo
recorreu. Bem, com Gilmar ficaram as ações individuais e os mandados de
segurança contra o ato de Dilma. Agora vamos falar de outras ações.
Há duas
Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) — uma do
PSDB e outra do PSB — também contra a posse. O relator é Teori Zavascki.
Nesse tipo de ação, a Procuradoria-Geral da República é chamada a se
pronunciar. E eis que Janot deu o triplo salto carpado da falácia
argumentativa e propôs o inusitado no conteúdo e o quase inusitado no
método. Vamos ver.
O
procurador-geral admite que, ao nomear Lula para o Ministério da Casa
Civil, Dilma incorreu em desvio de finalidade. Janot escreve: “A
nomeação e a posse apressadas do ex-presidente teriam como efeitos
concretos e imediatos a interrupção das investigações (…) e a remessa
das respectivas peças de informação ao STF e à PGR”. Ou por outra: para o
procurador-geral, Dilma só nomeou Lula para tirá-lo da alçada de Sergio
Moro.
Calma! Ele vai ainda mais longe:
“O acervo probatório e elementos que se tornaram notórios desde a nomeação e posse do ex-presidente permitem concluir que a nomeação foi praticada com intenção de afetar competência de juízo de primeiro grau. Há danos objetivos à persecução penal, pela necessidade de interromper investigações em curso, pelo tempo para remessa das peças de informação e para análise delas por parte dos novos sujeitos processuais e pelos ritos mais demorados de investigações e ações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função”.
“O acervo probatório e elementos que se tornaram notórios desde a nomeação e posse do ex-presidente permitem concluir que a nomeação foi praticada com intenção de afetar competência de juízo de primeiro grau. Há danos objetivos à persecução penal, pela necessidade de interromper investigações em curso, pelo tempo para remessa das peças de informação e para análise delas por parte dos novos sujeitos processuais e pelos ritos mais demorados de investigações e ações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função”.
Ora,
justamente por esses elementos todos, o que pediram o PSDB e o PSB? Que a
nomeação de Lula fosse declarada uma agressão a um preceito fundamental
— e tornada, portanto, sem efeito.
Eis que Janot faz uma ginástica fabulosa e agride a lei e o bom senso duas vezes:
1) diante das evidências fáticas do desvio de finalidade, o procurador-geral defende que Lula seja empossado ministro, sim!;
2) para não parecer que está fazendo um servicinho ao Planalto, opina, no entanto, que o foro para investigá-lo continue a ser a 13ª Vara Federal de Curitiba.
1) diante das evidências fáticas do desvio de finalidade, o procurador-geral defende que Lula seja empossado ministro, sim!;
2) para não parecer que está fazendo um servicinho ao Planalto, opina, no entanto, que o foro para investigá-lo continue a ser a 13ª Vara Federal de Curitiba.
Trata-se de
uma sandice tanto em um caso como em outro. Ora, se Dilma fez o que o
próprio Janot diz que fez, incorreu no desvio de finalidade e ainda
agrediu a probidade administrativa, como é que se vai nomear um ministro
assim?
Se, no
entanto, Lula for nomeado, como é que poderia sê-lo sem o foro especial,
que vem junto com o cargo? A agressão ao preceito fundamental que a
nomeação enseja não anula o foro especial do ex-presidente — até porque
este pertence ao cargo, não a ele —, mas a própria nomeação.
Trata-se de uma das peças mais esdrúxulas jamais redigidas pela Procuradoria-Geral da República.
E como Janot
justifica seu exotismo? Ora, apesar de reconhecer os vícios da
nomeação, diz que ela deve ser mantida “para evitar maiores danos à
atuação governamental, uma vez que a pasta ministerial se encontra
desprovida de seu titular, em momento de conhecida e profunda
turbulência política e econômica que o país atravessa”.
Como? Então a
tal turbulência justificaria uma nomeação que agride a Constituição e a
lei? Mais: então a presidente da República teria a divina condição de
quem pode, no uso de uma prerrogativa — nomear um ministro —, fazê-lo ao
arrepio da ordem legal?
Não se
espantem! O Brasil já viu de tudo. Lembram-se de Cesare Battisti, o
terrorista? O Supremo decidiu, por maioria, que o refúgio que lhe foi
concedido no Brasil era ILEGAL. Mas decidiu também que cabia ao
presidente decidir se o terrorista ficaria ou não no Brasil. E bateu o
martelo: sim. Vale dizer: o Supremo de então decidiu, na prática, que,
no Brasil, um presidente da República pode agir ao arrepio da lei.
Janot,
agora, vem com a mesma tese. Sim, a nomeação de Lula, segundo ele
admite, fere a ordem legal. Se, no entanto, ele defende a posse, defende
também que Dilma está acima da lei.
Bem, como
sabem os leitores, Janot nunca me enganou. O Lula que ele agora quer ver
ministro é aquele que, nas gravações, diz que, não fosse o PT, e o
atual procurador-geral teria chegado em terceiro lugar na eleição entre
seus pares. E, portanto, procurador-geral não seria.
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