A deflagração da 22ª fase da Lava Jato deixou Lula irritado. Em
nota,
ele reclamou da “tentativa de envolver seu nome em atos ilícitos.” O
problema é simples de resolver. Se não quiser ser importunado, basta que
o ex-presidente demonstre que não é o dono do triplex número 164 A, do
edifício Solaris, no Guarujá. Sua assessoria já tentou várias vezes
desvincular Lula do imóvel. Mas falta às explicações oficiais algo
essencial: nexo.
Batizada de
Triplo X, a nova fase da
Lava Jato apura a suspeita de que a empreiteira OAS usou apartamentos do
agora célebre edifício do Guarujá para camuflar o pagamento de propinas
extraídas da Petrobras. Entre eles o triplex que Lula diz não possuir.
Vão abaixo as perguntas que o morubixaba do PT já poderia ter
respondido:
1.
Por que a assessoria de Lula admitiu que ele era o dono do triplex do Guarujá em dezembro de 2014? Em
notícia
veiculada no dia 7 daquele mês, o repórter Germano Oliveira informou: a
Bancoop, Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, que
deixara cerca de 3 mil pessoas na mão por causa de fraudes atribuídas ao
seu ex-presidente, João Vaccari Neto, entregara a Lula o triplex do
Guarujá. Com a falência da cooperativa, a OAS assumira as obras.
O
edifício ficara pronto em dezembro de 2013. Mas o apartamento de Lula
recebera um trato especial. Coisa fina. Antes unidos apenas por uma
escada interna, os três andares foram atravessados por um elevador
privativo. O piso ganhou revestimento de porcelanato. E a cobertura foi
equipada com um ‘espaço gourmet’, ao lado da piscina.
Ouvida nessa
época, a assessoria de Lula declarou: “O ex-presidente informou que o
imóvel, adquirido ainda na planta, e pago em prestações ao longo de
anos, consta na sua declaração pública de bens como candidato em 2006.”
Candidato à reeleição naquele ano, o então presidente Lula de fato havia
informado à Justiça Eleitoral que repassara à Bancoop R$ 47.695,38, uma
cifra que não ornava com o valor de um triplex.
2.
Por
que a assessoria de Lula mudou a versão sobre a posse do triplex cinco
dias depois de reconhecer que o imóvel pertencia a Lula? Sob os
efeitos da repercussão negativa da notícia segundo a qual Lula
tornara-se o feliz proprietário de um triplex à beira mar, na praia de
Astúrias, uma das mais elitizadas do litoral paulista, o Instituto Lula
divulgou, em 12 de dezembro de 2014, uma “nota sobre o suposto apartamento de Lula no Guarujá.”
Primeiro,
o texto cuidou de retirar a encrenca dos ombros de Lula. Anotou que foi
a mulher dele, Marisa Letícia, quem “adquiriu, em 2005, uma cota de
participação da Bancoop, quitada em 2010, referente a um apartamento.” A
previsão de entrega era 2007. Em 2009, com as obras ainda inacabadas,
os cooperados “decidiram transferir a conclusão do empreedimento à OAS.”
O
prédio ficou pronto em 2013. Os cooperados puderam optar entre pedir o
dinheiro de volta ou escolher um apartamento. “À época, dona Marisa não
optou por nenhuma destas alternativas”, escreveu o Instituto Lula. “Como
este processo está sendo finalizado, ela agora avalia se optará pelo
ressarcimento do montante pago ou pela aquisição de algum apartamento,
caso ainda haja unidades disponíveis.” Nessa versão, a família Lula da
Silva estava em cima do muro.
3.
Por que a mulher de Lula pegou as chaves de um apartamento que dizia não lhe pertencer?
Em 17 de dezembro de 2015, cinco dias depois da nota em que o Instituto
Lula alegara que Marisa Letícia ainda hesitava entre requerer o
dinheiro investido na Bancoop ou escolher um apartamento no edifício
Solaris, moradores do prédio
informaram ao
repórter Germano Oliveira que a mulher de Lula apanhara as chaves do
triplex número 164 A havia mais de seis meses, em 5 de junho. “Todos
pegamos as chaves no dia 5 de junho, inclusive dona Marisa”, disse, por
exemplo, Lenir de Almeida Marques, mulher de Heitor Gushiken, primo do
amigo de Lula e ex-ministro Luiz Gushiken, morto em 2013.
4.
Por que Marisa Letícia demorou seis anos para decidir se queria ou não o apartamento do Guarujá? Só em 8 de novembro de 2015 veio à luz a
notícia
sobre a decisão da mulher de Lula acerca do apartamento do edifício
Solaris. Nessa data, o repórter Flávio Ferreira informou que Marisa
desistira do triplex. Os assessores de Lula esclareceram que ela
acionaria seus advogados para reinvindicar a devolução do dinheiro que
aplicara no empreendimento. Considerando-se que a OAS assumira as obras
do edifício Solaris em 2009, a ex-primeira dama levou arrastados seis
anos para decidir. Cooperados menos ilustres tiveram de decidir na lata,
sob pena de perder o direito de exercer a opção de compra.
5.
Por que Lula e sua mulher não divulgam os documentos da transação imobiliária e de sua rescisão?
Afora a declaração à Justiça Eleitoral, em que Lula informara o
pagamento de R$ 47.695,38 à Bancoop até aquela data, não há documentos
disponíveis sobre a transação imobiliária e seu distrato. Nenhum
contrato, nenhuma rescisão. Nada de recibos. O Instituto Lula informou
que Marisa realizou desembolsos até 2010. Quanto pagou? Isso ninguém
informa. Tampouco veio à luz uma petição qualquer na qual os advogados
da família Lula da Silva reivindiquem a devolução do numerário.
6.
Por que Lula, Marisa e Lulinha, primogênito do casal, inspecionaram as obras de reforma do triplex?
Inquérito conduzido pelo Ministério Público de São Paulo, sem
vinculação com a Lava Jato, revelou indícios de que o triplex do Guarujá
integra o patrimônio oculto do casal Lula e Marisa. Eles seriam os
proprietários escondidos atrás da logomarca da OAS. Ouviram-se no
inquérito uma dezena de testemunhas.
Chama-se Armando Dagre Magri
uma das testemunhas. É dono da Talento Construtora. Contou à Promotoria
que a OAS contratou sua empresa para reformar o triplex número 164 A.
Orçou a obra em R$ 777 mil. Realizou o serviço entre abril e setembro de
2014. Não esteve com Lula. Mas avistou-se com Marisa. Estava reunido no
apartamento com um representante da OAS quando, subitamente, a mulher
de Lula deu as caras. Estava acompanhada de três pessoas. Descobriria
depois que eram o filho Fábio Luís, o Lulinha, um engenheiro da OAS e
ninguém menos que o dono da empreiteira, Léo Pinheiro, hoje condenado a
16 anos de cadeia na Lava Jato. Inspecionaram a reforma, atestaram sua
conclusão e deram a obra por encerrada.
Zelador do prédio desde
2013, José Afonso Pinheiro relatou ao Ministério Público que Lula também
inspecionou as obras do triplex. Esteve no apartamento, por exemplo, no
dia da instalação do elevador privativo. Contou que a OAS limpava o
prédio, ornamentando-o com flores, nos dias de visita de Marisa. Uma
porteira do edifício disse à Promotoria ter visto Lula e Marisa juntos
no local em fins de 2013. Em suas notas oficiais, o Instituto Lula não
explica o inusitado interesse pela reforma de um imóvel cuja propriedade
o casal nega.
7.
Por que a OAS devolveria dinheiro à família Lula da Silva depois de ter borrifado R$ 777 mil apenas na reforama do triplex?
Levado ao ar pelo Jornal Nacional, na noite desta quinta-feira, o
advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, reiterou: “Esse imóvel não é
do ex-presidente Lula e de nenhum parente do ex-presidente Lula. A
família do ex-presidente Lula comprou uma cota de um projeto da Bancoop.
É só isso que existe. Ele pagou essa cota. Essa cota está declarada no
imposto de renda do ex-presidente Lula.”
Inquirido a respeito da
reforma feita pela OAS, sob supervisão de Marisa Letícia, o doutor
absteve-se de responder. Poderia ter dito, enfaticamente: Lula, Marisa e
o filho do casal jamais inspecionaram reforma do predio do Guarujá. O
doutor preferiu tergiversar: “Eu não tenho a menor ideia porque houve
uma reforma e quem fez esta reforma. Simplesmente porque este imóvel não
é do ex-presidente Lula ou de qualquer parente do ex-presidente Lula. O
ex-presidente Lula tinha uma cota de um projeto da Bancoop e depois,
quando este projeto foi transferido para uma outra empresa, ele tinha
duas opções: pedir o resgate da cota ou usar a cota para a compra dum
imóvel no edifício Solaris. E ele fez a opção, a família fez a opção,
pelo resgate da cota.” De duas, uma: ou a OAS converteu-se de
empreiteira em instituição de caridade ou alguém ficará no prejuízo. Ou,
por outra, a Lava Jato içará à tona uma terceira versão, a verdadeira.