Dilma Rousseff já tinha perdido quase tudo. Sem investidores, o Brasil grande do pré-sal transformara-se num ponto perdido no futuro longínquo. Sem crescimento, o país do pleno emprego tornara-se um traço marcante do passado recente. Com Lava Jato, o discurso do ‘eu não sabia’ convertera-se num mico do presente. Quando parecia não haver mais nada a perder, a Standard & Poor’s eliminou o papel que a presidente exercia com mais brilhantismo. Ela não pode mais culpar os outros —nada de FHC, de crise internacional ou de estiagem prolongada. Ao retirar do Brasil o selo de bom pagador, a principal agência de classificação de risco sinalizou que a crise brasileira se chama Dilma.
“Nós temos agora menos convicção na política fiscal do gabinete da Presidência”, anotou a S&P em seu relatório. Atribuiu-se a desconfiança às sucessivas revisões das metas de superávit fiscal. A de 2015 caiu de 1,13% para 0,15% do PIB. E o superávit de 2016, fixado inicialmente em 0,7%, virou um déficit de 0,3% do PIB no orçamento enviado por Dilma ao Congresso com um burado oficial de R$ 30,5 bilhões. “Esta mudança reflete um desacordo com a composição e magnitude das medidas necessárias para reequilibrar as contas públicas”, anotou a agência.
O déficit de prestígio do ministro Joaquim Levy junto ao Planalto também não escapou à percepção da S&P. “Enquanto o Ministério da Fazenda está trabalhando em várias medidas para recuperar a meta de superávit inicial de 0,7% do PIB, elas terão de ser negociadas de forma fragmentada com o Congresso.”
A agência reparou também que Dilma desgoverna a economia potencializando as divergências entre Levy e os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil). “A série de eventos que leva à proposta de Orçamento [deficitário] nos sugere coesão diminuída dentro do gabinete da presidente Dilma Rousseff”, escreveu a S&P. Isso “contribui para a nossa avaliação de um perfil de crédito mais fraco, dada a a magnitude dos desafios nas frentes políticas, econômicas e fiscais do Brasil, que precisavam de um apoio firme, a fim de maximizar poder de negociação do Executivo com o Congresso.”
Quem quiser pode desqualificar a S&P, como fez o líder de Dilma na Câmara, José Guimaraes (PT-SP), há seis semanas, quando a agência informou que o Brasil entrara em viéis de baixa. “Essas agências não têm nada que se meterem no Brasil, deviam estar preocupadas com a vida delas, não com o Brasil”, ralhara Guimarães. “Essa crise, em certa medida é forjada. […] Essas análises não deveriam nem ser levadas em conta, isso não tem a menor importância.”
O diabo é que as críticas à agência foram, por assim dizer, previamente desautorizadas por Lula em abril de 2008, quando a mesma S&P concedeu o grau de investimento ao Brasil. Ainda na pele de presidente, Lula celebrou a novidade à sua maneira, discursando num evento em Teresina (PI).
Dono de um talento iniqualável para simplificar as coisas, Lula valeu-se de uma analogia com dois trabalhadores. Um é bem-posto na vida, paga em dia o aluguel e vive em função da família. “Esse é o investment grade [grau de investimento]”, ensinou Lula. O outro trabalhador torra todo o salário na mesa de jogo e no balcão do boteco. “Era assim que o Brasil era”, lecionou Lula. “O Brasil estava quebrado, não tinha credibilidade.” Quer dizer: tomado pelas palavras de 2008, o criador acredita que o rebaixamento da S&P fez do Brasil da criatura um país bêbado e desacreditado.
Durante todo o seu primeiro mandato, Dilma exagerou nos gastos públicos, deu isenções e subsídios a granel e negligenciou o controle da inflação. Como se fosse pouco, aniquilou a confiança nos dados oficiais com manobras contábeis. Recuou as finanças públicas para algum ponto da década de 90. Reeleita, madame recrutou Joaquim Levy no Bradesco. Parecia decidida a retirar a economia brasileira da mesa de jogo e do balcão do boteco. Era lorota.
A idéia de que a presidente ainda reúne condições políticas para debelar a crise econômica exige uma pré-condição: o discurso oficial não pode agredir a realidade nem desmerecer a inteligência da plateia. Quando um governo fala em aumentar impostos antes de tirar sangue da máquina pública transforma remédio em veneno.
Supondo-se que consiga superar a maldição do vice Michel Temer —“ninguem vai resistir três anos e meio com esse índice baixo” de popularidade—, Dilma terá pela frente um mandato duro de roer. Sempre que cair na tentação de encontrar um demônio para transferir a custódia de suas culpas, basta que a presidente dê uma olhada no espelho. DO JOSIASDESOUZA-UOL
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